Caso de corrupção incrível traz inferno a família no Paraguai

E causa um prejuízo histórico e ambiental irreparável para o país vizinho.

E causa um prejuízo histórico e ambiental irreparável para o país vizinho.

A história é tão inacreditável que até parece saída de um filme de terror. Mas é real. Afinal, como lembrou o jornal espanhol El Mundo, ao trazer a notícia sobre o caso, o Paraguai “é um dos países mais corruptos do planeta e com uma sociedade muito débil”.

Do início. Em 1991, o ginecologista espanhol Ángel Sopeña Quesada, famoso em seu país por ser o primeiro a congelar embriões e também a fazer cirurgias para troca de sexo de mulher para homem, veio com a família para o Paraguai.

No município de Luque, a 15 km de Assunção (onde fica o aeroporto Silvio Pettirossi), Sopeña comprou um imóvel de quase 5 hectares, no que era então uma área rural.

Entrada da propriedade de 5 hectares, que numa avaliação foi estimada em US$ 5 milhões (mais de R$ 26 milhões).



A propriedade tinha uma mansão histórica, construída em 1650, que foi residência de verão de Bernardo Luis de Velasco y Huidobro, último governador da província do Paraguai, e foi também a chácara do presidente paraguaio José Patricio Guggiari, entre 1928 e 1932, entre outros donos.

A área abrigava inúmeras espécies de árvores nativas, como cerejeiras, guatambus, pau marfim e ipês. Tinha quatro lagoas naturais e nascentes de rios.

APETITE IMOBILIÁRIO

Enquanto era uma área rural, a família Sopeña viveu tranquila na propriedade. Mas, como estava localizada perto do aeroporto, e com o passar dos anos ganhou a vizinhança de áreas nobres de Assunção, despertou o interesse e a gana de imobiliárias.

Houve ofertas pela propriedade, mas que passavam muito longe do valor de mercado. Estas baixas ofertas representaram só o começo do inferno para a família Sopeña – pai, mãe e três filhos.

Em 2017, alguns homens entraram na casa da família e espancaram Ángel Sopeña. Nada disseram, mas ele afirmou à família que deve ter sido alguém a quem ele negou a venda da propriedade.

A surra rendeu a Ángel Sopeña um mês e meio de hospital. Dois anos depois, já com muito desgosto pelo que acontecia, ele faleceu, deixando a propriedade para os três filhos do seu segundo casamento (no Paraguai; ele tinha outros três filhos do seu primeiro casamento, na Espanha).

A morte do patriarca transformou o que já era um drama em verdadeiro inferno, para a mãe e os dois filhos.

Ángel Sopeña com dois dos três filhos paraguaios, Mariano e Pedro.


PROMISSÓRIAS

A partir dali, oficiais de Justiça apareciam vez por outra na residência, apresentando notas promissórias assinadas pelo falecido Ángel, sempre em valores muito altos – US$ 870 mil, por exemplo (cerca R$ 17 milhões).

No total, foram cinco promissórias de valores astronômicos, supostamente assinadas pelo patriarca, o que levou ao embargo dos bens da família.

Num dos casos, a Justiça foi favorável aos Sopeña, já que três peritos confirmaram que a assinatura do pai era falsificada, mas na maioria a decisão era desfavorável.

Uma das promissórias, no valor de US$ 860 mil, foi apresentada à Justiça por Alberto Mendoza Cuevas, assessor jurídico da empresa estatal Petropar.

Uma outra, de 3 bilhões de guaranis (mais de R$ 2,2 milhões), foi apresentado por Denise Gimenéz, dirigente estudantil do curso de Direito da Universidade Nacional de Assunção.

DENGUE E PRISÃO

A par deste problema, surgiam outros. A Prefeitura de Luque interveio na propriedade, com a desculpa de que estava fiscalizando a falta de cuidados com a dengue, e aplicou uma multa de 600 milhões de guaranis (R$ 480 mil).

Outro setor da Prefeitura, a Diretoria de Assuntos Jurídicos, apresentou uma denúncia penal contra Pedro Sapeña, que era menor de idade e paciente psiquiátrico, acusado de processamento ilícito de dejetos. Decretada sua prisão preventiva, foi levado à penitenciária de Tacumbú, uma das piores instituições penais do mundo.

INFERNO AO QUADRADO

A mansão foi destruída, logo após o despejo da família.
Mariano Sopeña, frente aos destroços do que foi a casa de sua família.


O ápice do horror ocorreu no início de dezembro do ano passado. O oficial de Justiça Jorge Alberto Thompson Zarza, do Juizado de Paz da Catedral, de Assunção, chegou à casa da família com uma ordem judicial de despejo.

