Waldson de Almeida Dias – OPINIÃO
ERA UMA VEZ! Toda história verdadeira ou não, começa com a frase ‘era uma vez’, ou deveria começar, pois nos remete a prestar atenção no que o narrador vai nos contar. Infelizmente desta vez não se trata de conto de fadas, muito menos de donzelas presas em castelos. As donzelas dessa história, ou destas histórias em sua maioria são vítimas de homens ou projeto de homens medíocres.
Pois antes vou lhes contar uma história verdadeira e com final, digamos feliz e desejado por todos os envolvidos:
“Era uma vez, um jovem estudante de engenharia, não tão jovem assim, já tinha uma certa idade e responsabilidade familiar. Recém aprovado no vestibular e ávido para ingressar em uma universidade particular. Em seu primeiro dia de aula não encontrou um comitê de boas-vindas, nem professores alegres, pelo contrário, o que rolava solto pelos corredores e pátios da universidade era o trote que os estudantes antigos estavam pregando nos chamados calouros, uma prática já advinda de muito tempo, cujo objetivo além de sujar os novatos de tinta, atá-los com cordas uns nos outros e levar a todos em fila indiana pelos corredores e pátios até a frente da universidade onde um riacho com águas sujas e cheias de detritos os esperava para um banho de “boas-vindas”, o objetivo também era de humilhar e mostrar quem mandava na universidade.
Cenas desumanas aconteciam e ninguém fazia nada, pois o trote fazia parte da mediocridade da universidade e mesmo quem não aprovava, se calava. A universidade tudo permitia, ou melhor, quase tudo, os estudantes medíocres não podiam adentrar as salas de aulas e retirar suas vítimas a força. Eles então ficavam nos corredores, junto a porta das salas de aula, o que aumentava a tensão e o medo de quem lá dentro se encontrava.
Em minha sala de aula, no primeiro dia aula não teve, o professor apenas deu conselhos para não reagirmos, se deixar sujar e ser humilhado que assim logo tudo passava e no final da semana a normalidade voltaria ao campus e no semestre seguinte você poderia se vingar nos novatos. Duas moças choravam dentro da sala. O medo estava estampado nos olhos de todos, ou quase todos, principalmente das mulheres. Sentei-me perto da porta e pelo vidro observava a malta de futuros “profissionais” humilhar quem tivesse a ousadia e ou coragem de sair das salas. Junto a mim, um outro calouro observava, vou chamá-lo de Vadico. Ficamos ambos, lado a lado a observar como agiam por exatos duas horas, até que Vadico decidiu abrir a porta e ir embora, não sem antes convidar a quem quisesse lhe acompanhar ao que prometeu que ninguém nos atacaria. Apenas eu e uma moça saímos junto com o novo amigo!
Toda malta tem um líder, um mito, um bozo, um Valdemort. Vadico já tinha identificado quem era e o estudado bem. Ao sair pela porta levantou os braços e o bozo foi o primeiro a se aproximar, com riso nos lábios, brilho nos olhos e uma minuta de golpe nas mãos. Ao tentar tocar no corpo de Vadico, não esperava que houvesse reação. Vadico segurou seu braço esquerdo, pois havia percebido que ele era canhoto e o dobrou com rapidez e força, o que o fez soltar um grito de dor extremamente alto. Assim que o eco de seu grito sessou no corredor, sua voz se fez ouvir, ‘quem se aproximasse seria o responsável pelo braço do bozo ser quebrado’, o que realmente aconteceu mais tarde. Não sou uma pessoa violenta, pelo contrário, detesto violência, mas nesse dia aplaudi de pé a atitude daquele negro alto, forte e decidido. Posteriormente ele me segredou que o ato foi de caso pensado, pois via nos olhos do bozo o prazer que ele sentia em torturar e humilhar os calouros.
Nenhum de seus seguidores ousou defendê-lo, um aprendizado que tive, os covardes também são muitos e quando não fogem terminam na papuda, onde choram e mãe não vê. Vadico levou o bozo até o valão e o jogou la dentro, não sem antes desfilar com ele pelos corredores e pátios da universidade.
No dia seguinte não havia mais trote e não sei como todos sabiam pronunciar o nome do Vadico e o cumprimentavam com alegria. Não conclui a faculdade de engenharia, mas o tempo que lá fiquei, nunca mais vi ninguém fazendo trote e Vadico era uma figura popular e amigo de todos”.
Fiz questão de contar essa história após ver e ouvir os vídeos que estão na internet de alguns “estudantes” de medicina que pertencem há algumas faculdades particulares que baixam as calças e mostram as partes íntimas para atletas de um time feminino de vôlei. Não contente com essa cena grotesca, passam a simular uma masturbação coletiva. A mensalidade que pagam para cursar medicina não é nada barata e talvez por terem o dinheiro para pagar, em sua maioria playboys filhos de papais ricos e acostumados a tratar mal quem quer que seja e se acharem acima do bem e do mal, fazem o que querem e nada temem. Alunos medíocres que vão se transformar em médicos medíocres e a diferença entre eles e os advogados dos réus do oito de janeiro é que a mediocridade destes certamente levará seus pacientes a morte.
