Guerra da Tríplice Aliança: A cicatriz continua aberta 

Professor de Direito e Ciência Política do Paraguai, Ronald Villalba lembra a falta de pedido de desculpas do Brasil pela Guerra da Tríplice Aliança. Neste domingo, 1º de março, tem início no Paraguai a comemoração de 150 anos da Batalha de Cerro Corá, o último confronto da guerra.

Neste domingo, 1º de março, às 15h, será aberta no museu El Mensú, em Ciudad del Este, Paraguai, a Semana Especial da Tríplice Aliança. Na programação constam sete dias de atividades diárias com exposição, cinema, teatro e debates alusivos à Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), na qual o Paraguai lutou contra Brasil, Argentina e Uruguai. 

O intuito da semana é lembrar o heroísmo dos paraguaios na batalha, apesar do desfecho trágico para o país. A semana começa com um debate sobre a Batalha de Cerro Corá, último confronto da guerra. Na ocasião, pelo menos 409 paraguaios cansados e praticamente sem armamentos enfrentaram cerca de oito mil brasileiros a mando do general José Antônio Correia da Câmara.

Nessa batalha morreram Solano López e seu filho Juan Francisco (chamado de Panchito), de 16 anos, que defendia a carruagem em que estavam sua mãe e irmãos menores. O dia 1º de março foi instituído como o Dia dos Heróis no Paraguai, feriado nacional. 

Serviço: Semana Especial da Tríplice Aliança
De 1º a 7 de março 
Local: Museu El Mensú – Ciudad del Este
Avenida Pioneros del Este casi Avenida Eusebio Ayala 

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EM ENTREVISTA AO H2FOZ Ronald Miguel Villalba, professor de Direito e Ciência Política da Universidade Nacional del Este (UNE) e membro da Academia Altoparanaense de História, fala sobre a semana e as implicações atuais da Guerra da Tríplice Aliança.

H2FOZ – Por que lembrar a Tríplice Aliança? Não foi um evento traumático para o Paraguai?

Ronald Miguel Villalba – A guerra da Tríplice Aliança (ou a Guerra Grande como é denominada pela população) foi o acontecimento mais transcendente da história do Paraguai, a ponto de marcar uma clara divisão entre a Primeira República, que vai desde a Independência da Espanha (1811) até o final da guerra, e a Segunda República, que começa com a Constituição Nacional de 1870, com marcada influência dos vencedores. Para os paraguaios resulta inevitavelmente recordar a guerra pelas profundas consequências do conflito que se estendem até hoje, que vai desde a enorme perda territorial, passando pela diminuição da população à terceira parte, durante os cinco anos que durou a batalha. Certamente foi uma catástrofe para o Paraguai.

Professor de Direito e Ciência Política da Universidade Nacional del Este (UNE) e membro da Academia Altoparanaense de História, Ronald Miguel Villalba. 

H2FOZ – Qual é o objetivo da semana. Seria lembrar o heroísmo dos paraguaios?

Ronald Miguel Villalba – Em 2015 se formou no Paraguai uma “Comissão de Comemoração dos 150 anos da Guerra da Tríplice Aliança”, e desde esta época se tem realizado eventos nos lugares mais significativos que a guerra abarcou, incluindo o departamento (estado) de Ñeembucú, no Sul do país, onde ocorreram as principais batalhas como a Tuyutí, Curupayty, Estero Belllaco y Humaitá, entre outras. Depois passou-se por Pirebebuy, Caacupé etc., itinerário que termina dia 1º de março em Cerro Corá – distante 500 quilômetros de Assunção, na fronteira com Mato Grosso do Sul.

Não existia uma só família que não tinha sua porção de terra para viver, trabalhar e sendo talvez o único país sem dívida externa e sem dependência das metrópoles financeiras e industriais da época.
 

O objetivo principal é comemorar, o que para nós significa “recordar em comunidade e publicamente”. Basicamente é uma solenidade de recordação que no caso do Paraguai nos obriga coletivamente a um compromisso com o passado, principalmente a respeito daquelas virtudes e valores que fizeram nosso país uma nação próspera e florescente. Se bem que os atuais historiadores concordam que o Paraguai não era uma potência militar (como inicialmente se afirmou na historiografia tradicional por décadas). Também existe um consenso em relação aos enormes progressos e avanços dos anos prévios ao conflito, onde não existia uma só família que não tinha sua porção de terra para viver, trabalhar e sendo talvez o único país sem dívida externa e sem dependência das metrópoles financeiras e industriais da época. Isso contrasta enormemente com o Paraguai do pós-guerra.

Vários autores brasileiros, entre os que se destacam o investigador Mario Maestri, do Rio Grande do Sul, compreendem hoje o sentido de pertencimento e o compromisso assumido pelos paraguaios depois de conhecer os termos do tratado secreto assinado entre Argentina, Brasil e Uruguai, onde entenderam literalmente que estava em jogo a própria existência da pátria. Certamente recordamos o heroísmo, porém não é um heroísmo fruto de um mero fanatismo, mas de um patriotismo e civismo. Só assim se explicam que certos episódios da guerra, incluindo as mulheres que pegaram em armas, como o caso específico das batalhas de Lomas Valentinas e Piribebuy.

Retratando a Guerra do Paraguai, "Batalha do Avaí", de Pedro Américo, faz parte do acervo do Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro

H2FOZ – Hoje, qual é a relação dos paraguaios com a Guerra da Tríplice Aliança?

Ronald Miguel Villalba – A relação atual é de curiosidade e interesse por conhecimento. Deixaram para trás as correntes nacionalistas iniciadas pelo historiador Juan E O’leary que não tiveram oposição durante todo o século 20.  Porém existe “induvidavelmente” na população em geral um sentimento de indignação a respeito de situações pontuais: 

1. Que o Itamaraty não abriu a totalidade dos arquivos que ainda manteve em segredo em relação à guerra e que o então presidente Lula havia prometido fazê-lo.
2. Que o Brasil nunca pediu desculpas ao Paraguai pelos horrores e as barbáries cometidas contra a população civil durante a última parte da guerra, entre finais de 1868 e 1870.

H2FOZ – Existe uma obra escrita por dois investigadores irlandeses sobre a guerra, Michael Lillis e Ronan Fannign, que resume muito bem a necessidade deste pedido público de desculpas. 

Ronald Miguel Villalba – Em todo o Paraguai há uma comunidade brasileira de cerca de um milhão de pessoas. A importância que se dá para a recordação dos 150 anos do final da guerra aqui no Paraguai contrasta com a pouca transcendência dada ao evento no Brasil. Fica a incômoda sensação de uma espécie de vergonha ou mesmo um desejo de esquecer esses eventos. Enquanto isso segue ocorrendo, a cicatriz continua aberta. 

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