Ativistas contestam orientação do IAT para não alimentar silvestres após incêndios

Onde há fumaça há fogo e muita fome. E nem todos que querem ajudar, com conhecimento de causa, são aceitos.

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Aida Franco de Lima – OPINIÃO

Os incêndios florestais que transformaram o Brasil em uma grande cortina de fumaça despertam a atenção porque agora as chamas consomem não somente a floresta, mas ameaçam as residências. E porque as pessoas passam a sentir, literalmente, os efeitos da fumaça. As chuvas estão pingando aos poucos, porém a fumaça e o fogo ainda assustam.

Mas isso ainda não é o suficiente para fazer com que os gestores sejam mais enérgicos em suas posturas. Com exceções, muitos estão mais preocupados com as eleições municipais, e parece mesmo que as ações são as de sempre, jogando a salvação das florestas nas costas dos bombeiros e de São Pedro. Quando indagados em relação a iniciativas concretas, abusam do verbo monitorar. “Estamos monitorando”, como se isso fosse o bastante.

Os incêndios castigam os ambientes e, consequentemente, animais mais frágeis, a começar pelo que resta de nossas florestas urbanas, tão agredidas continuamente, pagando o preço do progresso. Quando não é fogo, é desmatamento, como nos já citados casos do Bosque dos Macacos e Praça dos Ipês em Foz. Ou avenidas, erosões, chamas e outros problemas engolindo o Cinturão Verde de Cianorte. Triste, até porque nesse cenário, em Cianorte, a também tão propagada Cidade Árvore do Mundo, título esse obtido por muitas outras no Brasil, parece selar o seu futuro cinza.

Há algum tempo, um concurso promovido pelo órgão municipal de meio ambiente escolheu o nome do novo mascote do Cinturão Verde, que antes era um quati e agora seria um macaco-prego chamado Cinturinho. Ou seja. Nem Cinturão, nem fivela, um “cinturinho” consumido pela displicência das autoridades que continuam suas campanhas eleitorais, assistem à sua destruição e correm lavar as mãos, quando a responsabilidade bate à porta.

Não bastasse tudo isso, com toda a destruição, há a disputa por territórios. Não dos animais, mas dos humanos. Dos humanos que se colocam em pedestais, em cargos de chefia, e não deixam que outros se metam a mostrar serviço. Principalmente serviço voluntário!

Estou falando especificamente de voluntários com grande experiência no manejo de animais silvestres, do grupo Papo Silvestre, que se propuseram a ajudar os animais que sobreviveram aos incêndios em Cianorte, com a suplementação balanceada de alimentos, e foram impedidos. De acordo com o grupo, que divulgou uma Carta Aberta:

  • O projeto Papo de Silvestres apresentou um plano bem estruturado para atuar no resgate e na suplementação de alimentos e água para a fauna afetada. O projeto, especializado em educação ambiental, ofereceu suporte técnico com o acompanhamento de profissionais capacitados, incluindo doutores e mestres na área, e também contou com o apoio de outros profissionais de fora, prontos para ajudar na mitigação dos danos causados pelos incêndios. Apesar da experiência e conhecimento oferecidos, as autoridades locais proibiram a atuação, utilizando a justificativa de que o manejo da fauna estava sob controle. Tal justificativa entra em contradição com as necessidades evidentes da fauna sobrevivente e com a cláusula VIII da Remad (Rede de Monitoramento e Avaliação dos Desmatamentos e Incêndios Florestais), que fomenta a participação de voluntários da sociedade civil organizada.

Há um rigor e todo um protocolo para exigir de cientistas e voluntários a entrada deles nas áreas do Cinturão Verde, quando em situação de incêndios ou quando querem verificar problemas como erosão, entre outros. Mas se todo esse rigor fosse utilizado para controlar os problemas que acometem as áreas, este texto nem teria sido escrito.

A justificativa para dizer não aos voluntários que se dispuseram a ir a campo era de que os órgãos locais, tanto estadual como municipal, tinham o controle da situação e seria necessário respeitar a hierarquia.

Ao negar a ajuda e tão logo o grupo se manifestou nas redes sociais, o órgão estadual, o IAT (Instituto Água e Terra), por meio do escritório de Cianorte, emitiu orientações que contrastam com ações implementadas em áreas igualmente devastadas.

“Os bichos que viviam nas áreas afetadas pelo fogo estão no processo de estabelecer novos territórios, então é comum que eles ainda circulem nas áreas queimadas. Nessas ocasiões, a população deve manter distância e não oferecer nem água nem alimento, para que eles sejam incentivados a migrar para locais sem fogo.”

Traduzindo: os animais que lutem!

Tal orientação diverge de ações concretas de socorro a animais. Afinal, é muito diferente oferecer água para um animal silvestre que escapou de um incêndio de atrair um deles para tirar foto em um complexo turístico. Desse modo, é como se o mal maior fosse alimentar o animal, e não toda a degradação ocorrida. Os animais não estabelecem novos territórios do dia para a noite, porque esses, quando existem naturalmente, já estão ocupados e há uma competição por espaço e mesmo por liderança, conforme as espécies. Isso é algo que se aprende nas primeiras lições de Ciências. É como se fosse um maratonista, que não pudesse receber água, para que não se acostumasse com comodismo.

A repercussão aumentou, muitas pessoas queriam saber o motivo de no Pantanal, também engolido pelo fogo, haver um trabalho sério de distribuição de toneladas de vegetais, na expectativa de auxiliar temporariamente os animais sobreviventes, e no Paraná, ou especificamente Cianorte, a orientação ser diferente.

Há uma prática muito comum de quando um órgão se sente cutucado pela população que cobra atitudes concretas ele jogar palavras ao vento e até distorcer o sentido das propostas. Importante deixar bastante claro que a oferta levada e negada por Cianorte era de promover a suplementação alimentar nas áreas atingidas, temporariamente, com critérios técnicos. Além do mais, o mesmo grupo ofereceu levar material para auxiliar na captura de um macaco com ferimento aberto, e isso também foi negado. Muito provavelmente esse animal não foi capturado, do contrário as fotos seriam amplamente divulgadas. Ele que lute!

E depois que uma boa parte de florestas paranaenses virou carvão, o IAT decidiu proibir por 90 dias a tal da queima controlada para prevenir (mais) incêndios. Tal medida foi editada pela Portaria n.º 338/2024, publicada no Diário Oficial do Estado de segunda-feira (9). A norma joga a responsabilidade para que as usinas de produção de açúcar e álcool sejam as responsáveis por comunicar a proibição aos fornecedores de matéria-prima.

Queimada já nem deveria mais ser cogitada. Em tempos como os atuais, é inimaginável que isso ainda possa ser aceitável. Deveria ser completamente banida, e ponto, pois as técnicas evoluíram um bocado depois do período neolítico. E se há quem ainda precise atear fogo para tirar sustento da terra, os gestores precisam rever o destino de nossos impostos.

Também os gestores, principalmente aqueles em cargo em comissão, precisariam ter mais humildade em aceitar ajuda de quem é da área, quem alia a pesquisa científica com a prática e faz da defesa do meio ambiente uma verdadeira missão. Estes, terminado o período eleitoral, continuarão seguindo sua jornada; os demais, casos seus tutores não sejam reeleitos ou, por outros motivos, não lhes presenteiem mais com os cargos, passarão. Os outros, parodiando Mario Quintana, passarinho, que voaram até o Ministério Público, solicitando o direito de tão simplesmente salvar vidas.

Em tempo, o Cinturão Verde, enquanto este texto era escrito, estava, mais uma vez, em chamas.

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