A cena revoltou a todos que a viram e viralizou no Brasil inteiro. O Ministério da Educação cobrou a faculdade que por sua vez expulsou alguns alunos, mas tem muitos mais para serem expulsos e outras providências devem ser efetuadas para que não mais aconteçam fatos tal qual estes.
Além de serem expulsos tem que ser criminalizados e a polícia civil apura os crimes de ato obsceno e de importunação sexual. Após os vídeos virem a público outros mais começaram a surgir mostrando os bastidores dos jogos em que participam os “atletas” pseudo estudantes de medicina. Os vídeos mostram que estes comportamentos são mais comuns do que imagina nossa vã filosofia.
Se trata de jogos estudantis do curso de medicina, mas a raiz do problema, sua fonte primeira está na cultura do trote, na cultura que o recém-chegado a faculdade, a universidade, tem que ser exposto perante a sociedade estudantil de maneira vexatória.
Trote, segundo o dicionário “é uma atitude, uma manifestação ou tentativa de ridicularização; troça, zombaria”. Trote é uma violência!
A violência dos trotes vai do uso de urina e fezes nos calouros até mesmo terem que ingerir bebidas que antes escorrem pelas partes íntimas dos colegas, homens e mulheres. O trote ainda existe e ele não se limita somente a faculdades de medicina. O trote além de ser uma violência e algumas vezes na história já foi mortal, trata-se de uma mediocridade!
Um ginecologista na cidade de Maringá no Paraná, ficou nacionalmente conhecido após ser descoberto que ele abusava sexualmente de suas pacientes, 42 mulheres efetuaram a denúncia. Ok, vão me dizer que uma coisa não tem haver com a outra. Será? Pergunto eu, pois se na faculdade já não existe o respeito, quando formado o que pode pensar uma mente que acha normal efetuar o trote e ou até ser vítima do mesmo? Perguntas que eu faço, mas não sei a resposta. O que sei é que este tipo de conduta tem que ser denunciada e criminalizada.
Não estou aqui para generalizar e dizer que todos os formandos são vítimas de trotes e ou algozes de trotes degradantes e abusivos. Tenho em minha família profissionais de saúde, meninas, mulheres que se empenham em querer fazer a diferença, uma médica que procura fazer a diferença salvando vidas e o fez com maestria durante a fase aguda da pandemia. A outra, uma futura técnica em enfermagem que se divide entre o trabalho, a família e o estudo onde dedica toda sua energia, entusiasmo, amor e profissionalismo para fazer a diferença na vida das pessoas que futuramente atenderá com responsabilidade. Tenho orgulho de ambas, pois sei que estão muito além da mediocridade dos chamados “profissionais” que assolam o Brasil. Estas Profissionais não nasceram em berço de ouro e sabem muito bem o valor que é poder estudar em uma instituição pública e o quanto devem valorizar o tempo e o que é gasto para que possam salvar vidas.
O mundo que vivemos está constantemente em transformações, uma para melhores, outras nem tanto, mas o certo é que atitudes e cenas selvagens, medíocres como as de trotes universitários tem que acabar. Atos tal qual foram vistos em rede nacional por todo um país não pode mais ocorrer, para o bem dos próprios alunos, cuja função é empregar seus cérebros em prol de aprenderem a salvar vidas e serem aplaudidos por isso.
“Só a ignorância aceita e a indiferença tolera o reinado da mediocridade.” (José de Alencar)
Cabe ao Ministério da Educação ficar atento e promover nestas e demais instituições brasileiras um estudo que venha de encontro a mostrar o Brasil que estes alunos não conhecem. Um Brasil que fica horas na fila de uma unidade básica esperando atendimento, um Brasil cujo um exame leve meses para ser feito e quando o paciente é chamado, o mesmo já morreu. Um Brasil que carece de médicos que estudem para melhorar a saúde da população.
Cabe ao Ministério da Educação criar uma força tarefa para abrir a mente destes jovens para que Brasil eles precisam aprender. Pode-se começar abrindo a cabeça deles com machado, eu particularmente recomendo o Machado de Assis, que disse: “Em nosso país a vulgaridade é um título, a mediocridade um brasão”.
E em tempos de Antoine de Saint-Exupéry, afirmo que penso tal qual ele, quando diz que: “combaterei todo aquele que, pretendendo que a minha caridade honre a mediocridade, renegue o homem e, assim, aprisione o indivíduo numa mediocridade definitiva.
Waldson de Almeida Dias é servidor público municipal em Foz do Iguaçu.
Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.
Fiquei horrorizado com as matérias, lendo seu texto agora nivelei um pouco o raciocínio.