Pantanal: melhor pagar para não atear fogo que tentar apagar incêndios

Há que se jogar um balde de água fria na cultura de que é normal assistir o Pantanal arder em chamas anualmente.

Aida Franco de Lima – OPINIÃO

Estamos vendo um de nossos grandes biomas, o Pantanal, consumindo-se em chamas e ninguém acha os (ir)responsáveis por essa devastação. E muitos órgãos ambientais, sucateados, diga-se de passagem, não têm braços suficientes para tanta demanda. Era para todo o Brasil estar mobilizado para conter as chamas antes que elas acontecessem! Os cientistas já haviam alertado que o período de estiagem – que tem avançado ano a ano rumo ao Pantanal – chegaria antes. E o que, de fato, foi feito para evitar a catástrofe anunciada?

Há quem culpe até a própria natureza pelas queimadas, que ela motivaria a combustão natural responsável pelos incêndios. Lembrando que não há incidência de raios na seca extrema que se abala sobre a região. Balela! Há é quem lucra, e muito, nas tragédias. Porém, nem sempre calculam que essas saiam do controle. Assim como teve gente que viu motivos para comemorar com as enchentes no Rio Grande do Sul para faturar de um modo ou de outro.

Em entrevista à BBC News do Brasil, Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), órgão nas Nações Unidas, explicou que é como se a grande quantidade de chuvas que assolou o Rio Grande do Sul ficasse retida por lá. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, historicamente a estiagem ocorre no segundo semestre, porém neste ano o fenômeno se antecipou.

Mas ainda que não houvesse tal antecipação, que já estivéssemos em julho ou agosto, o que de fato teria sido feito para impedir que os incêndios ocorressem? Quais medidas o governo federal, o governo do Mato Grosso, do Mato Grosso do Sul e das cidades do entorno tomaram de verdade para prevenir ou combater os incêndios? Quais ações efetivas de educação ambiental, de fiscalização, de multa foram implementadas, com a utilização desses recursos para retroalimentar as ações ao longo dos anos, a fim de influenciar e apagar a “cultura” do fogo?

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse que essa é uma das piores queimadas que se abate sobre o Pantanal. Afirmou que se trata de incêndios criminosos, porque as queimadas controladas para limpar o pasto estão proibidas nesta época do ano, e pediu consciência à população. Eu vejo vários erros na mesma sentença, pois não deveríamos mais aceitar queimada controlada em época nenhuma! E muito menos achar que as pessoas terão consciência de uma hora para outra.

Se é sempre um sujeito oculto que intencionalmente ou não é o responsável pelos incêndios, e ele não é punido porque é raro identificá-lo, será que não há um meio de trazer esse ser para defender o Pantanal? Tal qual quando uma grande empresa sofre ataque de hackers que os contrata para detectar suas fragilidades. Assim como foi no exemplar Projeto Tamar, que engajou os pescadores, também de modo remunerado, para proteger as tartarugas que estavam em vias de extinção.

Se mais de 80% dos incêndios estão em propriedades rurais, se há dificuldade em provar que os incêndios são intencionais, que tal interferir de algum modo para que não seja lucrativo ter áreas incendiadas? E se tais áreas não pudessem, em hipótese alguma, virar pastagens? E se nessas áreas não fosse possível plantar soja? Elas continuariam “pegando” fogo?

Vamos bonificar quem ajudar a vigiar o Pantanal. Criar um cinturão de proteção, de vigilantes, de comunidades que sejam gratificadas com isenção de impostos ou com o que for, pelo fato de ajudar a impedir que as áreas “peguem” fogo. Denunciando, fiscalizando, treinadas como bombeiros civis para ajudar a combater os primeiros focos de incêndio. E, sim, dedurarem os incendiários! Vamos inverter a lógica. Em vez de gastar milhões, bilhões, apagando incêndios e correndo para reverter o prejuízo deixado no rastro de cinzas, vamos pagar para a comunidade ajudar que eles não se propaguem.

Não tem como esperar apenas pela boa intenção, pela conscientização, ou achar que as pessoas vão deixar de atear fogo no Pantanal porque viram na televisão que as mudanças climáticas extremas podem bater à sua porta. Enquanto a casa delas não pegar fogo, não fará diferença.

As pessoas continuam sua vida até que a fumaça não as sufoque, “seus” animais não morram queimados, sua plantação não seja toda perdida… Porque é como se contra o fogo não houvesse o que fazer. Nesta semana inclusive viralizou imagem de festa junina na cidade de Corumbá com uma cortina de fogo ao fundo. Tudo a ver. Normaliza-se o fogo, e a população segue a vida cotidiana. Afinal, todo ano já é esperado que um sujeito, indefinido, defina o destino do Pantanal.

Até o momento, o  Ministério do Meio Ambiente  liberou R$ 100 milhões para o combate às queimadas no Pantanal. Não seria mais inteligente injetar essa quantia, ou metade dela, para investir em ações que, além de proteger o Pantanal, movimentassem a economia das cidades? Que fizessem com que as pessoas percebessem no bolso que é mais lucrativo cuidar da natureza que destruí-la? Até porque, em se tratando de áreas de latifundiários, a história se repete: o bônus, a terra explorada até a última gota, fica com poucos; e o ônus, que resulta do fogo consumindo tudo, sobra para a sociedade.

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