“Agora que Foz do Iguaçu está quase atingindo a meta das velhas aspirações, já galgando os últimos degraus que a levam a repousar nas regiões de Capital do Turismo, quero relembrar os primeiros passos para a escalada, tão árduos quanto a responsabilidade que se impõe à soberania da posição conquistada”. Leia a íntegra da texto de Otília Schimmelpfeng.
Otília Schimmelpfeng
Agora que Foz do Iguaçu está quase atingindo a meta das velhas aspirações, já galgando os últimos degraus que a levam a repousar nas regiões de Capital do Turismo, quero relembrar os primeiros passos para a escalada, tão árduos quanto a responsabilidade que se impõe à soberania da posição conquistada.
Neste quadro do passado vejo a figura de meu saudoso Pai, Jorge Schimmelpfeng, o primeiro a se lançar na arena dos empreendimentos em favor do turismo, nesta cidade. Direta ou indiretamente, ele foi a viga mestra no arcabouço desta grande obra. Justo é que recorde a sua ação, os não poupados esforços para realizar o seu intento, fatos que constituem os primeiros lances na luta para a conquista deste título: Capital do Turismo.
Quero partir do ponto em que meus conhecimentos evidenciam esta afirmativa, consubstanciados nos elementos informativos de pessoas que residiam aqui anteriormente.
Não fugia à visão de meu pai quando aqui se estabeleceu, o vasto campo para a implantação do turismo, em face daquele maravilhoso espetáculo dos saltos do Iguaçu (Santa Maria), dádivas que a natureza fartamente distribuíra a esta região do nosso Estado. O desejo que se imprimia no espírito dos precursores do movimento turístico em Foz do Iguaçu, era mais uma expressão de patriotismo do que as vantagens econômicas que pudessem advir de sua atividade. Viam que aquele cenário magnífico tinha de se descobrir para o mundo, deslumbrando o espectador e difundindo uma das primorosas obras que a natureza dotara do solo de nossa Pátria.
Isolada no recanto –
Esta jornada de mais de meio século, processou-se de etapa em etapa sofrendo os seus percalços porque, na verdade, Foz do Iguaçu era um lugar inóspito. As deficiências decorriam, principalmente do inimigo – distância – Isolado neste recanto do Brasil, era mesmo o fim do mundo. Não possuía meios de comunicação pelo território brasileiro. O acesso dava-se através da República Argentina, por via fluvial. Posadas tornava-se, então, a metrópole do Alto Paraná, pois, dali provinha todo o estabelecimento destinado à região. A moeda Argentina circulava com domínio absoluto na praça. Pouco ou nada se falava em mil réis, naquele tempo. O peso se introduzia até nas repartições públicas. Contudo, estas circunstâncias não afetavam o sentimento de brasilidade dos que viviam confinados neste prendado torrão brasileiro. E nisto residiu aquela força de vontade que impedia aos primeiros mandatários do lugar a remover barreiras para integrar Foz do Iguaçu na ordem nacional. Eles têm o direito ao nosso apreço e, se faço menção especial a meu Pai, é porque ele, tanto na sua atividade de comerciante industrial, como nas funções de prefeito Municipal e Deputado Estadual, dedicou sua vida a Foz do Iguaçu. Procurou abrir caminhos para o futuro engrandecimento desta terra que fez sua pelo coração.
Lenda das Cataratas –
E Foz do Iguaçu entrou na rota do turismo, aureolada pela lenda de Naipi e Tarobá… Passou pelo tempo das picadas, trilhas abertas na era Foz – Colônia , percorridas ao lombo de animais, para atingir o refúgio dos lendários namorados, a fonte esplendorosa das águas, imantada de tanta beleza que iria atrair todo o mundo a seus pés, com a denominação de Saltos do Iguaçu ou de Santa Maria.
