Waldson de Almeida Dias | OPINIÃO
“Batidas na porta da frente, é o tempo! Eu bebo um pouquinho pra ter argumento, mas fico sem jeito calado e ele ri, ele zomba do quanto eu chorei, porque sabe passar e eu não sei…”
(Aldir Blanc/Cristóvão Bastos)
Quarenta meses! Exatos 1.221 dias depois de decretar que o mundo, o planeta Terra, estava em emergência de saúde pública global devido ao vírus SARS-CoV-2, o popular covid-19 ou simplesmente coronavírus, a Organização Mundial da Saúde (OMS), na sexta-feira, dia 5 de maio de 2023, declarou o final da emergência de saúde pública global em razão do vírus. Não sem antes anunciar, no dia 11 de março de 2020, que o coronavírus havia evoluído para uma pandemia. Vencemos! Não! Ledo engano! O vírus continua vivo e sofrendo mutações, e graças à ciência, aos cientistas que produziram vacinas, a pandemia está controlada.
O anúncio da OMS foi comemorado mundialmente, mas não observei ninguém desculpar-se pelo saldo restante neste tempo em que, relembrando Albert Camus, “…a peste acordou seus ratos e os mandou morrer numa cidade feliz”. Nesse caso específico, em muitas cidades infelizes também, pois a vacina não chegou ao braço de uma parte significativa da população mundial – e não estou referindo-me aos braços dos negacionistas falsificadores de certificados de vacinação, e sim aos braços de seres humanos que devido à pobreza, à miséria de seus países, adquiriram a vacina muito tarde e ou nem a adquiriram.
Não escutei o pedido de desculpas pelo saldo restante de mais ou menos 20 milhões de mortos em todo o mundo, que podia sim ter sido evitado, ou pelo menos minimizado. Somente no Brasil, em seu período negacionista da vacina, mais de 700 mil mortos. E nem um pedido de desculpas à teledramaturgia brasileira pela morte de Tarcísio Meira, Paulo Gustavo, Agnaldo Timóteo, Nicete Bruno e muitos outros artistas; desculpas à música popular brasileira, pois o “…sereno não vem mais trazer um recado do Ubirany…”, porque o Ubirany também foi vítima da covid, e não somente o grupo Fundo de Quintal ficou órfão e verteu lágrimas, mas o samba também chorou.
Minha “Roupa Nova” de repente ficou velha, surrada e triste, “…fui chorando de saudade, mesmo longe, não me conformei, pode crer, eu viajei contra a vontade”… Paulinho foi mais uma vítima da covid e da ignorância governamental.
Não escutei o pedido de desculpas pela morte do gigante da MPB, o cara que “via a lua cheia projetada no espelho precário de uma caixa-d´água sem tampa em Vila Isabel” (1) . Refiro-me a Aldir Blanc, cuja lei (2) que agora leva seu nome empresta energia para muitos sobreviventes das artes seguirem adelante…
Durante o anúncio e as entrevistas que se seguiram com secretários e ministros da Saúde, não vi nenhum pedido de desculpas pelos mortos sem nomes, sem rostos, os invisíveis das ruas do mundo, os sem-teto, os indígenas, os amigos que somente eu conhecia e cuja dor ainda carrego.
Claro que estou feliz com esse anúncio da OMS, sei muito bem analisar o lado positivo de algo triste. Sei que os médicos, enfermeiros, o pessoal da saúde que trabalhou na linha de frente e que teve de enfrentar ao mesmo tempo duas pandemias de vírus letais, covid e ignorância, estão exultantes com essa notícia e reza para que logo se encontre a vacina que cure a ignorância, uma vez que a educação não tem surtido muito efeito.
Na minha, nada modesta, opinião, a OMS, a ONU e todas as organizações governamentais do mundo deveriam unir-se e fazer um mea-culpa pelos 20 milhões de mortos, pois a responsabilidade de analisar o passado, entender o presente e perscrutar o futuro é deles, foi deles e será deles.
