A ex-vereadora Rosane Bonho pediu exoneração de cargo na prefeitura no começo de abril, data que coincide com o prazo de desincompatibilização para quem almeja ir às urnas no pleito deste ano. Não houve vacância, pois no mesmo dia foi nomeada no lugar a sua filha, Bianca Bonho. A assessoria é na Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Relações com a Comunidade, da secretária Rosa Maria Jeronymo, esposa do prefeito Chico Brasileiro (PSD).
Detalhe: as Bonhos se revezam na Diretoria Extraordinária de Orçamento Participativo e Relações com a Comunidade, em que a última edição da consulta popular para a elaboração da peça orçamentária foi em 2021, meses antes do período eleitoral. Quando a secretaria relacionada ao cargo foi criada, o atual prefeito disse que não impactaria custos adicionais, porque ela seria ocupada por servidores remanejados de outras pastas.
Caso é que são 233 cargos em comissão mantidos pela prefeitura, Foztrans, Fohabita e Fundação Cultural. Os CCs são indicados sem concurso público, de livre nomeação pelo gestor municipal. Levantamento exclusivo do H2FOZ mostra que esse conjunto de servidores temporários custou R$ 1.831.670,86 em março, apenas em salários acrescidos de gratificações como verba de representação – o adicional não se aplica a secretários, superintendentes e diretores. As informações foram retiradas do Portal de Transparência, nome por nome.
À penca de duas centenas de CCs estão vinculados os secretários municipais, superintendentes de autarquias e presidente de fundação, que recebem mensalmente R$ 16.742, e diretores com remuneração de R$ 12.448. Assessores de nível menor (ASS2) obtêm R$ 4,7 mil, e a prefeitura mantém assessores técnicos especiais (ASS1) a R$ 12,4 mil por mês. Os valores são brutos, sendo o custo efetivo ao erário, sem os descontos. Não estão incluídas na conta as férias, o 13.º e os encargos patronais.
A remuneração mais alta é a do procurador-geral do município, que foi de R$ 32.917,30 em março, conforme o Portal da Transparência da prefeitura, resultado de R$ 16.742,60 em vencimentos e R$ 16.175,00 em verbas variáveis, descritas como sendo “horas-extras/adicional noturno/horas plantão/honorários de sucumbência”. Titulares de secretarias que são concursados, cedidos para o exercício da função no primeiro escalão da governança, tiveram o ordenado reforçado com gratificações que variam entre R$ 7,6 mil e R$ 11 mil, para chegar à média paga aos secretários.
A vantagem concedida ao secretário de Tecnologia da Informação é caso diferenciado. O servidor recebe R$ 3.186 pelo concurso público, mas seu vencimento foi aumentado em R$ 9.261 no mês, quase três vezes mais, graças ao uso que vem fazendo a gestão de Foz do Iguaçu das gratificações, a qual hidrata as remunerações dos auxiliares mais próximos ao prefeito Chico Brasileiro. Nesse caso específico, o acréscimo é referido como “gratificações de funções/exercício de encargos especiais/gratificações de regências/FGM´s”.
A verba de representação, de modo geral, faz dobrar o soldo dos cargos comissionados em Foz do Iguaçu, benefício que ainda vigorou na última folha de março. Tem-se que o salário de um assessor (ASS2) é de 2.383,14, ao qual é agregado o bônus de R$ 2.383,00, chegando à remuneração bruta R$ 4.766,28. Já os assistentes ASS2 têm salário de R$ 6.224,25, mais a engorda de R$ 6.224,00, resultando no ganho de R$ 12.448,50 mensais, sem descontos.
O “ainda” mencionado é porque o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) extinguiu o pagamento dessa gratificação para os CCs, em processo que já percorreu o chamado “transitado em julgado”, no mês de outubro de 2023. A vedação deve vigorar a partir da veiculação da decisão, o acórdão.
Porém, o prefeito Chico Brasileiro convocou a Câmara de Vereadores para votar, com urgência, projeto que pretende dobrar os salários dos ocupantes de cargos de indicação política. Grosso modo, a matéria dribla a decisão do TJPR, incorporando ao provento salarial o valor que hoje equivale ao adicional em verba de representação. A proposta está na pauta da sessão desta segunda-feira, 22 (veja abaixo).
O H2FOZ questionou à prefeitura qual é o índice do orçamento que a cidade destina à folha de pagamento, o chamado limite prudencial imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Perguntou quais são os critérios para contratação dos CCs e como é realizado o controle das atividades laborais realizadas pelos ocupantes de cargos comissionados.
E indagou se a gestão municipal tem proposta ou projeta abrir concurso público para preencher as funções hoje de livre nomeação do prefeito, as quais vêm sendo ocupadas de modo perene. Ainda que não tenha se referido a questões processuais, a reportagem obteve como resposta da assessoria de comunicação que a “prefeitura irá se pronunciar após a conclusão dos processos”.
CCs poderiam ser reduzidos
Ao H2FOZ, o presidente do Sindicato dos Servidores Municipais de Foz do Iguaçu (Sismufi), Aldevir Hanke, afirmou que os cargos em comissão vigentes na prefeitura poderiam ser reduzidos. Para ele, nos casos imprescindíveis ao bom funcionamento dos serviços, as ocupações poderiam ser destinadas a servidores de carreira do quadro próprio da administração.
