À administração pública são impostas regras de seleção de pessoal que priorizam a qualificação, medida por critérios objetivos, para a realização do interesse coletivo após a posse nos cargos. Esse princípio está em risco no concurso da Guarda Municipal de Foz do Iguaçu, argumentam candidatos que se sentem prejudicados pelo certame da prefeitura, que recebeu 5 mil inscritos.
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O problema está no edital, que eles consideram dúbio e malfeito. Como resultado, 114(*) inscritos ficaram de fora da classificação para a próxima fase, a de condição física, com a publicação de uma nova listagem pela banca organizadora, alguns dias depois de integrarem a primeira a versão da nominata, a qual os habilitava a avançar.
A conta que não fecha é a seguinte: primeiro, a Fundação Universidade Empresa de Tecnologia e Ciências (Fundatec), organizadora contratada pela administração para realizar o concurso, considerou as notas das provas objetiva e discursiva para elencar os 600 classificados para o teste de aptidão física (TAF). Esse critério consta do edital, tendo sido inclusive elemento de esclarecimento veiculado no site da instituição, em 21 de maio:
Só que quatro candidatos entraram na Justiça e obtiveram liminar favorável, alegando que fazem jus ao TAF somente os primeiros 600 participantes com melhor colocação na redação. E isso também está explícito no edital. O juiz mandou suspender o seu andamento. Nova lista foi publicada, e a centena de candidatos foi retirada da seleção.
Essa dubiedade faz a prova subjetiva prevalecer sobre a objetiva, quando normalmente é a nota final, o somatório, é a que é decisiva, como inclusive foi explicado no exclarecimento da Fundatec. “Por que Foz do Iguaçu seria diferente de todos os concursos públicos no país?”, questiona Cleison Alexandre Dias, um dos concorrentes que ficaram de fora da nova classificação.
Pedido de providências
Ele explica que os candidatos prejudicados pelas regras contraditórias formaram um grupo em meio digital que já reúne cerca de 50 pessoas, de Foz do Iguaçu e de outras cidades, que querem respostas da prefeitura. Pelo menos cinco deles já foram ao Ministério Público do Paraná, representando o grupo, para formular uma representação e pedir providências – três serao ouvidos no começo da semana.
“Com o erro no edital, candidatos com notas maiores na somatória foram excluídos da próxima fase, estão fora, enquanto que outros, com menor nota, estão dentro e seguem”, expõe. “Ao invés da soma das notas, estão privilegiando a prova discursiva, que segundo o edital deve pesar apenas 15% da nota total”, aponta Cleison.
A título de exemplificação, caso a listagem atual seja mantida:
- Candidato 1
PO 79 + PD 10 = nota de 89 pontos. Resultado: eliminado.
- Candidato 2
PO 61 + PD 11 = nota de 72 pontos. Resultado: aprovado.
PO = Prova objetivo; PD = Prova discursiva.
Condição para o cargo
A prova discursiva é a redação, que vale 15 pontos, em que os candidatos tiveram de redigir pelo menos 15 linhas sobre a importância da Guarda Municipal. Já a prova objetiva, com peso de 85 pontos, avaliou os postulantes em conhecimentos específicos da função, matemática, português, informática, direitos humanos e legislação – do Estatuto do Idoso à Lei Maria da Penha e normas municipais, entre outros.
Edital cita que somatória de notas fará a classificação final
Para os concorrentes que questionam o certame, o teste objetivo é o que de fato mede a competência dos candidatos para exercer o cargo. Porém, o que está sendo considerado para a classificação à próxima fase é majoritariamente a redação, de peso menor (15%) e que, segundo eles, é suscetível a avaliações subjetivas de quem a corrige.
Que fazer?
Dá para resolver e conduzir o certame até o final livre da judicialização? A reportagem obteve acesso a um ofício da Fundatec à comissão de concursos da prefeitura, em que sugere, para evitar novas ações judiciais e dar estabilidade jurídica ao processo, aumentar o número de convocados para a próxima etapa, o TAF. Seriam os 948 aprovados na prova discursiva.
Para fazer isso, pede reequilíbrio financeiro contratual para o incremento de 348 candidatos, acima dos 600 previstos inicialmente, o que demandaria mais R$ 113,5 mil. “A Prefeitura de Foz do Iguaçu arrecadou com as inscrições R$ 584.640,00. Considerando que o valor do contrato foi R$ 403.401,60, o aditivo seria superior a 25% do contrato. Contudo, a Fundatec propõe o incremento de apenas R$ 100.850,40, ou seja, 25% do já pactuado, conforme é previsto Lei de Licitações, totalizando R$ 504.252,00, valor ainda coberto pelo arrecadado com as inscrições”, cita o documento.