E cabe sim, no mínimo, um pedido de desculpas pelos 20 milhões de mortos, cujos nomes desconhecemos, aqueles anônimos que são mais próximos de nós do que imaginamos, pois todos fazemos parte de uma unidade universalmente além da dimensão presente. Ou se esqueceram das palavras atribuídas aquele que é considerado o mestre dos mestres: “Em verdade vos digo que quando o fizeste a um destes meus pequeninos irmãos a mim o fizeste.”
Mas acho que esse simples anúncio da OMS, teoricamente, trouxe pouco ou nenhum alívio e paz a uma parte significativa da humanidade, pois há coisas mais importantes a se pensar do que o final de uma pandemia e ou o começo futuro de outra. Afirmo isso porque os jornais do mundo todo, no dia seguinte ao anúncio, preocupam-se em noticiar a coroação de Sua Majestade o rei! Ainda vivemos em uma era medieval da humanidade!
Enquanto isso, escuto Aldir Blanc, pela voz de Nana Caymmi, sussurrar-me ao ouvido: “…Mas fico sem jeito calado e ele ri, ele zomba do quanto eu chorei, porque ele sabe passar e eu não sei… É o tempo! É o tempo…”
Waldson de Almeida Dias é servidor público municipal em Foz do Iguaçu.
1 Marcelo Moutinho – “A Lua na Caixa D´água” – Livro vencedor do Jabuti 2022 – Crônicas:
2 Lei Aldir Blanc de apoio a cultura – Lei n° 14.017 de 29 de junho de 2020.
Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.
Entendo o posicionamento do autor, no entanto, sem a intenção de tomar dores de um ou outro ente, as organizações mundiais como a OMS, ONU e outros tantos não possuem nada mais do que uma “influência”, uma mera espécie de “holding falsa”, sem real poder ou autoridade para determinações na sociedade em si. Nações mandam recursos para que elas se mantenham vivas, mas nada mais que isso, vez que a autoridade delas é intangível, quase subposta, e acaba ali na divisa quando um presidente (ou realeza, parlamento) diz “aqui já é comigo”.
Neste sentido, um pedido de desculpas e mea culpa deveria vir de todas as nações. Nações estas definidas por pessoas, lideradas por pessoas e para pessoas, que não conseguiram, em frente à uma pandemia violenta e mortal, se comportarem melhor que adolescentes, enquanto em paralelo agentes da ciência e da saúde travavam batalhas para tentar resolver a bagunça deles – todos eles.
No entanto, sim, a impressão que passam é como se tivéssemos vencido uma guerra literal, onde se ignoram os mortos (ou no máximo colocam um nome num pedaço da internet em sites que ninguém acessa, como se afastasse o anonimato). Triste demais.
Pelo que sei o início da pandemia foi alertada antes de chegar a maior parte do mundo. E que os que não crêem na ciência sempre lutaram muito pra não aceitar as imposições recomendadas pela OMS e ANS. Claro, todos foram muito cautelosos ao tentar minimizar os impactos econômicos advindos das medidas preventivas do COVID. Aqui neste país, quantos esbravejaram que era grupezinha?? Imunidade de rebanho?? Sem falar dos desvios dos recursos pra ventilação mecânica…
Então… Ainda temos órgãos mundiais e nacionais bem melhores que a opinião pública que aparece nas redes sociais.
Parabéns pela coluna meu amigo Waldson, ia escrever aqui uma polemica que quem deveria pedir desculpa é um País aí que supostamente criou o vírus, mas, vou deixar para outro momento kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk, brincadeiras à parte sucesso meu irmão!!!
Excelente conteúdo, gostei do ponto de vista, o assunto é polêmico e carece ser debatido. Um forte abraço e registro que vou acompanhar os próximos temas.
Parabéns pela coluna amigo Waldson!