Por Waldson de Almeida Dias | OPINIÃO
Porchat, embora eu me considere um ótimo contador de histórias, nunca fui convidado por você para participar de seu programa. Não sou tão conhecido assim, sou apenas mais um negro que detesta piadas racistas e principalmente racistas em desconstrução, isso porque sempre acreditei na máxima do também humorista e jornalista, Aparício Torelly, o Barão de Itararé, que sempre falava: “De onde você menos se espera, daí é que não sai nada”, ou seja, uma vez racista sempre racista!
Mas, saiba que mesmo você saindo em um primeiro momento na defesa do seu colega “humorista” “léo lins”, sim o nome todo em minúscula, pois gente pequena tem que ficar no lugar que lhe é devido, eu costumo assistir seu programa e sou forçado a confessar que já dei ótimas risadas, isso porque aprecio o humor, humor de bom gosto, ou melhor, humor inteligente e entendo por inteligente o que consta no dicionário “forma de vida”; uma forma de vida inteligente não faz ou prática humor de cunho racista!
Mesmo nunca ter sido oficialmente convidado para contar muitas das minhas histórias em seu programa, vou te contar uma que aprendi através dos tempos com minha ancestralidade e que carrego no meu DNA. É uma única história com milhões de personagens, todos negros escravizados, o pensador da Martinica Édouard Glissant, a chamou de história do “Migrante Nu”, pois foi assim que chegamos nesse continente, nesse país, nus e despojado de nossa dignidade. Muitos ficaram pelo caminho mortos no fundo do oceano atlântico.
Outros, porém foram torturados nas fazendas, marcados a ferro quente em seus corpos virando propriedades de senhores “humoristas” brancos, “coisificados”. Nossas mães, irmãs, mulheres e filhas, Sr. Porchat, eram estupradas e mutiladas por senhores brancos que “gargalhavam” após cometerem suas atrocidades contra os migrantes nus oriundos de África.
Saiba nobre “humorista” que fazer piadas sobre a dor do outro é sim um ato racista, uma vez que a piada incita sim ao ódio contra negros, judeus, homossexuais e tantas outros povos e minorias que sofrem o estigma dessa violência. A existência, ainda nos dias de hoje, século XXI, de “humoristas Racistas” tem que ser tratada sim com o rigor da lei. Claro que não é o seu caso, pois segundo você mesmo declarou: “Sou um racista em desconstrução” e eu acredito em você, tanto quanto acredito em coelhinho da páscoa, papai noel e mula sem cabeça.
Mas dizem que admitir já é um primeiro passo, talvez para lugar nenhum, mas devemos dar um voto de confiança, ao admitir seu racismo e seu processo de desconstrução me permita lhe dar um conselho? Apenas um conselho de um cara que adora desconstruir racistas, não, claro que não sou eu, meus métodos não seriam digamos, nada ortodoxos e educados. Mas, que tal pautar esse tema em seu programa? Eu te recomendo ler um ótimo livro chamado “Racismo Recreativo” escrito pelo Mestre e Doutor em Direito Constitucional Comparado pela Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, Adilson Moreira.
Pensando melhor, chama o Dr. Adilson para teu programa, e também o “humorista” racista Léo Lins e talvez vocês aprendam que fazer piada sobre o sofrimento de grupos étnicos e os sofrimentos que vivenciaram, seja negros, judeus, lgbtqia+, etc… é crime e como tal deve ser tratado e fez muito bem o Tribunal de Justiça de São Paulo em ordenar a retirada do vídeo efetuado pelo “idiota racista” do leo lins. Desculpa, errei, é que sou um professor em “desconstrução” e as vezes erro no português, idiota racista seria a mesma coisa que subir para cima e ou descer para baixo, isso porque todo racista é um idiota! Mas um idiota que fere as pessoas.
Dr. Adilson certamente vai ensinar vocês que: “piadas racistas são um tipo de mensagem, e como tal elas transmitem uma pluralidade de sentidos. Uma pessoa branca que procura degradar negros por meio do humor racista está dizendo que eles são inferiores, mas também está afirmando que brancos são necessariamente superiores a eles”1.