Foi no ano de 1915, que veio despontar a atividade turística em Foz do Iguaçu. Quando, então, se instalou o Hotel Brasil, de propriedade de Frederico Engel, com filial no local das quedas. Eram pequenos estabelecimentos em condições precárias, porém, atendiam o seu objetivo: acolher o visitante e conduzi-lo às Cataratas. Nesta ocasião foi aberta a primeira estrada de acesso, que partia da antiga estrada de Guarapuava, um pouco além da ponte do rio Tamanduazinho, dando trânsito a veículos de tração animal. Adotavam carruagem rústica, tipo faeton, que fazia o percurso em seis horas. Ali o turista encontrava hospedaria simples, mas agradável e acolhedora, onde permanecia o tempo indispensável para a excursão às quedas, as quais se atingiam por estreitos caminhos, ora em terreno plano, ora em perigoso declive, na barranca do rio. Para o acidentado percurso era necessário usar bastões, servindo de arrimo. E era necessário ainda, muita coragem. Por muitos anos esse foi o meio de acesso aos diversos ângulos de visão das Cataratas. E diante daquele espetáculo maravilhoso, onde todo o sentido humano se concentrava extasiado, esqueciam-se os riscos e os perigos que ameaçavam aquelas veredas íngremes, as trilhas úmidas e escorregadias, além do esforço que era quase uma odisséia a visita às Cataratas naqueles remotos tempos.
Visita de Santos Dumont –
É de se lembrar que, nesta situação, Foz do Iguaçu recebeu a visita de Santos Dumont. Ali, ele demonstrou seu arrojado espírito de aventura quando, sobrepujando aquelas dificuldades, não hesitou em transpor o tronco de uma árvore acidentalmente caída sobre o caudal das quedas para, na sua extremidade, à beira do abismo, extasiar-se na visão da Garganta do Diabo.
Enquanto o famoso az de aviação se quedava mudo na contemplação daquele quadro ainda inédito, aos seus acompanhantes, surpresos, emudeciam na expectativa do perigo iminente… assim recordava o saudoso Frederico Engel, acrescentando que, entre as exclamações de admiração proferidas pelo ilustre visitante, fluía o seu protesto pelo fato de ser propriedade particular – de Jesus Val – as terras que orlavam o rio Iguaçu, naquele trecho. Supõe-se que houve influencia de sua parte na decisão do Governo Estadual em desapropriar toda a extensão do terreno que, mais tarde, tornou-se Parque Nacional.
Apesar de todo o empenho, a marcha do turismo era lenta. Não prosseguia na ordem dos reforços empregados. Tudo era difícil, tudo era sacrifício. Concorria ainda para o insucesso, a grande atividade que, do outro lado, a Argentina exercia explorando o mesmo setor em condições de todo favorável. Vencia pela situação topográfica que proporcionava menor distância entre o povoado – Porto Aguirre – e as Cataratas. Possuía uma linha regular de navegação fluvial, com barcos de passageiros dotados de conforto, ligando aquela localidade aos centros populosos da República. Aliás, esta linha se estendia até Porto Mendes (Brasil), o último ponto navegável neste curso do rio Paraná, sendo Foz do Iguaçu o porto brasileiro, abrindo a comunicação entre os portos da região.
Argentinos na frente –
A Argentina construíra seu grande Hotel das Cataratas que figurava num alto padrão de conforto, ambiente aprazível e uma completa cadeia de serviços para a manutenção de sua atividade turística, fatos que vinham obscurecer mais ainda as nossas pretensões…
Acontecia, porém, ser inevitável a inclusão no seu roteiro de uma visita ao nosso lado, como brilhante fecho de excursão. O panorama que o Brasil desfruta, na riqueza de conjunto das quedas, é indescritível! Isto lhe é vedado, mas ao turista não poderiam furtar a oportunidade de apreciar a majestosa visão daquela seqüência de águas encachoeiradas. Bem parece que o Brasil, ao emprestar à vizinha República uma parcela do curso do rio Iguaçu, genuinamente brasileiro, exigiu em compensação este privilégio…
Décadas de 30 e 40 –
Tais excursões alimentavam um pouco o fraco movimento que se exercia aqui, naqueles difíceis e velhos tempos. Aliás, esta situação perdurou até os fins da década de 30. Certo é que, a partir de 1941, veio o impulso de ascensão de Foz do Iguaçu na escalada do turismo. Neste período destaca-se, então, a figura do saudoso Major José Acylino de Castro, um de seus propulsores e, face as atividades exercidas neste lugar, tornou-se um dos agentes do seu progresso.
