Waldson de Almeida Dias – OPINIÃO
NÃO sou adivinho, mas já sabia com antecipação que o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), André Mendonça, solicitaria um pedido de “Vistas” do Recurso Extraordinário sobre a demarcação das terras indígenas.
A Câmara Federal aprovou por 238 votos contra 155, o Projeto que institui o Marco Temporal, ou seja, que pertencem aos indígenas somente as terras habitadas por eles até a data da promulgação da Constituição de 1988. Precisamente no dia 5 de outubro de 1988.
Em meu livro “Pandemia em Crônicas”, escrevi uma crônica intitulada: “…Era Dia de Índio…”; logo na epígrafe procurei situar o leitor no caminho e objetivo que seguiria a escrita, me socorrendo a um fragmento do pensamento do Filósofo e Teórico Político, Achille Mbembe, que disse: “…a expressão máxima da soberania reside, em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer. Por isso, matar ou deixar viver constituem os limites da soberania, seus atributos fundamentais. Exercitar a soberania é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação do poder.”. É o poder, em sua maioria nas mãos de homens brancos que definirá, quais terras pertencem ou não aos Indígenas de Pindorama!1 Eu interpreto o pensamento de Achille Mbembe como a definição de Necropolítica.2
Não se trata somente de definirem quais os locais onde os Indígenas vão habitar, mas onde os que se denominam “não indígenas” vão viver quando não tivermos mais nossas florestas, nossos rios e principalmente um meio ambiente em que a vida possa se desenvolver segundo sua própria natureza.
“O dinheiro não nos protege, não enche o estômago, não faz nossa alegria. Para os brancos, é diferente. Eles não sabem sonhar com os espíritos como nós. Preferem não saber que o trabalho dos Xamãs é proteger a terra, tanto para nós e nossos filhos como para eles e os seus.”
(Davi Kopenawa)
Enquanto, durante a semana, pensava se tinha realmente competência para escrever sobre esse tema, ao organizar um pouco minha pequena biblioteca, eis que cai de dentro de um livro, uma foto datada de 18 de junho de 2005, em que me encontro na Aldeia Indígena Avá-Guarani do Ocoí em São Miguel do Iguaçu, no Paraná. Na foto, que chamo de “A foto da foto”, me encontro frente a uma mulher adulta e cinco crianças indígenas que estão olhando uma máquina fotográfica digital, coisa do passado, em que retratei seus rostos.
Na época fui para aprender com eles! Sentia orgulho dessa foto! Hoje continuo sentindo orgulho da foto, não pelo mesmo motivo, pois ela retrata minha total ignorância! Ao invés de ver, escutar suas falas, aprender com eles, quis mostra-lhes minha ignorância digital, retratando seus corpos e rostos em uma tela. Ou seja, não basta sermos contra o Marco Temporal, temos que entender as consequências para a humanidade de o quanto é um ato de Necropolítica o voto a favor do Marco Temporal, pois ele não define somente onde os Indígenas vão viver e sim o quanto de nós vão morrer devido ao agravamento da destruição das florestas, destruição dos biomas e retorno do extrativismo e do garimpo.
Existe uma máxima entre os povos indígenas de que onde há indígenas existe floresta em pé. A demarcação do Marco Temporal significa floresta queimada, rios poluídos por mercúrio e indígenas mortos. Paralelo a votação do Marco Temporal no Supremo, um outro assunto que foi bastante comentado, o resgate com vida das quatro crianças que após uma queda de avião na Colombia ficaram quarenta dias desaparecidas na floresta amazônica. Crianças com idade entre um e treze anos. Uma notícia excelente, mas o que me chamou mais atenção foi como sobreviveram na floresta por quarenta dias? A resposta foi dada pelos indígenas colombianos que disseram: “A resposta se encontra na cosmovisão indígena do mundo e a conexão que possuem com a natureza. A natureza os protegeu, as duas crianças com mais idade sabiam respeitar a floresta. Na floresta nunca se perde nada”.
Uma cosmovisão indígena que está interligada com o projeto da Primeira Ministra dos Povos Indígenas do Brasil, Sônia Guajajara, que vem propor a Reflorestação de Mentes. Reflorestar Mentes é nos propormos a aprender com quem conhece a natureza melhor que nós. É aprendermos sobre justiça socioambiental e os direitos da mãe terra. “Reflorestar mentes e corações para a cura da terra” é também o título de uma carta aberta confeccionada em setembro de 2021 no Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental.
Reflorestar Mentes é sabermos que muito antes dos seres dito humanos de pele branca chegarem a Pindorama, os indígenas já estavam aqui! Muitos antes dos “migrantes nus”, os negros escravizados terem vindo a força para Pindorama, os indígenas já estavam aqui! Muito antes do Ministro pedir tempo para estudar seu voto, os indígenas já estavam aqui! Se for por direito a quem chegou primeiro, todos que chegaram após 1500 deveriam ir embora.
Pois que nossas mentes sejam reflorestadas, para que não venhamos ser cúmplices de uma necropolítica que termine nos expulsando do planeta, através da extinção total de uma “humanidade” totalmente desumana. Votar a favor do Marco Temporal deve ser enquadrado como crime contra a humanidade. Se a humanidade assim não o fizer, a natureza o fará!
Waldson de Almeida Dias é servidor público municipal em Foz do Iguaçu.
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Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.
Que sejamos de verdade reflorestados, e se deixe de ver o índio como o intruso, e uma data comemorativa no calendário. Aprendendo, aprendendo e aprendendo…