
H2FOZ – Cláudio Dalla Benetta
O presidente Mario Abdo Benítez fez seu segundo balanço de governo desde que assumiu o cargo, na quinta-feira, 2, e o primeiro em plena pandemia do novo coronavírus. Foi um discurso virtual, já publicado na página do governo paraguaio na Internet.
O presidente lembrou que os indicadores econômicos do país vinham melhorando em todos os níveis, desde setembro do ano passado, com alta possibilidade de fechar 2020 com expansão, quando chegou a pandemia.
No dia 10 de março, contou, seu governo "tomou uma decisão política que para alguns pareceu precipitada, mas que para nós era fundamental em relação ao futuro": (…) decretamos o estado de emergência sanitária e estabelecemos um isolamento geral preventivo, convertendo-nos, assim, no primeiro país da América do Sul a tomar decisões desta magnitude".
Segundo o presidente, a "política econômica responsável" e o reconhecimento do país nos mercados internacionais "são grandes aliados neste momentos em que a economia mundial se vê atingida". Embora saiba que o Paraguai não é exceção na crise, "há indicadores positivos que nos mostram que poderemos seguir avante e recuperar-nos, inclusive antes do que vários países da região".
Abdo Benítez citou uma previsão do Fundo Monetário Internacional, de que o Paraguai terá "a menor queda (do PIB) em 2020, de 5%, e será o de maior recuperação em 2021", isso "graças à solidez macroeconômica".
O balanço cita grandes obras em execução no país, como a ponte entre Presidente Franco e Foz do Iguaçu e o multiviaduto de Ciudad del Este (ambas com recursos de Itaipu) e outras do setor viário e habitacional, para Marito afirmar que "nosso país não parou, as obras continuaram, o campo continua produzindo e nós continuamos com nosso trabalho".
Corrupção e empregos
O jornal Última Hora criticou o discurso do presidente por ter feito uma "menção mínima" à corrupção, que segundo o próprio presidente é "um mal endêmico" no país e que o jornal lembrou de ter continuado a ocorrer mesmo durante a pandemia, com a compra de equipamentos e insumos para a saúde pública.
Outra crítica do jornal, apesar de tudo o que o presidente pontuou, é a falta de informações sobre o número de paraguaios que perderam seus empregos com a paralisação de atividades devido à a pandemia.
Aliás, nenhum site do governo paraguaio, mesmo do Ministério de Trabalho, Emprego e Seguridade Social, menciona esse tema, que parece ser um dos tabus do período de pandemia, embora o desemprego tenha crescido muito no comércio, nos serviços e até nas indústrias.
Problemas crônicos

A corrupção é de fato um problema endêmico no Paraguai e está fortemente instalada em praticamente todos os setores e atividades.
"A pandemia transformou o Estado em um ator crucial da recuperação econômica e, no processo, centrou a corrupção como um obstáculo a um Paraguai mais equitativo e próspero", analisa o americano Greg Ross, no portal Global American, dedicado a estudar os países latino-americanos, desde que se inseriram na globalização.
A par da corrupção, há outros problemas crônicos no país, muitos dos quais são de maior ou menor gravidade que nos vizinhos Brasil e Argentina.
Um deles é a concentração de renda. No Índice de Gini, que mede a desigualdade entre a população de um país (o indicador vai de zero a 100 – zero seria o local onde não há desigualdade nenhuma; 100, o de desigualdade absoluta), o Paraguai aparece com a pontuação 48,80, bem pior que a da Argentina – 41,20, mas melhor que a brasileira, onde o índice é 53,30, no ranking de 2017.
Naquele ano, o Brasil era o 8º mais desigual entre 156 países pesquisados; o Paraguai ficava em 18º lugar; e a Argentina em 52º, melhor que Peru (39º) e Chile (26º).
É casando com outro indicador, o Índice de Desenvolvimento Humano- IDH, no entanto, que se tem uma posição mais clara sobre o Paraguai e os dois vizinhos.
Neste indicador,a situação de um país é melhor tanto mais ele se aproxima de 1 (no ranking de 2919, a Noruega aparece em primeiro lugar, com 0,944).
O Paraguai aparecia, em 2019, em 98º lugar no ranking dos países, em relação ao IDH, bem pior que o Brasil (em 79º) e a Argentina (em 48º). Mas o Paraguai tinha melhorado bastante desde 2015, quando aparecia no 112º lugar, enquanto o Brasil piorou (antes, estava em 75º) e também a Argentina (antes, estava em 40º lugar).
O IDH ajuda a classificar os países como desenvolvidos (desenvolvimento humano muito alto), em desenvolvimento (desenvolvimento humano médio e alto) e subdesenvolvidos (desenvolvimento humano baixo).
A estatística é composta a partir de dados de expectativa de vida ao nascer, educação e PIB (PPC) per capita (como um indicador do padrão de vida) recolhidos em nível nacional. Cada ano, os países membros da ONU são classificados de acordo com essas medidas. O IDH também é usado por organizações locais ou empresas para medir o desenvolvimento de entidades subnacionais como estados, cidades, aldeias, etc.
Corrupção e crime de colarinho branco

