O melhor lugar do mundo…!

Leia a opinião do servidor público municipal, Waldson de Almeida Dias, sobre o melhor lugar do mundo,

Para: Mayra Aguiar, Marcelo Courrege e Rochele Nunes

O ESCRITOR francês, Victor Hugo, cunhou uma frase antológica, onde disse: “Há momentos nos quais, seja qual for a posição do corpo, a alma já está de joelhos”. Durante muito tempo, não somente concordei com essa frase, como defendi seu uso em situações de vivências sublimes em que o inexplicado e ou a magia acontecia.

Quem sou eu para ousar refutar o grande poeta e escritor francês, Victor Hugo? Ainda mais em pleno momento de olimpíadas em solo de sua pátria? Talvez, diria ele, em um ótimo francês: “Français, pour nous, ah quel outrage” e eu responderia em um português carregado na ancestralidade do Pretoguês, que não se trata em momento algum de ultraje e, sim, totalmente de uma constatação diante da máxima emoção que um ser humano pode sentir ao perceber que sua alma, ou saiu do corpo ou está estendida no chão, sem a mínima condição de reação.

Então, com a devida vênia do escritor e cavaleiro da Legião de Honra francesa, ouso dizer, que há momentos nos quais, seja qual for a posição do corpo, tudo que corpo e alma necessitam é tão somente o refúgio de um abraço. E no exato momento deste abraço, as almas alcançam o olimpo, o lugar mítico onde residem os deuses que são capazes de entender a magnitude do momento.

Mas, o que é um abraço? Para os especialistas é a forma simplificada de o corpo humano liberar o hormônio do amor e da felicidade, ou simplesmente liberar oxitocina.

 Durante o transcurso das olímpiadas de Paris, percebi a importância, o valor e as várias maneiras de liberação de oxitocina, ou melhor, de se estar no melhor lugar do mundo, dentro de um abraço!

 A olimpíada é o encontro dos melhores atletas que habitam o planeta terra, isso segundo as normas desportivas e, concentram os olhares de uma grande parcela da humanidade. A outra parte da humanidade tenta sobreviver as mudanças climáticas, ao frio, ao calor em excesso, às inundações que a tudo aniquilam, a fome, a sede, as bombas lançadas por seres que se dizem humanos e que sempre atingem ao alvo, medalhas de ouro no quesito morte, podium em assassinatos de crianças, coroa de louros em destruição.

Enquanto nosso planetinha azul contínua a flutuar no espaço, os melhores atletas do mundo disputam a eterna glória olímpica que é representada pela conquista de uma medalha de bronze, de prata ou de ouro. A eles o aplauso, a glória e o reconhecimento de seus conterrâneos e a permissão dos deuses do olimpo de terem seus nomes eternizados na história.

Aos que não conseguem receber a glória de portar uma das medalhas ao pescoço, a insignificância de seus nomes serem esquecidos, no minuto seguinte ao que se chama derrota. Assim, prestamos mais atenção nas competições olímpicas que fazem a cidade luz brilhar ainda mais e, nem se quer nos importamos com a escuridão da fumaça que emerge com odor de morte enquanto Gaza agoniza.

Aos vencedores a glória, aos vencidos, em suas cabeças ecoa entre lágrimas uma sensação de derrota eterna, uma condenação digna de Sísifo, sem ao menos serem ensinados, durante a dureza de seus treinamentos, que Pierre de Coubertin, ao fundar os Jogos Olímpicos da era moderna, estabeleceu a máxima que “o importante não é vencer, mas competir com dignidade”.

 A responsabilidade de levar um país sobre seus ombros os fazem esquecer que são os melhores entre os melhores e que somente o fato de estarem em uma olimpíada já pode ser considerada a máxima projeção de um trabalho concluído de maneira magnifica.

E somente quando doeu em mim, foi que percebi que também estava fazendo parte dos que exigiam a vitória em detrimento do ato de competir. A frase de Pierre de Coubertin foi estudada e aprendida pelo repórter da Rede Globo, Marcelo Courrege.

Marcelo Courrege foi um profissional talentosamente humano, quando após a derrota da judoca brasileira, Mayra Aguiar, ao sair desolada do Tatami, antes mesmo de lhe dirigir uma pergunta, Courrege foi capaz de lhe lembrar o quanto sua história era maravilhosa. A energia que dirigiu a ela, com palavras de carinho, solidariedade e ao mesmo apoio, relembrando que ela tinha uma história a ser comemorada e respeitada, levou a judoca às lágrimas. A gigante Mayra, então, lhe solicitou: “posso te dar um abraço?”.

