À beira de ver inviabilizada a gestão do Hospital Municipal Padre Germano Lauck (HMPGL), operado por uma questionada organização social (OS), a prefeitura criou em 2013 a Fundação Municipal de Saúde de Foz do Iguaçu (FMSFI). De lá para cá, é ela a responsável pela administração do hospital, com recursos unicamente públicos e atendimento exclusivamente gratuito à população – não sem críticas pelos serviços.
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Dois projetos do prefeito Chico Brasileiro (PSD) propõem extinguir a fundação, criando em seu lugar uma personalidade jurídica nova e limpa de dívidas, a Autarquia Municipal de Saúde (AMS). Essa é a solução anunciada pela municipalidade para galgar na direção da federalização do Hospital Municipal, a fim de manter profissionais na unidade durante o período transitório em uma eventual transferência do HMPGL para outro organismo.
De pronto, caso os projetos sejam aprovados pelos vereadores, o passivo atual da Fundação Municipal de Saúde será oficialmente assumido pela prefeitura, uma dívida milionária, mas que o seu valor total se mantém quase impronunciável publicamente pela boca da maioria dos gestores. O montante em vermelho vai de atrasos no pagamento de fornecedores a pendengas trabalhistas e financiamentos com o governo federal.
O sindicato que representa os mais de mil funcionários do hospital teme pela sustentabilidade futura da mudança, que irá alterar o status dos profissionais, em um cenário de alternância de governo. A Comissão de Empregados Públicos do HMPGL afirma ter acompanhado o debate e concorda com as alterações. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/Foz) adiciona observações laborais e previdenciárias. E em meio a isso tudo está o direito do morador à saúde.
Empregos e dívida
Representando o governo em audiência pública da Câmara de Vereadores sobre o tema, sexta-feira, 8, o secretário de Transparência e Governança, Nilton Bobato, declarou que os atuais funcionários do Hospital Municipal serão incorporados como servidores estatutários, e os remanescentes da OS, que geriu a casa hospitalar até meados de 2013, admitidos como celetistas (nas regras da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT).
Ao defender a extinção da atual fundação, argumentou que ela só prevê a transferência de patrimônio com o seu encerramento. Desse modo, a nova Autarquia Municipal de Saúde é necessária para viabilizar a federalização do Hospital Municipal, sob um modelo que, considera, trará ganhos para a saúde pública de Foz do Iguaçu e região, como a economia de recursos que poderão ser destinados para melhorar a atenção básica.
No Legislativo, o secretário arranhou os valores que formam o défice atual da fundação gestora do hospital iguaçuense. “Ela tem dívida considerada de fluxo de caixa, de mais ou menos R$ 23 milhões, e tem outro passivo trabalhista, de R$ 50 milhões, que está sendo discutido judicialmente”, elencou Nilton Bobato.
O H2FOZ indagou à prefeitura sobre a responsabilidade da dívida e o seu montante preciso. “Todo o passivo da Fundação Municipal de Saúde, após sua extinção, por lei, será do município. O que na prática já é, pois todo o precatório da Fundação já é responsabilidade do município e qualquer pagamento efetuado, só é feito a partir de repasses do tesouro municipal”, reportou a assessoria da municipalidade em nota.
Segundo os valores informados pela administração municipal, a dívida envolvendo o Hospital Municipal é de R$ 73,4 milhões, referente ao período de 2013 a 2023. A administração alega ser necessária auditoria para confirmação, principalmente dos valores até 2017. O montante é detalhado assim:
- R$ 23.709.326,26 em dívida circulante, como fornecedores;
- R$ 49.728.985,37 de défice que inclui obrigações sociais, provisão para precatórios trabalhistas e obrigações com bens de terceiros.
Objetivamente, se a mudança de estrutura em debate avançar, o ativo e o passivo financeiro, de patrimônio a equipamentos, e as dívidas da Fundação Municipal somente deverão ser consolidados depois que uma comissão especial, a ser criada pelo prefeito Chico Brasileiro, fizer a apuração. Isso ocorrerá, pois, quando as alterações na gestão da saúde já tiverem sido aprovadas. É assim o que prevê um dos projetos a serem votados pelo Legislativo.