Em ofício à prefeitura, a Fundatec propôs ampliar o número de candidatos habilitados à próxima fase, para dar “segurança jurídica” ao concurso.
O impasse gerado poderá trazer outros prejuízos, além dos custos despendidos pelos 114 desclassificados, com deslocamentos, taxa de inscrição e consultas e exames médicos. “O pessoal que entrou na segunda lista não terá chance. Porque no final voltará a somar a nota novamente, beneficiando um pequeno grupo de pessoas, tirando a competitividade do concurso público”, adverte Cleison Alexandre Dias.
*Número citado pela Fundatec em ofício à prefeitura.
Outro lado
Em nota, a prefeitura declarou ao H2FOZ que a administração pública é pautada pelo princípio da legalidade e, após a publicação do primeiro edital com a convocação dos candidatos para o TAF, contou com a colaboração da banca organizadora e agiu rapidamente para regularizar a situação do certame. Isso, disse, teria garantido que todas as ações estivessem em estrita conformidade com os termos do edital.
“A nova convocação reflete o cumprimento das determinações contidas no instrumento convocatório, em especial o item 9.2.”, expõe a gestão municipal. “Orientamos todos os candidatos e interessados a revisarem o edital e, em caso de dúvidas, a entrarem em contato com a Banca organizadora do concurso pelos meios oficiais”, completa.
A organizadora, a Fundatec, também se manifestou por nota. Pontua que a nova lista de convocação do Concurso Público n.º 01/2024 do município de Foz do Iguaçu “foi realizada em cumprimento aos mandados nos autos nº 0017093-25.2024.8.16.0030, nº 0017070-79.2024.8.16.0030, nº 0017095-92.2024.8.16.0030, nº 0017201-54.2024.8.16.0030, conforme disposto no edital de retomada do processo de Concurso Público no Cargo de Guarda Municipal”.
Acrescenta que o edital n.º 23/2024 foi publicado no dia 21 de junho e está disponível na página do concurso, no site da Fundatec (https://www.fundatec.org.br/portal/concursos/index_concursos.php?concurso=892), assim como as demais informações referentes ao certame.
O H2FOZ insistiu em respostas mais específicas, solicitando:
- a banca organizadora busca alternativa para que esses 114 candidatos não sejam prejudicados? Caso sim, quais?
- contradição entre a primeira e a nova listagem classificatória decorre do termo de referência da prefeitura ou do edital da Fundatec?
- havendo contradição nos termos do edital, com mais de cem candidatos que se dizem prejudicados por isso, a Fundatec considera que o processo poderá seguir de forma justa e em conformidade legal?
- a banca organizadora avalia suspender o concurso?
As perguntas não foram respondidas. A fundação voltou a dizer que todas as informações serão veiculas em seus canais e que segue “à disposição para atualizações à medida que novas informações estiverem disponíveis”, finalizou.
Mais candidatos se manifestam
Maria Eduarda da Silva
“Estamos passando por uma injustiça, ao nos excluírem do TAF e do concurso que tanto nos preparamos e tanto estudamos. Não chegamos a este patamar para que a banca e a prefeitura decidam tirar quase 120 candidatos, por despreparo da banca e por um edital malfeito.
Ocorre que sempre foi realizado a chamada para o edital baseado na somatória da prova discursiva e objetivo. Agora, como eu disse anteriormente, por um despreparo da banca, a chamada ocorreu baseada somente na nota da prova discursiva, excluindo vários candidatos.”
Daniel Toledo Alves
“Venho aqui expor minha indignação referente ao que está acontecendo no concurso público da Guarda Municipal de Foz do Iguaçu. Após fazer a soma da nota objetiva e discursiva, que é padrão nacional, três dias antes do teste de aptidão física, depois já ter gastado dinheiro com exames e certidões, fora a gasolina, o concurso foi suspenso.
Após 30 dias, o concurso voltou, considerando apenas a redação, mesmo a banca indicando que seria ideal para trabalhar nesta função somar a nota com a prova objetiva. A prefeitura optou por considerar apenas a redação, ignorando 85% da prova e deixando de lado leis, direito penal e administrativo, legislações, que são essenciais para atuar na função de guarda municipal.
Isso é um caso inédito e a pergunta que fica é por quê, justo agora em Foz do Iguaçu: Não é querendo acusar, mas isso só abre margem de erro para candidatos ganharem notas em redação, pois é algo subjetivo. Além disso, na atual classificação, tem pessoas com notas mais altas eliminadas e pessoas com notas baixas no certame. Esse tipo de avaliação é completamente injusta e inédita, dando margem para selecionar pessoas.”
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