Voltando à análise do americano Greg Ross, ele lembra um elogio feito pela Heritage Foundation, uma entidade dos Estados Unidos voltada a formular e promover políticas públicas conservadoras de livre mercado, que chamou o Paraguai de "novo parceiro preferido na América do Sul", ao mesmo tempo em que elogiava seu "impulso sustentado pela liberalização econômica e maior transparência no governo".
"A maioria dos paraguaios, no entanto, sustentaria que a transparência continua sendo um trabalho em andamento", contesta Greg Ross. Ele cita uma pesquisa em que apenas 10,2% dos paraguaios ouvidos acreditam que a corrupção diminuiu no governo de Abdo Benítes.
Ross também se baseia em estatísticas como a de um relatório recente da Sociedade das Américas e do Conselho das Américas e e Control Risks, que classificou o Paraguai em 12º dos 15 países da América Latina por sua capacidade de combater a corrupção e em último no combate ao crime de colarinho branco.
Existe a percepção, no Paraguai, de que o Estado não possui nem capacidade nem vontade política para erradicar a corrupção.
A análise do americano é que, "nos últimos meses, houve contratempos e avanços". Um "contratempo" foi a compra, pelo Ministério da Saúde, de insumos médicos defeituosos, feita junto a uma empresa "pertencente a um empresário paraguaio bem conectado".
Um dos "avanços" foi o presidente ter vetado um projeto de lei aprovado pelo Parlamento, que protegeria os funcionários públicos, inclusive os que estão em cargos políticos, que falsificam declarações juramentadas. Ao veto, somou-se a decisão da Suprema Corte do Paraguai, que exigiu a abertura ao público das declarações juramentadas feitas por funcionários públicos, com ou sem cargos eletivos.
"Enquanto os jornalistas vasculham esses documentos e relatam ganhos e transações passadas de funcionários eleitos, a causa de um movimento anticorrupção revigorado cresce", diz Ross.
Empregos formais e impostos

Greg Ross comenta ainda outras duas questões fundamentais da economia paraguaia: a alta taxa de informalidade e os impostos irrisórios.
Dos 3,5 milhões de trabalhadores economicamente ativos no Paraguai, menos de 900 mil contribuem com impostos, isto é, são legalizados. O restante atua na informalidade.
A taxa de impostos sobre o PIB do Paraguai é de 14% , a terceira mais baixa da América Latina e abaixo da média regional de 23,1%.
O investimento em educação, no Paraguai, também está atrasado: nos últimos anos, o país gastou 3,3% do PIB em educação (média, 2013-2016), significativamente menos que o Brasil (6,0%), Argentina (5,5%), Chile (4,9%) e Uruguai (4,8%).
Retornos na reforma
O americano reconhece que "a sólida macroeconomia do Paraguai nas últimas décadas oferece ao governo Abdo alguma flexibilidade fiscal para administrar o choque econômico deste ano".
A pandemia, segundo ele, oferece uma plataforma para conversas sobre reforma. É que, embora os programas de pagamento que começaram a ajudar trabalhadores informais e pequenas empresas sejam medidas para acabar com o fosso, "eles também demonstram como o alcance social em expansão do Estado poderia mais tarde estabelecer as bases para uma economia mais formal e inclusiva".
Para isso, no entanto, o governo precisa demonstrar "seu compromisso de combater a corrupção endêmica", pois "esforços anticorrupção sustentados em vários níveis do governo podem gradualmente garantir a confiança do público no aumento dos gastos e abrir uma janela para políticas fiscais mais inclusivas".
Conclui a análise de Greg Ross: "Os três anos restantes do presidente Abdo serão ocupados por resposta e recuperação de pandemia, mas sua promessa de campanha para combater a corrupção não deve ser perdida no barulho. Um Estado transparente permanece crítico para o bem-estar do Paraguai pós-pandemia".
Marito pede a Deus
Tarefa difícil, por certo, e talvez haja necessidade de muita vontade política. Não é à toa que o presidente Mario Abdo Benítez, em voz embargada e quase chegando às lágrimas, parafraseou o papa Francisco e pediu a Deus o caminho para o Paraguai chegar à recuperação econômica pós-pandemia, como lembrou o site Crónica.
Assim ele concluiu seu discurso: "Pede a Jeová, confia Nele e Ele fará. Hoje peço o caminho do Paraguai a Deus, declarando sua reativação econômica, progresso, união, estabilidade, reconciliação. Deus nos abençoe a todos e Deus abenço o Paraguai", rogou o presidente.
Leia a íntegra do discurso do presidente:
Comentários estão fechados.