A Argentina e o Paraguai podem dar-se as mãos, irmanamente. Na América Latina, estão entre os países com o menor número de homicídios por ano. São 6,6 homicídios a cada 100 mil habitantes, no Paraguai; e 4,6 a cada 100 mil, na Argentina.
Beeeem longe do índice brasileiro: 19,3 homicídios a cada 100 mil pessoas, o que coloca o País como o 9º mais violento da região que engloba a América
Latina e o Caribe. Os piores índices são da Jamaica (46,5 por 100 mil), Venezuela (45,6), Honduras (37,6), Trinidad & Tobago (28,2), México (27), Belize (24,3), Colômbia (24,3) e El Salvador (19,7).
Os países menos violentos são a Nicarágua (3,5 por 100 mil habitantes), o Chile (3,7), a Argentina (4,6) e o Paraguai (6,6).
Pois é. Os dados constam em informe da revista InSight Crime, publicado no dia 29 de janeiro. Diz o informe que ainda é cedo pra dizer que a pandemia de covid-19 tenha impactado no índice de violência, mas que o vírus “prejudicou tudo, desde o comércio até as operações de gangues locais e organizações criminosas transnacionais”.
Pelos números, houve “reduções significativas (de homicídios) em El Salvador, Guatemala, Honduras e Venezuela, historicamente algumas das nações mais homicidas da América Latina e Caribe”.
PAÍS POR PAÍS
O Paraguai
A Insight Crime analisa país por país a questão dos homicídios e suas causas principais. Vamos ficar só com o Brasil e seus dois vizinhos da tríplice fronteira.
O Paraguai, segundo o Observatório de Segurança Cidadã do Ministério do Interior, registrou 481 homicídios em 2020, uma queda de 13% em relação aos 554 assassinatos de 2019 e o menor número de homicídios documentados desde 2008.
Cerca de 60% dos assassinatos cometidos no Paraguai, no ano passado, foram com armas de fogo. Somente em Amambay, que fica ao longo da fronteira com o Brasil e é um importante corredor de tráfico de maconha, houve 137 homicídios, que correspondem a 28% dos assassinatos no país.
A violência mortal em Amambay começou no início de 2020, diz a Insight Crime. Em fevereiro do ano passado, supostos pistoleiros do Primeiro Comando da Capital (PCC) atiraram e mataram o jornalista Lourenço “Leo” Veras – que ajudava nas investigações do InSight Crime na área, bem como outros meios de comunicação estrangeiros – na cidade fronteiriça de Pedro Juan Caballero, um centro importante para o crime organizado.
Como a InSight Crime documentou em uma investigação aprofundada do PCC, o grupo se espalhou pelo Paraguai auxiliado pela corrupção enraizada e pela fraca capacidade do Estado. Por meio do uso de extrema violência contra gangues rivais, o PCC parece cada vez mais bem posicionado para controlar além da região de fronteira, incluindo o sistema prisional do Paraguai e as rotas de contrabando no leste do país.
A Argentina
A previsão – os números não estavam fechados, mas consideravam os 1.044 homicídios cometidos no primeiro semestre de 2020 -, é que a Argentina registraria 2.088 homicídios até o final do ano. A taxa ficaria em 4,6 por 100 mil habitantes, ligeiramente abaixo da contagem final de 2019.
De acordo com o informe, a cidade de Rosário, a maior da província central de Sante Fe, às margens do rio Paraná, registrou o maior número de homicídios dos últimos cinco anos. Acredita-se que muitas das mortes sejam resultado de organizações do narcotráfico que lutam pelo controle do crescente mercado local. As armas de fogo foram usadas em quase 80% dos assassinatos.
Diz ainda o informe que “a localização estratégica da Argentina e o crescente mercado consumidor a tornaram um importante ponto de transbordo de drogas ilegais, bem como do comércio global de armas. Muitos dos compradores pretendidos das armas de alta potência que passam pelo país são as poderosas gangues comandadas por presos dos vizinhos Brasil e Paraguai”.
O Brasil
Em setembro de 2020, 30.727 assassinatos foram registrados no Brasil, de acordo com o Monitor de Violência Global. O total projetado para o ano chegaria a 40.969 mortes e uma taxa de homicídio estimada de 19,3 por 100 mil pessoas.