Lembro-me bem das caravanas turísticas que aportavam aqui, procedentes da Argentina, com destino às Cataratas, as quais causavam um desusado movimento na cidade. Nada havia de atrativo além da verdejante mata, do colorido vivo das laranjeiras carregadas de frutos, dos animais soltos, pastando ou estacionados na via pública, porém, tudo despertava sua curiosidade e, numa algaravia, percorriam as ruas tortuosas, interrogando aqui e ali os moradores locais, muitas vezes, sem respostas por não serem entendidos na sua linguagem – um castelhano mesclado de inglês, francês, alemão, etc. Assim preenchiam o intervalo que aguardavam a refeição que lhes forneciam os pequenos hotéis existentes na cidade.
Balança mas não cai –
Naquele tempo havia apenas dois hotéis, cujos prédios se defrontavam ali no centro da avenida Paraná (atualmente Av. Brasil). No sobrado conhecido por Balança Mas Não Cai (depois destruído pelo fogo), funcionou o pioneiro Hotel Brasil, de Frederico Engel, e por último, até o ano de 1947, aproximadamente, o Hotel Progresso de Paulo Schewertner. O Hotel Essich localizava-se no terreno próximo ao Bradesco, a mesma casa onde meu Pai manteve um Hotel filiado ao das Cataratas – que será objeto de minhas rememorações adiante. Estes pequenos e já extintos estabelecimentos fazem jus às referências que faço porque prestaram os seus tributos à causa turística, suprindo a deficiências locais.
Retorno aqui ao tempo de 1920, mais ou menos. A meu Pai não bastava o incentivo do seu otimismo ou a cooperação financeira prestada aos pequenos empreendimentos, naquela fase rudimentar do turismo. Era um imperativo de nacionalidade a implantação, em bases mais profundas, da atividade turística; urgia demolir os obstáculos que se opunham a condicionar o lado brasileiro numa escala de progresso que fixasse definitivamente as raízes do turismo em Foz do Iguaçu.
Apoio oficial –
Nesta assertiva meu pai armou a sua batalha junto à Assembléia e a Presidência do Estado, na defesa do projeto que pleitava a construção de um hotel – cassino frente às quedas, cujo local, por sua natureza, era assaz favorável.
Obtido integral apoio à sua proposição e imediata e garantida promessa de financiamento para a execução daquela obra, não hesitou em lançar mão de seus próprios recursos com o fim de apressar a realização daquilo que consistia a meta de suas aspirações, em benefício de Foz do Iguaçu.
No embalo do entusiasmo, movimentos todas as forças obreiras da cidade e para lá removeu carpinteiros, pedreiros e operários, além de máquinas para beneficiamento da matéria prima, afim de estabelecer o núcleo de trabalho que seria dirigido pela mão hábil de Martin Bosca. A madeira era extraída de nossas matas, como era de nosso solo o material para a obra de alvenaria, porém, os fabricados provinham do empório argentino.
Grandes dificuldades enfrentaram, principalmente, a de vencer a distância através de caminhos ainda primitivos. Tudo, porém, era dominado pela fora e vontade e, naquela colméia humana, se ia erguendo o grande edifício, todo de madeira de lei, de traços arquitetônicos não definidos, porém, em linhas que se harmonizavam num conjunto de peças que iria constituir o já propalado Iguaçu Cassino Hotel.
Primeiro hotel nas quedas –
Seria um estabelecimento dotado de conforto que excedia muito às condições do lugar, naquela época. Situava-se num terreno em declive, ao lado da casa que servira ao pioneiro Hotel Brasil. A planta foi traçada em forma de U. A ala da fachada do edifício compunha-se de um pavimento ao rês-do-chão, onde se localizaram duas salas de jogo e o vestíbulo, e um ao nível do terreno onde se assentavam as duas alas laterais, o qual dava lugar ao salão de festas e ao de refeição, além do vestíbulo. Oito quartos, servidos de um só banheiro completo, com instalações de água corrente quente e fria, ocupariam cada ala lateral, com circulação dada por corredores externos, em forma de alpendre. O pátio, ao centro do edifício, fora reservado para um grande jardim.