Solicitar ao repórter da Rede Globo, Marcelo Courrege, um abraço, foi em minha nada modesta opinião, um pedido de socorro para ser levada para o melhor lugar do mundo, aquele lugar onde não existe dor, nem derrota, nem cobrança, nem passado, presente ou futuro e sim tão somente amor e felicidade.

Mayra Aguiar naquele momento ganhou a medalha de ouro em humanidade e a compartiu com Marcelo Courrege. Dois seres humanos gigantes em um momento que Victor Hugo, cujo restos mortais estão enterrados no Panteão de Paris em pleno Quartie Latin, deve ter se postado de joelhos e admitido que eu tenho a razão, ou seja, a alma de ambos, naquele momento atingia através do hormônio do amor e da felicidade o verdadeiro olimpo, onde os Deuses habitam e tão somente os deuses podem entender a magnitude de tal ato e a beleza de serem humanos.

“Onde, afinal, é o melhor lugar do mundo? Meu palpite: dentro de um abraço!”.

                         (Martha Medeiros)

O gigante Marcelo Courrege me emocionou, pois tive o prazer de conhecer a judoca Mayra Aguiar e quem me apresentou a ela é a segunda protagonista deste momento único em que o orixá Iroko entra em ação e faz o seu papel de interligar o passado e o presente. Iroko é o orixá nas religiões de matriz africana que personifica o tempo. Ele é o senhor do tempo e da sabedoria. É majestoso e protetor, tal qual uma árvore frondosa.

Na sexta-feira, dia 02 de agosto a menina que carreguei no colo, a sobrinha, a afilhada querida, a Chelinha que vi nascer na Princesa do Sul, na doce Pelotas. Que vi crescer e se tornar uma das melhores e mais premiadas judocas do mundo, entrou no “shiai-jô”, ou simplesmente no “Tatami” olímpico para defender as cores de Portugal, uma vez que ela se naturalizou portuguesa.

Chelinha, somente eu posso chamar ela assim! Rochele Nunes, a minha Chelinha, ganhou a primeira luta, mas perdeu a segunda. E ao perder a segunda luta e ser eliminada das Olímpiadas, à morte do irmão de sete anos no final de 2023, o alagamento da casa de sua mãe na enchente do Rio Grande do Sul e a perda de tudo que havia dentro, trouxeram para o momento presente a energia que a levou às lágrimas.

Recém-saída do Tatami, com às lágrimas a rolarem pela face, eis que na zona mista, local onde os repórteres se posicionam para entrevistas, eis que se fazia presente novamente o Orixá do tempo: Marcelo Courrege quase não teve tempo de perguntar, Rochele dividiu sua dor com ele e o mundo. Não lhe pediu um abraço, pois sua madrinha de casamento, Mayra Aguiar, já o tinha feito no dia anterior.

Rochele simplesmente, entre lágrimas, o abraçou! Courrege, que já tinha toda minha admiração, naquele momento passou a fazer parte de nossa família! E ela, a Chelinha estava no melhor lugar do mundo naquele momento para se sentir protegida, dentro de um braço!

Iroko, o senhor do tempo e da sabedoria, me transportou ao passado para relembrar o abraço de felicidade entre Mayra e Rochele, no dia do casamento de Rochele em Porto Alegre, no ano de 2018. E em um átimo de segundo, Iroko me trouxe de retorno ao presente do momento, dez mil quilômetros de distância para observar através da tela fria da televisão, o quanto a energia daqueles segundos de abraço que Rochele deu em Marcelo, lhe trouxe energias para desabafar a dor que trazia consigo.

Rochele, Marcelo e Mayra, são medalhas de ouro em humanidade, em sentimentos, em elevar até a enésima potência a missão de serem chamados de seres humanos e se tornarem humanos, de sentirem a dor do outro, de acolherem e se deixarem acolher. Se deixarem ser acolhidas! O poeta, Sérgio Vaz, em seu livro “Flores de Alvenaria”, escreveu que: “Tem abraço que enxuga lágrimas”. O abraço de Marcelo Courrege se não enxugou às  lágrimas de Mayra e Rochele, pelo menos abriu seu mundo para que elas tivessem onde, mesmo que por infinitos segundos, se sentirem no melhor lugar do mundo.

Elas seguiram seus caminhos, distintos, porém interligados pela passagem dentro de um mesmo abraço! Eu, bem ou mal, diante de tanta emoção, me senti necessitado de um abraço. Entre o dar e o receber, não importava o que aconteceria primeiro, apenas também queria sentir o que provocaria em mim e nas pessoas um abraço logo pela manhã.

