Silvio Campana se revela em prosa difícil, mas sensata

Silvio Campana é um preguiçoso, diga-se de passagem, ou tenta se esconder atrás da bissextualidade (ora, não se enganem com esta palavra). Ativista da cultura na tríplice fronteira –invariavelmente mal entendido pelos mecenas de plantão -, o jornalista nos brinda com dois contos. É uma coisa rara na sua produção, mas que felizmente vai brotando, brotando… como a música cantada pela Mercedes Sosa. Silvio Campana tem muita coisa que revelar. Basta querer.

Dois contos de Silvio Campana ajudam a refletir a importância de conhecer melhor os anos 70 e 80

Silvio Campana é um preguiçoso, diga-se de passagem, ou tenta se esconder atrás da bissextualidade (ora, não se enganem com esta palavra). Ativista da cultura na tríplice fronteira –invariavelmente mal entendido pelos mecenas de plantão -, o jornalista nos brinda com dois contos. É uma coisa rara na sua produção, mas que felizmente vai brotando, brotando… como a música cantada pela Mercedes Sosa.
Silvio Campana tem muita coisa que revelar. Basta querer.

Conto Portenho está na primeira edição de Escrita – boletim da Guatá (uma associação que quer colocar no prelo os verbos daqueles que tem algo para contar) -, e Tempos de Guerra (Mitaí) está na quarta edição da Etecetera, a revista encorpada (um verdadeiro catatau) de literatura e arte, editada pelo Fábio Campana.

Lucinda e Henrique – Em Conto Portenho, numa linguagem amarga e amarrada, Silvio Campana escreve da luta de uma portenha a procura no Brasil de um irmão desaparecido nos tempos da ditadura.

Lucinda procura Henrique… Carinho irmão abortado num impulso de refazer o caminho del Che. Para ela, loucura de menino, sempre que alguém a contém o discurso sobre a justeza da escolha trilhada junto com aqueles outros.
Luta desumana a de Lucinda, mais inglória ainda a de seu irmão, que Silvio Campana acompanhou e escreveu nas páginas do Nosso Tempo – semanário que marcou época no Oeste do Paraná.

Conheci a primeira vez Lucinda com os olhos queimando, querendo voltar o tempo, resgatar a lucidez (…). A voz áspera mas graciosa ameaçando calar entre soluços intimidados pela oficialidade do gravador. No outro dia, na manchete do jornal, contei a história de uma traição no parque,…, assim discorre a narrativa.

Um certo mitaí – Em Tempos de Guerra (Mitaí), a linguagem é mais detalhista e arrastada. Em tempos de pós-modernidade, tem-se que parar para ler um conto destes.
Mitaí, no bom guarani, significa piá, guri.

No conto, Silvio Campana lembra de Eunice, uma moça que lhe marcou a alma, e que dividiu sonhos, desvarios (?) e esperanças de boa geração entre os anos 70 e 80. Retratos de uma época que se engasgou na garganta.

Ela resistiu a tudo. Sua predileção pelas coisas engraçadas a fizeram uma referência do bem-estar que depois procurei por toda a vida. Nem os delírios da guerra contra a ditadura militar, aquele imenso dragão que ocupou destaque em nossas conversas adolescentes e que todos enfeitiçou por um tempo, fez dela uma pessoa amarga. 

Então, refeito de uma mágoa que sempre atrapalhou, hoje vou mandar a carta. Depois de tantas alinhavadas e escondidas na gaveta da escrivaninha, percebi que chegou a hora. Endereço e remeto para qualquer canto e mato Eunice. Ninguém vai descobrir quem foi o responsável por tantas indecisões. Fecho os envelopes, um dentro do outro, do jeito que vi no filme e livro dela a minha solidão.
A prosa bonita requer tempo. Silvio Campana, o bissexto, está no tempo certo.

Arquivos abertos – Os tempos foram amargos, as lutas inglórias e as décadas perdidas, mas que sobretudo, marcaram inexoravelmente toda uma geração. Lembrar os amores, remexer os baús das memórias, enfrentar os fantasmas, curar os ressentimentos e até talvez, quem sabe, um dia, perdoar os traidores.

Nos tempos de hoje, onde ainda se discute se abre ou não os arquivos da ditadura, a prosa difícil de Silvio Campana alerta da importância de se conhecer, pelo menos aqui na fronteira, esse período da história.

Até para que a gente, os simples mortais, se conheça melhor. Quero também remeter as minhas cartas aos amores e sonhos perdidos. Mata-los, talvez, é uma outra questão.


SERVIÇOS

ESCRITA
Publicação da Associação Guatá
Novembro de 2004 – 18 páginas
Contatos: fones 45-574-2241 e 91214978
tirandodeletrafoz@bol.com.br
identidadeecultura@bol.com.br

ET CETERA – Literatura & Arte
Número 4 – 250 páginas
Travessa dos Editores
www.travessadoseditores.com.br
editora@travessadoseditores.com.br

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