O número foi maior que o registrado em 2019 (39.377), provocado pelo que ocorreu na Região Nordeste, já que as outras regiões viram as mortes diminuírem. A greve da polícia do Ceará gerou o fevereiro mais violento desde 2013, com 312 homicídios em apenas 13 dias.
Manaus (AM) também teve muito derramamento de sangue no início de 2020, com a intensificação de uma rivalidade prolongada entre duas gangues de traficantes – Comando Vermelho e Família do Norte. A partir de janeiro, o Comando Vermelho procurou pôr fim à guerra por meio de uma violenta tomada de controle de Manaus. Em grande parte como resultado disso, a cidade registrou 106 assassinatos apenas em janeiro e mais 55 em meados de fevereiro.
A Insight Crime cita Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ela disse que mesmo estados com políticas bem estruturadas para coibir homicídios, incluindo Espírito Santo, Paraíba e São Paulo, também tiveram um aumento no número de mortes. Para Samira, isso pode ser resultado da descontinuidade das políticas públicas anteriormente adotadas para o enfrentamento da violência.
Já o Estado do Rio de Janeiro teve taxas de homicídio historicamente baixas em 2020. Apesar de um aumento inicial nos assassinatos cometidos pela polícia durante a pandemia, o Rio viu uma tendência de queda nos assassinatos cometidos no verão passado.
Em setembro, o estado registrou a menor taxa mensal de homicídios em mais de três décadas, segundo dados oficiais do Instituto de Segurança Pública. Em linha com isso, as mortes nas mãos da polícia caíram substancialmente em junho e julho, uma vez que as operações visando as favelas do Rio foram suspensas pelo Supremo Tribunal Federal.
O mapa da violência:
E ENTÃO?
O que dá pra deduzir deste informe da InSight Crime é simples. Quanto maior a desigualdade social, quanto maior a miséria e a falta do Estado em políticas públicas, maior a criminalidade.
A Argentina não é um paraíso, ao contrário. A economia está em frangalhos e também há muita corrupção (o ministro da Saúde argentino caiu porque andou “distribuindo” vacinas de covid-19 a amigos), mas ainda é menos desigual que o Brasil e suas mazelas. Além disso, a educação na Argentina é bem melhor que a brasileira, o sistema de saúde parece dar conta até de uma pandemia (enquanto nós estamos no caos) e há mais segurança aparente.
Mesmo assim, há um crescimento da violência, como em todas as economias fragilizadas. O número de homicídios no país era de apenas 0,5 a cada 100 mil habitantes, 20 anos atrás. Cresceu muito e chegou a passar de 6 por 100 mil (ou três vezes menos que no Brasil, mas de qualquer forma um crescimento que assusta).
Quanto ao Paraguai, é até incrível que tenha uma taxa próxima à dos Estados Unidos (lá, é de 5,5 por 100 mil), considerando-se todas as dificuldades que o país enfrenta. Mas não há uma desigualdade como no Brasil, nem diferenças regionais tão gritantes quanto as existentes entre o Sul e o Nordeste brasileiros, por exemplo.
Mas a tendência pode ser de piora, por causa do tráfico, do contrabando, da presença do crime organizado e, principalmente, da corrupção em todos os níveis, que piora qualquer indicador social.
E como são os países europeus, no quesito violência? Um exemplo basta. Mesmo sendo a terra da ‘Ndrangheta, da Camorra ou da Cosa Nostra, os italianos vivem seguros. O índice de homicídios, por lá, é menos de 1 a cada 100 mil pessoas.
E A COVID?
Para aqueles que dão pouca importância ao novo coronavírus e ao que provoca, os números mostram que ele é mais assassino do que a soma dos matadores brasileiros, argentinos e paraguaios.
No Paraguai, o vírus já matou quase sete vezes mais que o total de homicídios de 2020 (são 3,256 óbitos por covid-19); na Argentina, as 52.644 mortes por covid representam 25 vezes o total de homicídios; e, no Brasil, mesmo com a alta taxa de homicídios, as mortes por covid-19 são 6 vezes superiores – até ontem, foram 260.970 óbitos.
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