Funcionários: presente e futuro
Presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos e Serviços de Saúde, Paulo Sérgio Ferreira informa que a entidade não foi convidada institucionalmente para participar do processo de discussão sobre a nova autarquia. Ele questiona as mudanças em fim de mandato, não enxerga garantias para que os funcionários não sofram revés no futuro e acredita que os efeitos dessa decisão recairão sobre o próximo prefeito.
“Não somos contra [migração trabalhista]. O que queremos é discutir garantias, a sustentabilidade dessa medida que estão falando para os trabalhadores”, disse em entrevista no programa Marco Zero. “A preocupação nossa é: a questão hoje é muito mais vontade política do que jurídica, quando deveria ser o contrário”, prosseguiu, asseverando que o custo aos cofres públicos será mais alto com a Autarquia Municipal de Saúde.
O coordenador da Comissão de Empregados Públicos do hospital, Daniel Costa, demonstrando sintonia com os entendimentos da gestão da unidade, mencionou que a representação dos profissionais manteve discussões com o município e outros órgãos por um ano, a fim de buscar soluções favoráveis aos profissionais em um cenário de possível federalização. A explanação foi na audiência pública na Câmara de Vereadores.
Ele considera que a nova autarquia dará segurança jurídica aos funcionários na preservação dos empregos, e que serão mantidos a média salarial e os benefícios adquiridos, como vale-alimentação. Os trabalhadores que não quiserem fazer a transição do vínculo trabalhista receberão as verbas rescisórias. “Garanto que o que a Comissão de Empregados apresenta é algo legal, pensado, e que os trabalhadores anseiam. A gente quer segurança e garantia de emprego”, salientou Daniel.
No plenário da Casa de Leis, a advogada Melania Milane, que representou a OAB/Foz, frisou ter olhar mais minucioso e crítico sobre pontos que geram preocupação por não estarem nos projetos em trâmite, os quais deverão ser regulamentados depois. Citou haver precedentes do Tribunal de Contas do Paraná sobre esse tipo de transposição, aplicados à previdência, e indagou se será considerado o tempo de serviço para aposentadoria na migração da fundação para a nova autarquia.
“E tem também a questão da irredutibilidade de vencimentos. Vai ser criado ainda um plano de cargos e carreiras, o que traz um pouco de receio. Em qual referência vocês [funcionários] irão iniciar? Vai ser por referência ou por nível? Como vocês irão se desenvolver?”, perguntou, dirigindo-se aos trabalhadores em saúde presentes na audiência. “Tudo isso tem que ser tratado agora, porque irá trazer consequências depois”, advertiu Melania.
Do municipal ao hospital federal
A prefeitura diz que as mudanças irão “construir os caminhos jurídicos e operacionais” para a federalização do Hospital Municipal, no modelo de hospital universitário, que seria vinculado ao curso de Medicina da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). A gestão é indicada à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), em contrato com a instituição de ensino para ela desenvolver suas atividades.
Para o governo municipal, a federalização resolveria o financiamento do HMPGL, afirmando que hoje a sua manutenção passa por desequilíbrio, em que os cofres municipais arcam com a maior parte dos recursos – acima de 60%. Isso corresponderia, aponta, a um aporte médio mensal de R$ 9 milhões. Conforme a administração municipal, o protocolo de intenções e contrato de gestão entre Ebserh, Unila e prefeitura está em fase final.
Onde atua, a Ebserh não encontra consenso junto aos quadros das instituições de ensino superior e entidades laborais. Ela é observada por procedimentos que são considerados formas de maquiar a terceirização da saúde pública, por diversas demandas judiciais e porque sua presença nas estruturas acadêmicas não coadunaria com a autonomia universitária. E não faltam críticas pelos processos de contratação de pessoal.
A instituição foi criada em 2011, como ente federal, sendo vinculada ao Ministério da Educação (MEC), e gere cerca de 40 hospitais universitários em várias regiões do país. “O objetivo é, em parceria com as universidades, aperfeiçoar os serviços de atendimento à população, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), e promover o ensino e a pesquisa nas unidades filiadas”, lê-se da descrição do MEC às operações da instituição.
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