Eles estão no condomínio “El Paraíso Verde”, refúgio das “tendências socialistas” e “implementações degenerativas”.
O condomínio fechado “El Paraíso Verde”, localizado perto de Caazapá, a 200 km da capital paraguaia, Assunção, existe desde 2016. Mas começou a atrair estrangeiros a partir da primavera de 2020 – a maioria veio da Alemanha, Áustria e Suíça, assim como dos Países Baixos, Bélgica e França.
Moradores dos Estados Unidos, do Canadá e do próprio Paraguai estão solicitando informações para a compra de terrenos. A informação consta do site do “Paraíso Verde”, que se autodenomina “de longe o maior projeto de urbanização e assentamento da América do Sul”.
Umna informação à parte chamou a atenção da imprensa internacional da Europa e das Américas. O site diz que ali é um refúgio das “tendências socialistas, assim como da propagação global de implementações degenerativas como o 5G, os chemtrails, a água fluoretada, as vacinas obrigatórias e as determinações de atenção médica”.
Obs: chemtrails, abreviação do inglês chemical trail (trilha química), é uma teoria da conspiração segundo a qual os rastros deixados por alguns aviões são na verdade agentes químicos ou biológicos, que poderiam provocar escurecimento global, controle populacional, controle do tempo ou guerra biológica (a critério de quem acredita).
PANDEMIA
O condomínio tem 1.600 hectares e hoje conta com 300 moradores, mas com expectativa de aumento para 3 mil.
A imigração para a colônia aumentou desde o início da pandemia de Covid-19, com moradores entrevistados em seu canal no YouTube atribuindo sua mudança ao ceticismo sobre o vírus e as vacinas, noticiou, em longa reportagem, o jornal britânico The Guardian, acrescentando que outras regiões do Paraguai também estão recebendo imigrantes antivacina.
Um alemão ouvido pelo jornal disse que “muitos idosos estão vindo. Eles entendem que muitas pessoas estão morrendo em asilos [após a vacinação]”. “E os outros, na casa dos 40 anos, estão tentando trazer seus filhos para cá para escapar.”
Pelo Youtube, El Paraíso Verde compartilha vídeos sobre a pandemia, que já matou cerca de 5,5 milhões de pessoas, como lembra The Guardian, como “inexistente”. E promove “falsas e perigosas ‘curas milagrosas’ da covid e anuncia o Paraguai como um país sem restrições pandêmicas – apesar dos protocolos de saúde deixarem clara a decisão do governo”.
PARAGUAI E BULGÁRIA
O jornal ABC Color citou vários meios internacionais que divulgaram matérias sobre o condomínio, como o EU Observer, da Bélgica, e O Insider, dos Estados Unidos. Mas uma busca mostra que houve ainda mais interesse no tema, com publicações no espanhol El Mundo, no Primera Edición, da Argentina, e no GlobalNews, do Canadá, entre outros.
EU Observer, destaca o ABC Color, lembrou que El Paraíso Verde não é a primeira comunidade deste tipo a ser procurada durante a pandemia de covid-19. Cerca de 2.500 alemães e austríacos criaram uma comunidade na costa búlgara do Mar Negro, reunindo uma “mescla de teóricos da conspiração antigovernamental”.
Já o Insider destacou que um dos fundadores da comunidade, Dr. Erwin Annau, fez comentários preconceituosos contra os muçulmanos. “Vemos o Alcorão como uma ideologia de dominação política, que não é compatível com os valores democráticos e cristão”, disse Annau.
Ele fundou o condomínio junto com sua mulher, Sylvia, por meio da empresa Reljuv Sociedad Anónima, registrada no Paraguai, que no Instagram usa hashtags como “#organicfood” (comida orgânica), “#naturalmedicine” (medicina natural), “#no5G” (contra o 5G na Internet), “#nomasks” (sem máscaras) e “#nochemtrails” (contra rastros químicos).
CONFIRMADO
O ABC Color entrevistou Juan Buker, presidente de Reljuv Sociedad Anónima, empresa responsável pelo Paraíso Verde, que confirmou: “É totalmente certo que no Paraíso Verde vive uma maioria de pessoas que se recusam a ser vacinadas”.
Disse que, ali, “respeitamos a liberdade dos moradores ou dos empregados. Mas não somos uma sociedade antivacinas”.
Juan Bunker é um fanático do movimento colorado HC (do ex-presidente Horacio Cartes) e apoiou vários candidatos a prefeito deste movimento, durante as últimas eleições no Paraguai, informou o ABC Color.
Não por acaso, em setembro deste ano, Horacio Cartes e outros políticos aliados visitaram o Paraíso Verde, promovendo a candidatura de prefeitos da região.
Dois familiares de Cartes fazem parte da direção da empresa Reljuv, de acordo com o britânico The Guardian.
TEMOR
De acordo com The Guardian, a presença de antivacinas preocupa as autoridades de saúde de Caazapá. A médica Nadia Riveros, chefe de saúde pública do municípiio, disse que ao jornal que a pandemia foi devastadora para a região, que não tem leitos de UTI e apenas uma ambulância totalmente equipada.
“Não queremos passar por isso novamente. Acho que o estrangeiro, de onde quer que seja, deveria se vacinar antes de entrar no país”, disse.
E é isso que o Paraguai fez. Enfrentando uma rápida escalada da terceira onda de covid-19, o Ministério da Saúde passou a exigir de estrangeiros não residentes, quando entram no país, que apresentem certificados de vacinação.
Lembra o The Guardian que “pelo menos seis cidadãos alemães sem certificados de vacinação tiveram sua entrada recusada desde que este novo regulamento entrou em vigor”.
APOIO POLÍTICO E FINANCEIRO
No entanto, os estrangeiros que vivem no condomínio estão tranquilos, já que, segundo The Guardian, têm apoio de “um crescente poder político e econômico”.
“Eles têm políticos e dinheiro do lado deles”, disse Gladys Rojas, ex-presidente da Câmara Municipal de Caazapá. Na região, onde existe a maior taxa de pobreza extrema do Paraguai, muita gente se recusa até a fazer perguntas, pois a colônia se tornou o maior empregador da área, de acordo com o jornal britânico.
The Guardian relembra a história conturbada de colônias estrangeiras no Paraguai, como a Nueva Germania, criada por Elizabeth Nietsche, filha do filósofo, e seu marido Bernhard Förster. Era uma colônia “intocada pela influência judaica”, segundo a concepção. A colônia desapareceu por problemas financeiros e conflitos internos. Bernhard se Suicidou.
ANTI-MUÇULMANOS
Em um discurso de 2017 proferido ante perante membros do governo paraguaio, o fundador de Paraíso Verde disse: “O Islã não faz parte da Alemanha. Somos cristãos iluminados e nos preocupamos com nossas filhas. Vemos o Alcorão como [contendo] uma ideologia de dominação política, que não é compatível com os valores democráticos e cristãos”.
Mas, destaca The Guardian, o próprio Paraguai tem uma pequena, mas bem estabelecida comunidade muçulmana em várias grandes cidades. Abdun Nur Baten, missionário da Comunidade Muçulmana Ahmadiyya do Paraguai, assinalou a aparente contradição nos comentários de Annau.
“Dizem que os imigrantes muçulmanos não se integram, que não adotam a cultura alemã ou as normas alemãs, que não estão assimilando. Portanto, é muito hipócrita ir para outra terra e fazer exatamente o que você está acusando os muçulmanos de fazer: é engraçado e é hipócrita”, disse Nur Baten. Ele disse que sua comunidade gostaria de um diálogo pacífico com Paraíso Verde.
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