Acompanhado do diretor de Assuntos Jurídicos da Polícia Nacional, de cinco policiais e de 15 oficiais de segurança privada, ele mandou a família embora da casa.

No dia seguinte, a mansão histórica foi derrubada, cortaram árvores, destruíram as quatro lagoas naturais e preencheram com cimento, matando as nascentes.

Essa descrição é feita por Mariano Sopeña, em email ao H2FOZ. Ele diz que, depois de toda a destruição, “fumigaram todo o terreno com produtos químicos tão fortes que, quando voltamos para a propriedade, havia pássaros, preás e sapos mortos por toda parte”.

O Patrimônio Histórico do Paraguai e o Ministério do Meio Ambiente até agora não tomaram qualquer providência a respeito da dilapidação de uma mansão sesquicentenária e da devastação provocada no ambiente natural da propriedade.

Mariano Sopeña:

Eu acredito que o sofrimento causado por esses acontecimentos vai muito além do que minha mãe, meu irmão e eu vivemos. Se meu falecido pai, aos 79 anos que deveria ter hoje, tivesse presenciado tudo isso, teria chorado, vendo todo o trabalho de sua vida e o carinho com que ele sempre fez as coisas, destruídos dessa maneira. Acredito que os mais afetados são realmente o Paraguai, sua história que está se apagando sem possibilidade de retorno para as gerações futuras, e o futuro democrático do nosso pais.

MÁFIA DA CORRUPÇÃO

Depois do sofrimento e da humilhação sofrida pela família Sopeña, os promotores Sandra Ledesma, Sophía Galeano e Augusto Ledesma Blasser começaram a atuar para apurar toda a história.

E a conclusão foi simples, ou melhor, estarrecedora: advogados, corretores imobiliários, funcionários da Justiça e da Prefeitura de Luque, além de outras instituições do Estado, atuaram para tirar a propriedade da família, com base em documentos falsos, desde as promissórias até a assinatura da juíza que determinava o despejo da família.

O despejo ocorreu em dezembro, com base em decisão da juíza Fátima María Luisa Vera de López, assinada em 23 de abril de 2021. Ela morreu em 27 de maio, sete meses antes da execução de sua ordem judicial – suspeita de ser falsificada.

A ordem de despejo também conta com a assinatura da atuária Mouriel Vera.

Antes disso, em 20 de outubro, Jorge Thompson comunicou sobre a ordem de despejo ao comando da Polícia Nacional.

A ação dos promotores levou a um processo contra o oficial de Justiça, que agora vai responder a um juízo oral pelo uso de documentos falsificados.

MAIS ENVOLVIDOS

Chamada da matéria do jornal espanhol El Mundo destaca o inferno dos Sopeña, família de um ilustre ginecologista da Esanha.


Depois do despejo, a propriedade passou primeiro para o nome de Ema Nilza Turo, empregada da Justiça Eleitoral. Posteriormente, a casa foi vendida aos acionistas da BGS Development, mediante intermediação do escritório de advocacia Bordon Roux y Serratti Asociados, que anteriormente tinha trabalhado para Mariano Sopeña, no caso das promissórias falsificadas.

A advogada do escritório, Gilda Bordón, atuou em favor de Mariano até 30 de novembro, pouco antes de a família perder a propriedade.

Nas buscas feitas no escritório de Gilda pelos promotores, que suspeitavam de que foi responsável pelo juízo político contra Sopeña no Juizado de Paz da Catedral, de Assunção (que na verdade nunca existiu) , a surpresa é que não havia nenhum computador. Só ficaram os mouses.

Mas encontraram, num das salas do escritório jurídico, talonários de cheques com a informação de que seriam “regalias para o Juizado de Paz da Catedral”. Não foram revelados os montantes.

Segundo Mariano Sopeña contou ao H2FOZ, o escritório de advocacia de Gilda Bordon, Jose Serratti e Vicenzo Serratti “operava uma rede de falsificação de documentos e apropriação de imóveis”, utilizando-se especialmente do Juizado de Paz da Catedral.

A juíza Fátima Vera de Lopez era tia da secretária particular de Gilda Bordón. Como estava muito doente, trabalhava em casa.

Numa busca feita na casa da atuária Mouriel Vera (irmã de Moserrat Vera, secretária de Gilda Bordón e sobrinha da juiza), foi encontrada uma “fábrica de notificações”.

O Juizado de Paz está hoje sob intervenção da Justiça e a atuária está em processo de autuação.

VERDADEIROS AUTORES

A empresa que estaria de fato por trás dessa apropriação da mansão Sopeña, segundo o próprio Mariano, é a BGS Development, que nos últimos dois anos construiu mais de 10 prédios em Assunção, em sociedade com a empresa Civis S.A.

