Amizades sólidas e indignação

Em sua reflexão de fim de ano, Waldson de Almeida Dias é taxativo: humanidade é cultivar as amizades sólidas e a capacidade de nos indignarmos.

“É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade”. (Nise da Silveira)

 Waldson de Almeida Dias – OPINIÃO

E o ano terminou! E o ano novo começou! Apenas um segundo separou um do outro. Uma infinidade de tempo que durou a eternidade de um piscar de olhos! Os desejos de feliz ano novo são proclamados por todos e para todos, até mesmo aquele colega de trabalho chato, que não gostamos, ou aquele outro, o radical de direita ou de esquerda, ou até mesmo os chamados metidos a besta. Isso sem falar dos familiares sem noção, do vizinho que não te cumprimentou o ano inteiro, até mesmo ele recebe nosso feliz ano novo e retribui! Chamo a isso de pacto de mediocridade!

E o pacto de mediocridade se renova a cada novo ano! Nada muda! E daqui há algumas horas já o ano novo deixa de ser novo e se torna rotina e a vida nos absorve, segue seu rumo, o dela, da vida e, nunca o nosso e, eu nem lembro mais o que desejei e para quem desejei. Um novo dia de rotina nasce. Preciso de férias, pois logo já começa tudo novamente e no final do ano nos reencontraremos para reforçar nosso pacto, nossa mediocridade!

Esse ano eu resolvi mudar, “e fazer tudo que eu queria fazer, me libertei daquela vida vulgar, que eu levava estando junto a vocês…”, perdoa Rita, acrescentei um “s” , em sua maravilhosa letra. Mas aqui não se trata no singular e sim plural, “vocês”! Pois é esse senso de não coletividade, que nos faz viver uma vida de aparências, desejando feliz ano novo, enquanto 735 milhões de pessoas passam fome nesse exato momento no mundo, segundo dados do relatório “SOFI” das Nações Unidas e em se tratando de Nações Unidas devemos acreditar, pois ela é ótima em relatórios e péssima na competência para evitar genocídios, tal qual o que ocorre nesse momento na Palestina! Não evita o genocídio Palestino, mas nos apresenta o relatório com os número de mortos! Feliz Ano Novo! Tudo como dantes no quartel de Abrantes! E não sou pessimista, apenas meu otimismo se expressa de outra forma!

“Eu dos livros não me livro!” Essa frase que tenho usado diretamente fica cada vez mais introjetada em mim, principalmente quando leio um livro que, ouso dizer, foi o melhor livro lido no ano de 2023. Um livro que deveria estar na mão de todos que aprenderam a ler e leem e daqueles analfabetos de verdade que aprenderam a ler e não leem, Salve Quintana! Um livro que me fez pensar no que realmente vale a pena ser pensado, sentido e expressado! Um livro que reforçou o meu sentimento em valorizar as amizades verdadeiras e lutar pela dignidade dos seres humanos, mesmo aqueles que já não são mais considerados humanos.

“Retornar ao passado”, retornar as raízes, conhecer o passado e em conhecendo-o, compreender o presente, para assim ressignificar o futuro. – Foto: Marcos Labanca

Tive a oportunidade de conhecer os autores do livro pessoalmente. Duas pessoas singulares em mundo de pessoas iguais e bitoladas. Duas pessoas que trouxeram a sensibilidade da amizade e a força de suas convicções, bem como seus conhecimentos de vida, de mundo e de estudo para nos alertar que ainda é tempo de nos organizarmos como uma sociedade melhor e reinventarmos o futuro que nos é apresentado.

Somente percebi que essa mudança é possível quando “escutei” ele dizer a ela: “Aguardando tuas reflexões sobre essa reinvenção do futuro, desejo a você as duas melhores armas que eu encontrei para atravessar este momento: amizades sólidas e indignação.”.

Ele se chama Jamil Chade e ela Juliana Monteiro, dois excelentes jornalistas, dois excelentes escritores, dois excelentes pensadores e principalmente dois excelentes amigos, portadores de uma sólida amizade!
Eles trocaram cartas durante a pandemia! Sim, trocaram cartas e não e-mail! Isso me fez pensar no “SANKOFÁ”, a filosofia africana que significa “retornar ao passado”, retornar as raízes, conhecer o passado e em conhecendo-o, compreender o presente, para assim ressignificar o futuro.

