Adeus ao cheiro de terra molhada

Mesmo nos campos, tomados de queimadas, o cheiro de terra molhada tem dado lugar ao odor da fuligem.

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Aida Franco de Lima – OPINIÃO

Você se lembra de quando era criança e gostava de pular poças d’água, ou quando andava em locais em que estas poças secavam e pareciam pedaços de chocolate? Lembra de quando a chuva chegava e você sentia o cheirinho de terra molhada? Isso são memórias afetivas, que estão indo embora com os efeitos dos eventos climáticos extremos.

A chuva, felizmente, já chegou a alguns pontos do Brasil… Aqui no sul, choveu nos três estados e como é bom passar pelas paisagens que antes ardiam em chama e agora estão encharcadas de água. Mas em outros lugares, o fogo ainda castiga. E a fumaça, que toma conta das cidades, tem fechado escolas e lotado as enfermarias, por conta das doenças respiratórias.

Em meio a este cenário, estamos chegando próximo ao dia das eleições municipais, e este voto pode definir para onde iremos. São os prefeitos, os vereadores, que arrastam votos para os demais cargos, nas outras eleições que virão. Mas nem só por isso. Um prefeito, um vereador, pode fazer um estrago gigantesco para o meio ambiente ou promover melhorias!

Reparem como são compostas nossas câmaras e prefeituras. Dificilmente há alguém preocupado de fato com a sustentabilidade. Tanto que entra ano e sai ano, os eventos climáticos extremos ficando cada vez mais impactantes e o meio ambiente continua sendo uma pedra no caminho dos prefeitos que transformam as cidades em canteiros de obras.

Ainda estamos envoltos nesse pensamento tacanho de que o progresso de uma cidade ou nação, tem a ver com crescimento, com aumento, de carros, pessoas, imóveis, consumo, malha viária, entre outros. E shoppings centers e marcas internacionais.

O que as cidades têm de mais nobre, que são seus ambientes naturais, o que restou de florestas, a sua biodiversidade como um todo, acaba sendo relegada a terceiro plano. Dificilmente um ‘cidadão comum’ empresta sua voz para defender estes espaços, até porque muitas vezes ele acha que estes locais atrapalham sua vida.

Vimos nossas árvores sendo cortadas para dar lugar a painéis publicitários ou estacionamento e não há a quem recorrer, pois são os órgãos designados para proteger o meio ambiente, que liberam tais práticas. Normalmente usam a mesma desculpa, a árvore estava condenada.

E se não conseguimos impedir o corte de uma única árvore, o que é que poderemos fazer para intervir na queimada de áreas gigantescas, que dão lugar a pastagem?

E é em virtude disso tudo e mais um pouco, que o cheiro da terra molhada está indo embora. Pois nossas cidades estão cada vez mais concretadas e os incêndios florestais, normalizados de tal forma, que a fuligem das queimadas toma conta de tudo. Toma conta do ar, da terra. E não há uma ação emergencial para estancar isso tudo. Os gestores continuam fazendo tudo igual. Como se o problema fosse dos outros.

Os gestores, invariavelmente, negam o conhecimento científico das instituições de ensino, de pesquisa, das universidades, por assim dizer, que deveriam ter mais valor na tomada de decisões. Gastam muito dinheiro em editais e contratam com dispensa de licitação empresas para resolverem o problema dos resíduos, erosões, arborização, sequestro de carbono, animais domesticados e assim por diante. E muitas vezes isso gera apenas um emaranhado de páginas, que a própria Inteligência Artificial, poderia fazer e na prática, ficamos a ver navios.

Outro dia choveu, corri para abrir a janela, mas fechei imediatamente. A chuva trouxe para atmosfera o saldo das queimadas e do nosso desprezo com o meio ambiente. O nosso adeus ao nostálgico cheirinho de terra molhada não acontece do dia para a noite. Todos os sinais, todos os avisos estão por aí. Se a terra é um bem que tomamos emprestado das futuras gerações, o que é realmente que estamos lhes devolvendo?

Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.

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