Então, resolvi produzir uma experiência. Uma experiência do abraço. Ainda com as palavras da Rochele ecoando em minha cabeça e às lágrimas dela em meu rosto e sua dor em meu corpo, tudo faria para poder trocar de lugar com Marcelo Courrege, assim tal qual sei que seu pai, sua mãe e seus irmãos, também trocariam de lugar para lhe proporcionar grandes doses de oxitocina e a embalar no colo, como quando ainda era bebê.

Diante disso, resolvi solicitar um abraço à algumas pessoas que encontrasse em meu trabalho, no lazer, durante o dia. Quantos teriam a grandeza e a sensibilidade de Marcelo Courrege? Respirei fundo, enxuguei às lágrimas e sai de casa em busca de abraços que pudessem ressignificar o que havia visto e sentido. Eu também queria um  abraço.

 As reações que se seguiram a cada solicitação, foram das mais variadas. Certamente poderia escrever uma crônica para cada reação, talvez ainda o faça, mas percebi algo comum para os homens e mulheres que solicitei um abraço: a reação de espanto no olhar!

Ao efetuar o pedido, recebia antes do sim ou do não, acreditem existiu o não, eu recebia um olhar de espanto, de surpresa, de estupefação, de assombro etc. Passado os segundos iniciais advindos da estranheza do pedido, as bocas se abriam e as perguntas, com raríssimas exceções, ecoavam: – estás doente? Estás carente? Estás com algum problema sério? O que aconteceu? Posso te ajudar em alguma coisa?

Primeiro vinham às perguntas. Ante minha resposta de negação às perguntas efetuadas, acontecia o abraço! Um abraço em sua maioria tímido, desconfiado, não entregando tudo, rápido etc.

Por que antes de abraçarmos ou sermos abraçados se faz necessário perguntar o que há? Dependendo da enfermidade, da dor, do problema, escolhemos a intensidade de energia colocada no abraço a ser efetuado? Dosamos o fornecimento de oxitocina a quem necessita, de acordo com a resposta que será nos apresentada? Perguntas e mais perguntas que ainda desconheço as respostas.

No meu ambiente de trabalho há uma colega, professora de flamenco, Ana é seu nome, que muito antes dessa experiência que me propus a fazer, já chamava a atenção pela potência de seu abraço logo cedo quando chega para trabalhar. Ana não economiza nos seus abraços e todos os amigos “tops” são felizes ao receber seu abraço. Tentei caracterizar o abraço da Ana para com todos e achei a definição nas palavras do escritor Fabrício Carpinejar, que disse: “Abraço tem que ter pegada, jeito, curva. Aperto suave, que pode virar colo. Alento tenso, que pode virar despedida. Abraço é confissão. Abraço não pode ser rápido, senão é empurrão. Requer cruzamento dos braços e uma demora do rosto no linho. Abraço é para atravessar o nosso corpo”. Ana, a maestra, possui um abraço Carpinejar. Um abraço ideal.

No caminho encontrei pessoas portadoras de “Afefobia”, ou seja, aquelas que negaram o abraço, nada a declarar sobre elas, a não ser que “Afefobia”, (“Afe” advém do Grego ‘afeto’ e “fobia” do grego φόβος “medo”), medo de afeto, tem tratamento e cura.

Essa crônica visa exaltar as pessoas que se abraçaram ao comemorar as vitórias nas diversas competições olímpicas, abraços de felicidade. As que se abraçaram e deixaram o pranto rolar devido ao que chamamos de derrota e receberam o apoio de gigantes que estavam ao lado no momento certo ou simplesmente, no lugar certo, na hora certa.

Essa crônica é uma homenagem a sensibilidade de um jornalista, que mesmo no desempenho de seu trabalho, soube deixar falar a voz do coração e da sensibilidade. Uma homenagem as meninas mulheres, Mayra e Rochele, meninas mulheres gigantes entre as gigantes do olimpo, entre as atletas olímpicas que se mostraram sensíveis, frágeis, humanas.

Através de minha escrita, de minhas palavras, em meu íntimo, ainda me sinto ao lado de Mayra e Rochele, milhares de quilômetros de distância, abrindo os braços para emprestar meu abraço e ao mesmo tempo ser abraçado por todas elas, por todos eles, que ao findarem suas competições receberam um abraço de felicidade ou de consolo, um abraço pela conquista, ou um abraço para lembrar que são gigantes entre gigantes. Minha escrita é minha maneira de abraçar a todos e a mim mesmo, e nos momentos de sensibilidade a flor da pele e após ter sentido do que a natureza humana é capaz, repouso meu olhar na poesia de Sérgio Vaz, o poeta, que mesmo distante me abraça com sua poesia e me lembra que: “tem palavras que chegam como um abraço. Tem abraço que não precisa de palavras”.


Waldson de Almeida Dias é servidor público municipal.

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