O representante da categoria foi perguntado se a gestão dispõe de instrumentos adequados para aferir as atividades dos CCs nas mais diferentes pastas. “A correta prestação dos serviços dos cargos de confiança tem que ser a mesma que é prevista para os servidores de carreira, e a sua aferição cabe ao gestor; e a fiscalização, aos órgãos constituídos, como a Câmara Municipal. E, claro, se houver qualquer desvio, tem que ser apurado”, apontou.
Para Aldevir, ter sempre maior número de servidores de carreira nas funções de confiança representa economia para o munícipio e valoriza a categoria. Não é o que acontece. A reportagem quis saber como o funcionalismo reage quando apresenta lista de reivindicações da carreira, mas recebe negativa do administrador sob a alegação de restrições pelo limite prudencial da LRF, contudo ainda assim mantém mais de 230 CCs.
“Em maio, devemos apresentar a nossa pauta referente à data-base deste ano e, nela, vamos reiterar a cobrança das pendências que a administração tem com os servidores”, contextualizou. Entre elas, enumerou, as “que dependem do índice do limite prudencial para a sua implantação, a exemplo das horas extras e o residual referente à data-base de 2021–2022”, concluiu Aldevir Hanke.
O drible na Justiça
A Procuradoria-Geral do Estado apresentou ação direta de inconstitucionalidade (Adin) em que figuram a Câmara de Vereadores e a Prefeitura de Foz do Iguaçu, questionando a legalidade do pagamento de verba de representação. O Legislativo declarou não adotar esse expediente. A gestão municipal alegou, entre outros argumentos, que o valor acrescido aos salários dos CCs “não possui concessão compulsória e possui caráter transitório”, seguindo critérios objetivos e consoantes ao princípio da eficiência.
O Tribunal de Justiça decidiu procedente a ação, declarando inconstitucional trechos da legislação municipal ditada pelo poder público como sendo a base legal para o pagamento das gratificações que dobram a remuneração, especificamente a Lei Complementar n.º 97/2005, que foi alterada em 2013. Após a decisão do tribunal, o prefeito Chico Brasileiro enviou à Câmara de Vereadores, neste mês de abril, projeto que converte o bônus em salário.
Na mensagem, o gestor municipal argumenta que a proposta não acarretará aumento de despesas, segundo ele, porque “os Cargos Comissionados atualmente recebem os valores descritos na tabela [do projeto], conforme Relatório da Estimativa de Impacto Orçamentário-Financeiro (RIOF)”. E pede urgência na votação, “por se tratar de verba alimentar e haver prazo para aprovação em razão do período eleitoral”, narrou.
Na Câmara
Quando recebeu o projeto para tramitação, o presidente da Câmara, vereador João Morales (União Brasil), disse que a matéria dobra o valor-base na tabela de vencimentos dos CCs. E foi às contas. “Os cálculos revelam que a medida pretendida pelo Executivo Municipal envolve cerca de R$ 800 mil por mês, perfazendo um montante de aproximadamente R$ 7 milhões até o fim deste ano”, publicou a casa parlamentar. E requisitou informações sobre a proposta ao Tribunal de Contas do Estado Paraná (TCPR) e ao Ministério Público, quem moveu a ação judicial sentenciada pelo TJPR.
O departamento jurídico da Casa de Leis emitiu parecer contrário ao projeto, o considerando “inadequado” e de “inviabilidade jurídica de aprovação”, e recomendou que nenhuma revisão salarial em final de mandato prospere no âmbito legislativo, a não ser reposição salarial inflacionária da data-base. Entretanto afirmou que, se as Comissões Reunidas divergirem, é o caso, “o aguardo de retorno de informações dos órgãos oficiais consultados é boa prática que se recomenda”.
O relatório das Comissões Reunidas não vê obstáculo para o projeto ser votado. Ele é assinado pelos vereadores Edivaldo Alcântara (PSDB), Alex Meyer (PP), Rogério Quadros (PSD), Protetora Carol Dedonatti (PSD) e Anice Gazzaoui (PP). A subseção de Foz do Iguaçu da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) emitiu parecer opinativo pelo não prosseguimento do projeto na Câmara, citando, por exemplo, que a prefeitura “já infringiu os limites legais de índices de pessoal”.
Os vereadores irão votar nesta segunda-feira, 22, o projeto que dobra o salário dos cargos de indicação política. A votação será antes do recebimento dos pedidos de informação feitos pela Câmara ao TCPR e à promotoria. Questionado pela reportagem, o Legislativo respondeu que a mesa diretora não pode aguardar, já que a matéria, uma vez lida em plenário, seguida de parecer das comissões, já segue para votação automaticamente.
A Câmara de Vereadores teria 45 dias para deliberar sobre a pauta, isto é, até 11 de maio. O projeto começou a tramitar em 10 de abril e, se não houver pedido de vistas pelos vereadores nesta segunda-feira, será votado em 12 dias. É sabido que parte dos CCs na administração municipal é indicação de parlamentares da base aliada, relação que mantém margem favorável ao prefeito nas deliberações da Casa de Leis.
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