Havia ali um poço d’água para se adaptar ao estilo colonial espanhol… Em alvenaria de tijolos eram construídos os banheiros e o bloco de cozinha. Esta se aderia a ala esquerda para a comunicação com o refeitório. Havia quartos na água-furtada. Acima dos vestíbulos erguia-se uma pequena sala destinada à leitura, com vista ampla das Cataratas. Esta dava acesso ao mirante, de onde se descortinava todo o vale das quedas. Tinha imponência aquele casarão de madeira situado bem próximo das margens do rio. Dava a impressão de um castelo que se elevava sobranceiro, dominando o panorama das Cataratas e a extensa paisagem circunvizinha daquele reino que também era seu…
Este esboço que me é possível traçar daquele memorável Castelo de Sonhos, inacabado em conseqüências de promessas não cumpridas, face pressão de circunstâncias políticas. E assim, ruíram as grandes esperanças do meu Pai, como ruíram suas finanças, no intensivo esforço de Realizar.
Servir ao turismo –
Creio que meu pai não se abatia diante dos insucessos. Havia sempre uma chama de fé a lhe fortalecer o espírito nos embates da vida. Viu-se que não esmorecera de todo o seu ânimo quando retomou a marcha daquela obra, embora já enfraquecida com a situação financeira, e fez concluir uma parte do edifício, adaptando-a para de um modo simples, servir ao turismo.
Prepararam-se, então oito quartos e um banheiro, numa das laterais. Na frente, completaram o salão de festas e o refeitório e, ao lado leste, as dependências da cozinha, tudo sem o aperfeiçoamento de pintura e outros artifícios. O mobiliário compunha-se do imprescindível. Um piano era o móvel de luxo, no salão. Instalaram iluminação elétrica, com um pequeno gerador acionado por motor a gasolina. O resto continuou inacabado, era apenas o arcabouço delineando a forma de edifício…
Assim, sob a gerência de pessoa idônea e um restrito número de empregados, começou uma nova etapa de atividade turística, infelizmente, em proporções que não podiam competir com a de nossa vizinha Argentina. Contudo, o turismo se comprazia naquele local de privilegiada natureza. Era um céu mais amplo, mais luminoso e uma brisa constante amenizando os cálidos dias de verão. O visitante, após vencer a difícil escalada que o conduzia a pé das quedas, encontrava ali o conforta físico de um novo deleite na visão do conjunto panorâmico, a frente do hotel.
O fragor das águas e a contínua trepidação das portas e janelas não perturbavam o sono, nem a paz que emanava daquele ambiente de pura beleza. O ar se embalsamava de um aroma que se tornou peculiar do lugar. Misturava-se a fragrância da mata, das flores e dos frutos silvestres, o cheiro da terra úmida e do limo das pedras, com o odor de madeira cerrada – o lapacho, o cedro, a cabreuva – e um pouco da grama e da terra pisada, compondo um aroma característico que e aspirava fundo, no contentamento da chegado. Era o Cheiro dos Saltos, como se dizia.
Poor Niágara! –
Havia um livro onde se registravam as impressões dos visitantes, algumas eloqüentes, porém, nenhuma tão singela e significativa, como esta: Poor Niágara!, deixada pela ilustre dama americana, Eleonora Roosevelt.
Um velho inglês, que se dedicava a entomologia, ali permaneceu por longo tempo entregue à caça de borboletas. Depois de classificar e acondicionar aqueles espécimes que dizia ser de rara beleza e originalidade, enviava-se para um museu britânico, ao qual servia.
O encanto se ia apossando do visitante desde que penetrava na estrada de leito plano e alfombrado, que dava acesso às Cataratas. Seu curso ora seguia pela mata ensombrada e úmida, ora se abria na clareira ensolarada de um riacho, como o arroio São João. Ali havia um núcleo colonial, um dos primeiros a se construir aqui, aliás a única povoação existente no percurso. A gente sentia um certo receio ao atravessar aquele tosco pontilhão de madeira com largas fendas. Adiante havia um extenso e frondoso bambual cujos ramos se entrelaçavam sobre a estrada, formando um espesso dossel. Este era o quadro mais pitoresco do trajeto. E o túnel dos bambus tornou-se outro motivo de atração.
Ford ou Chevrolet –
Tão variada e exuberante era o cenário da natureza que o tempo de duas horas de viagem decorria despercebido, mesmo quando se nos deparava o imprevisto de uma pane ou um esvaziamento de câmara de ar – não vamos esquecer que naquela época Foz do Iguaçu já possuía automóvel, Ford ou Chevrolet. O chofer tinha que ser mecânico também para os reparos ocasionais, acrescentando que, para inflar a câmara, tinha de empregar bomba manual. Enfim, era necessário conduzir um arsenal de peças e ferramentas. Em ocasiões de mau tempo, incluía a pá, o facão o e machado, para remover uma arvora abatida pelo vento, ou desencalhar o auto nos atoleiros do acidentado trecho Foz – Guarapuava, de terra argilosa e remexida pelo trânsito geral.