Minha história é milenar e não cabe no pouco tempo que tem seu programa, nem mesmo no tempo que levará sua desconstrução, mas continuarei assistindo seu programa, pois agora ele será para mim como o “vale a pena ver de novo”, ou seja, eu já sei a respostas para sua pergunta, “Que história é essa Porchat?” e a resposta eu peço emprestada para o mestre em direitos humanos pela Central European University em Budapeste, Thiago Amparo, que disse: “Podemos fingir, Porchat e Lins, que por estas bandas não existe limite para a expressão. Desculpe informá-los, mas decidimos enquanto sociedade que este não é o caso. A muito custo colocamos na lei que não há o direito de nos ridicularizar. Discordam? Leiam “Racismo Recreativo, de Adilson Moreira.
E finalizo utilizando as palavras que aprendi com a escritora estadunidense Maya Angelou, de quem sou fã, ou seja: “Você pode me disparar com suas palavras, pode me cortar com seus olhos, pode me matar com seu ódio, mas, ainda assim, como o ar, eu me levantarei”.
1 Moreira, Adilson in “Racismo Recreativo”, pg. 85;
“Se a piada não incitou o ódio e a violência, ela é só uma piada.”
Fábio Porchat
Waldson de Almeida Dias é servidor público municipal em Foz do Iguaçu.
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Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.
E acrescento, em tempo, Leo Lins estará em Foz do Iguaçu fazendo show com as mesmas piadas uma vez que no despacho da juíza ele não foi proibido de fazer show e sim de “deixar a capital paulista sem autorização da justiça e ordenou ainda que ele compareça mensalmente em juízo para justificar todas as suas atividades”;
Fico triste em saber que um hotel chamado Interludío, em uma rua chamada Cosmoética abrigará um show deste tipo
Perfeito ???
Estamos cansados de justificativa, é mais fácil dizer que está em desconstrução do que assumir o que é de verdade com medo da punição.
Meu amigo/irmão sua crônica me traz , a certeza que uma coisa é falar em desconstrução, outra e viver então não a expectativa desta virada acontecer é ainda a passos lentos, já passou da hora , e de falas qualquer um tem , seguimos pois nós sabemos o que é desconstrução na alma , e eles só com o que querem enxergar , mas seguimos , UBUNTU.
Maravilhosa crônica! Emocionante ? Tenho vergonha de algumas pessoas, inclusive familiares, que são racista e preconceituosos, por outro lado tenho familiares e amigos que são luz neste mundo de evolução aqui nessa 3a dimensão.
Todos tem direitos iguais seja branco ou preto eu sou contra o racismo e denuncio se eu ver !!!
Que texto excepcionalmente perfeito!! Precisamos combater duramente todo e qualquer tipo de manifestação racista e seus ensinamentos e reflexões subsidiam nossa fala, nosso posicionamento e servem de combustível saudável para continuarmos lutando o bom combate!
Perfeita a colocação do autor: racismo é crime e nâo pode ser tolerado jamais! Somos fruto de miscigenação e é isso o que nos torna tão ricos e únicos.
Ótimo irmão.
MARAVILHOSA crônica, como sempre cirúrgico num texto esclarecedor e potente! Me orgulha muito tua trajetória como escritor, tens o dom de relacionar o cotidiano com o pensamento grandes mestres!
Nesta crônica colocas no devido lugar alguém que deveria rir de si mesmo , com sua fala racista! E isso, todos nós que temos lugar de fala não os deixaremos confortáveis, racistas não passarão!
Perfeita!! Hoje virou moda o racists se justificar dizendo que está se adaptando, que é um racista em desconstrução. Parabéns pela crônica!
Como sempre cirúrgico nas palavras, desconhecia o caso, Além de uma excelente leitura, me permitiu obter conhecimento e enxergar os dois lados. Temos mesmo que combater qualquer tipo de preconceito.
Forte abraço
Parabéns pelo texto, é preciso que mais e mais pessoas se manifestem, pois temos um longo caminho pela frente. Desconstruir o racismo é uma tarefa de todas as pessoas que respeitam a dignidade humana.
Perfeito, falou tudo., excelente.
É preciso deixar o show do Léo Lins as moscas!!!