A BGS Development, conforme o site da própria empresa (http://www.bgs.com.py/una-ciudad-densificada-con-mixticidad-de-usos-y-clases-sociales-es-una-ciudad-sana/, tem como sócios representantes da família Bendlin, que hoje é ligada à família de Horacio Cartes, depois do casamento de Patrick Bendlin com a filha do ex-presidente.

Gilda Bordon, José Serratti e Vicenzo Serratti, do escritório de advocacia, têm mandados de prisão pendentes, e Ema Nilza Turo tem mandado de prisão ativo.

Na foto de Instagram, aparecem Jose Serratti e Gilda Bordón, da firma de Direito Bordon Roux y Serratti (Gilda advogou inicialmente para os Sopeña), Francisco ¨Franche¨ Duarte e Kevin Bendlin, da BSG Develpment.

“CASO CONGELADO”

O processo está parado há um mês e meio, de acordo com Mariano Sopeña. “O caso hoje está congelado pelas autoridades.”

A advogada Gilda Bordón, em recurso ao Ministério Público, pediu que os promotores Sandra Ledesma, Sophia Galeano e Augusto Ledesma fossem retirados do caso, mas o pedido foi rejeitado pela procuradora geral Sandra Quiñónez.

No recurso, Gilda diz que a investigação carece de objetividade e questiona a busca feita em seu escritório e em seu domicílio, afirmando que foi sem fundamento.

“Prosseguiremos com a investigação”, disse a promotora Sandra Ledesma, depois da decisão de Sandra Quiñónez.

“Já temos vários elementos relacionados ao caso que estão sendo analisados. Há muita gente envolvida e o pedido da procuradora geral Sandra Quiñónez é ir até o final, caia quem caia, até chegar aos verdadeiros culpados”, completou a promotora.

COMO ESTÁ A FAMÍLIA

Mariano conta que a família recuperou o imóvel, já que “nunca houve processo de despejo judicial lícito”. E claro que sem a mansão, sem as árvores e sem os lagos, destruídos pelos falsos donos.

Segundo ele, depois de receber ameaças da empresa que fez de tudo para ter a posse do imóvel, ele passou a morar num domicílio diferente daquele em que vive sua família.

PIOR MOMENTO

Por fim, Mariano Sopeña analisa que o Paraguai vive seu pior momento em cinco anos, dentro da história “democrática” (as aspas são dele) do país.

A corrupção nunca custou tantas vidas, tanta impossibilidade de fazer negócios, tanta notícia internacional ruim e tanto descontentamento dos cidadãos. Mais do que nunca, vivemos num estado de democracia fantoche, em que os políticos se tornaram clãs diretamente subordinados às máfias, diz Mariano.

Fontes desta matéria: Mariano Sopeña, em emails ao H2FOZ; jornal ABC Color; jornal Última Hora; portal Independiente (PY), jornal Hoy; portal Judiciales.net; portal PDS; e jornal El Mundo, da Espanha.
Há outras fontes, utilizadas para ter mais informações sobre o caso, mas sem uso dos dados apresentados.

DADOS FINAIS: DE OLHO NO PARAGUAI

Na quinta-feira, 10, o encarregado de Negócios da Embaixada dos Estados Unidos visitou, de surpresa, o Palácio do Governo paraguaio, em Assunção.

Isso aconteceu logo depois do anúncio do presidente americano Joe Biden de que o combate à lavagem de dinheiro e à corrupção serão considerados assuntos de segurança nacional, o que significará apoio em recursos para as agências federais tanto em território americano como nos países da região, informa o jornal Última Hora.

Corrupção e lavagem de dinheiro passarão a ser considerados crimes em matéria legal que afetam a democracia, geralmente vinculados ao terrorismo e ao narcotráfico, no entender do governo americano.

As autoridades americanas sustentam que as pessoas vinculadas à lavagem de dinheiro costumam utilizar o esquema em empreendimentos imobiliários e empresas fantasmas.

Serão considerados responsáveis, legalmente, todos os bancos e empresas que facilitem a lavatgem de dinheiro.

O presidente Mario Abdo Benítez conversou durante duas horas com o encarregado de Negócios americano sobre as ações que seu governo vem realizando em relação a esses temas, de acordo com o Ultima Hora.

O jornal lembrou que a visita se dá nos momentos em que a Procuradoria inicia uma investigação contra o ex-presidente Horacio Cartes, depois da denúncia do ministro Arnaldo Giuzzio sobre um esquema que envolveria contrabando e lavagem de dinheiro.

O texto abaixo, em PDF, traz o texto completo publicado na Seção Crônica do jornal El Mundo. Aqui, você vai conhecer um resumo da história do ginecologista Ángel Sopeña e do drama vivido pela família, conforme o relato de seu filho Mariano.


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