
Quando você entra no restaurante da Selma, é imediatamente convidado a ir ao banheiro. Não, não é piada ou pegadinha. No Restaurante Seldeestrela, essa peça sanitária não é como qualquer outra. Lá está uma das mais belas imagens da Região Norte do país: a do boto-cor-de-rosa.

E o boto tem tudo a ver com a história dela. Acreana de Rio Branco, Selma Cavalcanti, 39 anos, trabalhou por mais de 20 anos como professora provisória. Em 2017, veio para Foz do Iguaçu com os filhos em busca de informações sobre cursos de Medicina no Paraguai. Depois disso, a vida dela não foi mais a mesma. “Eu acho que vamos morar em Foz”, disse ao marido.
A distância entre Sul e Norte não fez Selma esquecer-se da fronteira. Em 2020, ela resolveu mudar para estas bandas e ficar mais perto dos filhos. Precisou deixar a sala de aula e abraçou o desafio de empreender em uma região com sotaques e costumes diferentes.

Tudo começava a ir bem até que a pandemia chegou. Arretada, a neta de nordestino não se curvou. As cápsulas de capuccino em pó que os filhos venderiam na faculdade para bancar custos tiveram outro destino: começaram a ser comercializadas pela internet e oferecidas para moradores de um condomínio.
Depois, foram parar nas feiras livres da cidade, tudo em plena pandemia e com todas as dificuldades trazidas pelo vírus.
Naqueles tempos, bolo ficava pronto, mas feira era cancelada
“Fazia bolo na sexta, vinha decreto no sábado, e no domingo não tinha feira”, contou. Apesar das dificuldades, a professora decidiu estudar e investir no empreendedorismo. Fez cursos na Associação Comercial e Empresarial de Foz do Iguaçu (ACIFI) e no Sebrae e resolveu ampliar o negócio.
Na feira livre, o cardápio apresentava mais sabores no Norte brasileiro, e a barraca ganhou um nome: Sonho Meu. Lá tinha tacacá, vatapá, quibe de arroz, saltenha, unha de caranguejo e maniçoba, um aglomerado de letras e gostos pouco conhecidos pelos lados de cá.

Com o tempo, a pandemia foi indo embora, e o negócio cresceu. Selma comprou um trailer e, como os planos iam bem, mais adiante decidiu dar um passo mais largo, até que encontrou um espaço para abrir um restaurante: o Seldeestrela – uma casa onde se misturam cores e sabores da Amazônia, Pará, Acre e um tiquinho do Ceará.
É lá que está o boto-cor-de-rosa estampado no banheiro para receber os clientes. O boto, conforme a lenda, se transforma em um homem e encanta mulheres que geram filhos.
Os filhos, completa Selma, podem ser homens ou mulheres com liberdade para escolher o próprio gênero.
O convite para ir ao banheiro, diz Selma, é uma forma de comunicar aos clientes que ela é a proprietária do restaurante. Lá pode entrar qualquer pessoa, o cliente, companheiro, companheira, amigo. “Eu só tenho esse banheiro que se remete à inclusão”, diz.
Na fronteira, uma ambiência nortista
Nos ambientes do restaurante, tudo vira arte. A decoração remete à floresta amazônica e às peculiaridades da Região Norte, com suas árvores típicas, a figura dos seringueiros – conhecidos por soldados da borracha –, os indígenas, o açaí e a vitória-régia. É ali que a empreendedora convida você a ver o boto e conta um pouco mais sobre as lendas e encantos amazonenses.
Nesta entrevista ao H2FOZ, Selma, agora empresária, narra mais da saga pessoal. Ela faz parte de um universo de 32,7% de mulheres que empreendem no Paraná. O número tem base no panorama de dados referentes ao quarto trimestre de 2024, da PNAD Contínua, do IBGE.
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