Jamil e Juliana, escreveram o livro “Ao Brasil, com amor”! Na minha já conhecida por todos, nada modesta opinião, ao dedicarem ao Brasil foram econômicos, pois trata-se de um livro dedicado a humanidade, com amor! E quando me refiro a humanidade, me refiro a todos que ainda podem ser considerados seres humanos, que não se robotizaram, que não se renderam ao capitalismo, aos extremismos e ainda conseguem ver que as amizades sólidas e a capacidade de nos indignarmos é que nos diferencia dos animais denominados não humanos.

O livro me trouxe a esperança de seguir lutando por um mundo melhor, por uma vida melhor e por ter pessoas ao meu lado que eu possa agradecer a companhia durante a caminhada. Pessoas que sejam realmente portadoras de uma amizade sólida e parceiras na luta. Pessoas que um simples encontro de nossos olhares já seja o bastante para permutarmos a energia que nos trará a certeza de que estamos no caminho certo, enfrentando a luta certa.

Eu sou uma pessoa cética! Não acredito em nada que não possa ver, tocar, comprovar. Mas, tenho um sentimento profundo por tudo que é belo e que faz minha pele arrepiar de emoção. E quando falo em belo me refiro a beleza da vida e do existir e o quanto sou feliz quando o motorista do ônibus circular que me leva ao trabalho, me sorri, tira uma onda porque meu time perdeu o jogo na noite passada e antes de engatar a primeira marcha e seguir, ainda tem tempo de me desejar um ótimo dia.

As amizades sólidas têm feito toda a diferença no meu dia a dia! Em 2023 pude comprovar o quanto ter amigos leais, que comungam na mesma direção de pensamento, de sentimento e entregam a mesma energia capaz de elevar o nível de muita gente para melhor, fazem toda a diferença no ambiente de trabalho, no ambiente familiar e até mesmo na distância próxima que mantemos pela internet.

Por isso e devido a isso é que desejo a você que neste momento me empresta seu tempo e a honra de estar me lendo, que seu novo ano comece quando você queira que ele comece, neste momento por exemplo! Que você tenha amizades sólidas e que estas amizades saibam o que você sente por elas e o quanto elas te são importantes.

Te desejo também neste seu novo ano: INDIGNAÇÃO! Que você se indigne com tudo que não está correto. Sua percepção de mundo e de vida vai lhe mostrar o que não está correto no dia a dia; desejo que você saiba dizer não, principalmente as pessoas que lhe fazem mal, as pessoas tóxicas, as pessoas que são fúteis e aquelas que ainda privilegiam o ter em detrimento do ser.

Que seu novo Ano seja um ano de lutas, lutas por causas justas em prol cada vez mais de quem mais precisa e que a cada anoitecer, seu corpo tenha uma cama para repousar, que seu sono seja leve e tranquilo e que sua consciência esteja em paz.

Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”. Eduardo Galeano – Foto: Marcos Labanca.


Que possamos seguir a caminhada juntos, cada um no seu canto fazendo o que deve ser feito em prol de um mundo melhor para todos. Eu disse para todos! Você pode achar que é utopia de minha parte, talvez seja, mas eu procuro seguir os conselhos do grande pensador e uma das grandes amizades sólidas que um leitor pode ter, Eduardo Galeano, que disse: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.

E eu acrescentaria, para que em meu, em nosso caminhar, não deixemos de sonhar com um mundo onde haja qualidade de vida para todos. E ela, Juliana, entre tantas respostas e perguntas que trocou com Jamil, lhe ofereceu uma oração, a mesma que me nesse momento conscientemente me aproprio e divido com você: “Termino te oferecendo essa oração, querido amigo: que você não perca a dimensão da beleza incessante do que podemos ser no mundo. A desesperança é contrarrevolucionária.”

E tal qual aprendi com um grande apresentador e jornalista gaúcho, foi um privilégio ter estado com vocês ao longo deste ano e que venham muitos mais.


Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.

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1 comentário
  1. Fabiano Borghetti Diz

    Maravilha Waldson, “foi um privilégio ter estado com vocês ao longo deste ano e que venham muitos mais”… Abração

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