Na mata não se temia o perigo, contudo, muitas vezes, nas horas noturnas, o viajante era surpreendido por uma de nossas feras repousando no leito da estrada. Era preciso muito ruído de buzina e acenos para espanta-la, pois, atraída pela luz, permanecia imóvel, inofensiva, de olhar fixo nos faróis do carro. Depois, num meneio gracioso, dava um salto e sumia na selva. Sempre desejei presenciar uma cena destas, porém, nada mais do que preás, irara, tatu, coati, um assustado veadinho, cobras e lagartos, eram os incautos andantes que, constantemente, cruzavam a estrada. Viam-se gaiatos macaquinhos balouçando-se nos galhos das árvores, a beira do caminho. A atenção prendia-se, ainda à bela plumagem de uma ave ou ao canto mavioso de um passarinho, na variedade de plantas e a beleza das flores.
Mais tarde a estrada mudou de percurso. Seguiu um traçado pelo setor colonial, obra do saudoso Miguel Matte, o primeiro colonizador desta região, o que fez diminuir um tanto a distância. Contudo, não se afastou dos trechos mais pitorescos, como o túnel dos bambus. Com alguns desvios de ordem técnica, o traçado é o que agora vemos todo em asfalto. É a obra do homem rivalizando com a da natureza.
Neste retrospecto não poderia deixar de lembrar o que representou o extinto Hotel dos Saltos (como se dizia), no meio social da cidade.
Para lá acorriam as famílias em gozo de fim-de-semana. Os dias eram curtos para tantas e oportunas distrações, irmanando aquelas pessoas num mesmo sentimento de alegria e cordialidade.
Noites de luar –
As reuniões no salão consistiam em animadas palestras, jogos de cartas, momentos de música, de dança, ou então, a contemplação à janela, das Cataratas sob o efeito das noites de luar… Pela manhã procuravam o leite ainda quente, recém tirado da única vaquinha que fornecia aquele desjejum. E dizer que lhe servia de estábulo o local destinado às salas de jogo – é ironia mesmo!
Havia os que preferiam um passeio pela mata a procura de frutas silvestres. Outros se internavam para a caça de pássaros canoros ou de animais de carne saborosa, como a paca. Às vezes acontecias que, um certo cheiro de tigre pela vizinhança, vinha frustrar uma bem planejada caçada, pois, ninguém se animava à espreita de semelhante caça.. Alguns se entregavam a pesca, muitas vezes, descendo pela rocha escarpada, com grande risco iam apanhar o dourado lá embaixo, no canal do rio. Prático e destemido neste mister era o meu compadre Schinke, o grande vaqueano daquelas paragens.
Aquela atmosfera agradável e familiar muitas vezes envolvia ao turista que, desde logo, se contaminava da sadia responsabilidade dos recreantes brasileiros. No período de vilegiatura não faltavam, por estes, os banhos no rio Iguaçu, pouco acima das quedas. O local apropriado era um braço estreito, no canal do Floriano, onde as águas se entrechocavam, espumantes, no leito das pedras e iam sossegar num remanso coberto de sombra, onde se aprendia a nadar.
Uma trilhazinha, entre as folhagens das mata, dava entrada ao balneário. Na margem havia uma árvore de porte original estendendo seu ramos sobre a água e proporcionando lugar de descanso, cabide para as toalhas e, muitas vezes, servindo de trampolim. Hoje já não se identifica aquele lugar tão atraente na sua natureza pura e simples. A obra do homem a aprimorou e o quadro apresenta novo aspecto de beleza, emoldurado pela arte da engenharia moderna.
Talvez fosse grotesca a figura daqueles banhistas vestidos de longos pijamas de tons claros, sobre a roupa interior, calçados alpargatas a chapinhar ou a mergulhar no rio numa incessante algazarra.
É justo que seja motivo de riso ver uma fotografia dos veraneantes daqueles tempos, porém, a sua excêntrica indumentária servia de armadura para se defender dos mosquitos bariguis que atacavam em nuvens, cuja picada produzia muita coceira e ferida. Outra ameaça eram as pedras pontiagudas a ferir os pés descalços.
