Cinturão Verde de Cianorte: descaso além do fogo

Mesmo com os incêndios frequentes, não existem hidrantes no entorno da floresta urbana de Cianorte.

Aida Franco de Lima – OPINIÃO


O Brasil está uma fumaça só, de Norte a Sul, e a cidade de Cianorte, no Noroeste do Paraná, ganhou destaque também nos últimos dias. Mas os incêndios florestais que aconteceram recentemente só tiveram visibilidade e foram noticiados em todo o Brasil por conta do impacto da altura das labaredas. Fora isso, mais do mesmo. Já é uma “tradição” a floresta que cerca(va) a cidade ser incendiada.


No ano de 2000, houve um acordo entre o município e a detentora legal das terras, a empresa colonizadora da região, a Companhia Melhoramentos do Norte do Paraná (CMNP). Então, uma área da mata foi transformada em Unidade de Conservação, e outra, liberada para loteamento. A história é longa, e eu contei tudo em minha dissertação de mestrado: Duelo de imagens e palavras: o “acordo” do Cinturão Verde de Cianorte e a cobertura dos jornais impressos locais e estaduais.”


Para convencer a sociedade de que estava sendo feito um bom negócio, os órgãos envolvidos tentaram omitir que o toma lá dá cá provocaria um grande dano ambiental. Afinal, áreas de mata fechada foram liberadas para loteamento. A briga foi parar na Justiça. Mas o estrago já estava feito. Assim, uma grande parte da floresta é devastada para assegurar a criação do Parque Municipal do Cinturão Verde.


Desse modo, o fogo que insistia em brotar nessas áreas que não eram cuidadas, nessas áreas que interessavam a loteamentos, aquietou.


Porém, a criação em si do Cinturão Verde de Cianorte, jamais lhe garantiu a segurança total contra o fogo. Volta e meia, os incêndios aconteciam. Contudo, já não eram mais de responsabilidade da empresa privada. O cuidado estava nas mãos do município, que ao longo dos anos vem faturando alto com o ICMS Ecológico, dinheiro que a floresta gera.


Na prática, é como se a mata atrapalhasse o desenvolvimento da cidade e, então, paga-se para que o município cuide dela. Soa absurdo, afinal não tem comparação o que uma área verde significa, mas para gestores e loteadores floresta é uma pedra no meio do caminho sim!


Com o tempo, criou-se uma lenda urbana de que Cianorte detinha a segunda maior floresta urbana do Brasil, só perdendo para a Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro. Então, comecei a questionar, a escrever artigos e explicar que isso era apenas lenda, que essa notícia é mentirosa, que há muitas outras florestas urbanas maiores que o Cinturão.


Então, até a prefeitura parou de repetir essa mentira. Nem a Floresta da Tijuca é a maior do Brasil. A maior é a do Parque Estadual da Pedra Branca, também no RJ, com 12.500 hectares de extensão.
A impressão que sempre tive é a de que quanto mais fingissem que maior fosse a floresta, mais ameaçada ela estaria. Afinal, se é tão grande assim, fogo, avenida, loteamentos e alterações nas leis não lhe devem causar tanto impacto…

O fato é que há uma grande cortina de fumaça que separa o marketing verde do poder público e empresários que se apropriam da hipótese de qualidade de vida, vinculando seus projetos e ações à sustentabilidade.


    Para piorar a situação, existe uma parte da mata que não pertence ao Parque, e essa fica ainda mais à mercê da destruição. Assim, quando vão abrir mais uma avenida, ou no caso de incêndios, o poder público lava as mãos e diz: não é área do Cinturão Verde. O mesmo poder público que transforma área verde, de procriação dos animais, em parque turístico, sob a mesma justificativa: não é área do Cinturão Verde! Um exemplo: Parque do Mandhuy, transformada em recinto e lazer.


    Os incêndios podem ocorrer por uma série de fatores. Os mais comuns são os intencionais, como quando alguém que ateia de propósito ou por distração, quando uma pessoa causa um incêndio sem intenção, jogando uma bituca de cigarro, por exemplo. Mas, independentemente do motivo, o fato é que em Cianorte não há um trabalho efetivo, nem de longa data nem de curto prazo, para coibir queimadas.


    Não há um sistema de hidrantes nos pontos principais da mata, visto que está no meio urbano e essa estrutura seria facilmente executável. Não existe uma torre de observação. Não ocorre monitoramento por drones. Não é realizado treinamento nem ocorre o envolvimento da comunidade do entorno para ajudar a vigiar e mesmo combater as chamas.


    Dinheiro há sim, inclusive só no ano de 2023 foram R$ 4.889.425,77. Será mesmo que é falta de dinheiro ou de capacidade aliada à escassez de vontade em realmente proteger a floresta que tanto nos protege?


    Além de tudo isso, o poder público nunca se interessou em construir um Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), alegando falta de dinheiro e que, quando precisam, os animais são atendidos em clínicas ou levados para outras cidades. E assim empurram com a barriga a nossa frágil sustentabilidade.

    Após mais este grande incêndio, qual é a estratégia implementada para atender os animais que sobreviveram e aqueles que precisam de suplementação alimentar, em virtude da disputa por novos territórios? Está havendo união de forças ou há muito cacique para pouco índio? A pergunta é retórica.


    Para completar o quadro de descaso, o mesmo poder público faz vistas grossas ao despejo de esgoto nos rios que banham o que sobrou de floresta e às erosões que engolem as terras, assim como às espécies exóticas invasoras. Entretanto, nas redes sociais, ah… nas redes sociais está tudo lindo. A cidade acumula título de Cidade Árvore do Mundo, e isso até justifica a despreocupação em cuidar. Afinal, preocupar-se com o quê? Já não existe árvore demais?

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