Coluna Prestes –
Estes foram os áureos tempos decorridos entre o ano de 1921 a meados de 1924, quando voltou a decrescer o movimento turístico, em face de agitações políticas que envolviam o país.
Em setembro daquele ano de 1924, deu-se a invasão da coluna de revolucionários, comandada por Izidoro Dias Lopes, que ocupou a cidade durante sete meses, no qual figuravam pessoas que mais tarde se destacaram na vida política da Nação. E Foz do Iguaçu, sofrendo o êxodo de sua população e em estado de confinamento total, parou, registrando apenas a fase histórica que se constituiu de trágicos episódios. Nestas circunstâncias o Hotel dos Saltos, a mercê dos invasores, sofreu depredações, inclusive de viaturas, do que nunca mais se refez. Em conseqüência, ao retornar ao estado de legalidade, Foz do Iguaçu era uma cidade quase extinta e os prejuízos incalculáveis.
Lentamente a situação foi se restabelecendo e meu Pai, de saúde muito afetada, passou a outros a ocupação da parte útil do infortunado Hotel dos Saltos, a titulo de arrendamento. Adaptou-se um serviço de restaurante a fim de atender aos que visitavam às Cataratas durante o dia. Após seu falecimento, em outubro de 1929, a propriedade continuou, pelos seus herdeiros, no mesmo sistema de arrendamento, para que não sofresse solução de continuidade o precário serviço de turismo que vinha cumprindo em conexão com os pequenos hotéis da cidade.
Quando se estabeleceu uma linha regular de transporte fluvial, via Guaíra – Porto Presidente Epitácio (São Paulo), em cômodos barcos de passageiros, começou a afluir turistas procedentes de localidades brasileiras, incluindo no seu itinerário visita aos saltos de Sete Quedas.
Nesta oportunidade, já em 1933, o Touring Club do Brasil, organizou uma caravana de excursionistas, levando o efeito em plano que se devia aos esforços empreendidos por Acácio Pedroso, no sentido de dar novo impulso ao turismo local. A primeira comitiva constituiu-se de pessoas destacadas nos meios sociais do Rio e São Paulo, sendo recebida com júbilo pela sociedade Iguaçuense.
Infelizmente a continuidade deste empreendimento, não logrou êxito por falta de condições locais, relativas à hospedagem. Contudo, a iniciativa serviu para registrar, na rota do turismo, um novo marco pioneiro.
É fogo! –
Certo dia, no ano de 1937, o vasto e auspicioso casarão de madeira, que se erguera, sobranceiro, para dominar a bela região das Cataratas, se viu extinto pelas chamas de um incêndio provocados por imprudentes mãos!… O insensato guardião, sob um sol ardente, achou oportuno afugentar os maribondos que, como indesejáveis porteiros, aninhavam-se na entrada dos salões, empregando tochas inflamadas, sem atentar para o estado da madeira seca pelo tempo… afastou-se descuidado, para logo mais surpreender-se com o crepitar de madeira que ardia num pavoroso incêndio! Sozinho, teve de assistir inerme, o terrível espetáculo, aliás, presenciado também pelos vizinhos argentinos, lá na outra margem do rio. E nesta ação, a implacável fatalidade cerrou a cortina de um passado pleno de emoções: sonhos, esperanças, sacrifícios e desilusões…
Só restaram aqueles blocos de alvenaria de tijolos, nus e enegrecidos, que resistiam a peleja do fogo, para assinalar a batalha que ali fora travada pelo esforço humano, visando a conquista de um melhor porvir.
Assim resume-se a efêmera existência de uma obra pioneira na trajetória do Turismo em Foz do Iguaçu, que constituiria o grande Iguaçu Casino Hotel, de tanta magnitude quanto é majestoso o Hotel das Cataratas, que hoje emoldura o belo quadro que encerra a Oitava Maravilha do Mundo: as Cataratas do Iguaçu.
Do livro de Otília Schimmelpfeng, pioneira iguaçuense e filha de Jorge Schimmelpfeng, primeiro prefeito de Foz do Iguaçu, em 1914. Escrito em 1970, texto faz parte do livro “Retrospectos Iguaçuenses – Narrativas históricas de Foz do Iguaçu”, impresso pela Tezza Editores, em 2002.
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