UNILA: entre a resistência e a resignação

Danielle Araújo e Renato Martins, falam sobre a UNILA.

Por Danielle Araújo e Renato Martins – OPINIÃO

A essa altura do debate, depois de dois encontros com a reitoria – um seminário de autoridades brasileiras e um fórum com a comunidade acadêmica -, está claro que a discussão sobre a binacionalização da UNILA requer uma mudança de rumos.


A atual direção nem bem completou um ano de mandato e enfrenta um desgaste progressivo, tendendo para o isolamento, em razão dessa discussão. E tudo isso por conta de uma ideia que nem constava do seu programa de gestão. Ao que parece, a reitoria está se sacrificando por uma agenda alheia.

Não é preciso bola de cristal para constatar que todos os sinais apontam para uma tempestade perfeita. A já deflagrada greve nacional dos técnicos administrativos, combinada com uma eventual paralisação dos docentes, são ingredientes que deveriam ser bem avaliados pela reitoria ao decidir levar adiante o processo de binacionalização. Na nossa opinião, passou da hora de fazer um freio de arrumação.


Com efeito, a comunidade acadêmica permanece desinformada sobre questões básicas acerca desse instituto binacional:


a) por que o instituto deixará de fora os demais países do Mercosul? Também temos fronteiras com a Argentina, a Bolívia e o Uruguai, países membros do Mercosul; por que eles não fariam parte do instituto desde o início?


b) qual é a relação do instituto com a Itaipu, lembrando que o doutor Ênio Verri foi quem lançou a ideia de transformar a UNILA na “primeira universidade binacional do mundo”? a seleção dos futuros estudantes e professores passará pela Itaipu?


c) quem irá financiar o novo instituto? será a União, com um orçamento público sujeito a periódicos contingenciamentos dos recursos destinados à educação e saúde? ou será a própria Itaipu, com recursos oriundos da amortização da dívida contraída para a construção da hidrelétrica, em prejuízo dos consumidores brasileiros e paraguaios?


d) seria a criação do instituto a contrapartida do lado brasileiro ao lado paraguaio pela promessa de conclusão das obras do campus Oscar Niemeyer? o princípio de espelhamento da empresa binacional se estenderá a partir de agora à UNILA?


e) a prevalecer tal princípio, isso não implicaria atrelar para sempre o futuro da Universidade à gestão de uma empresa pública, cuja direção muda a cada governo de turno? é isso que se deseja para o instituto? e para a UNILA?

Como se vê, há muitas perguntas que não foram respondidas. Tais questionamentos, assim como outros que já foram levantados nos dois encontros passados, deveriam ser esclarecidos de saída, antes de prosseguirmos o dito “estudo de viabilidade” acerca da criação do instituto binacional.


Imaginávamos que o encontro com as autoridades do MEC, do MRE e da CAPES viria esclarecer algumas dessas dúvidas. Ledo engano: saímos de lá com mais perguntas do que tínhamos ao entrar. E o que é pior: os nossos pedidos de esclarecimentos foram interpretados como “teses inflexíveis contrárias à reitoria” no último encontro. Não é nada disso. Não há motivo para se sentirem acuados pelos pedidos de esclarecimentos. A não ser que todas as cartas não estejam sobre a mesa.


Uma coisa, porém, está bastante clara: a proposta do instituto binacional só empolga os seus idealizadores. Isto está mais do que evidente, e deveria ser considerado. O que se nota em relação ao instituto é a resistência de alguns, a desinformação de outros, e a resignação ou indiferença dos demais. Pena: o  que poderia ser motivo de mobilização e crescimento coletivo, tornou-se fator de desconfiança e desmotivação – salvo para uma pequena torcida disposta a apoiar tudo o que vier da direção.

É inútil não reconhecer o mal-estar que está se instalando na comunidade. Tampar o sol com a peneira e seguir numa espécie de fuga para frente, como se nada estivesse acontecendo, não vai ajudar. E, no entanto, o próximo encontro sobre o instituto binacional já está marcado para acontecer brevemente. Dessa vez em Ciudad del Este, sob o auspício do reitor da UNE.

 
À medida em que as questões básicas não são respondidas, surgem novos elementos duvidosos. Já se disse, por exemplo, que a criação do instituto vem pagar a dívida histórica que o Brasil contraiu com o Paraguai. Não consta que a UNILA tenha essa missão institucional. Não é papel da universidade pública fazer reparações. Na dúvida, releiam a Lei que criou a Universidade.


O que precisa ficar claro de uma vez por todas para nossos colegas é que o que se está discutindo não é o Paraguai, mas a Itaipu e sua participação no instituto binacional. Discutimos a autonomia universitária. Quanto mais estudantes, professores e técnicos administrativos paraguaios tivermos na UNILA, melhor. Convém ser mais cuidadoso com esse tema, nem que seja para evitar que se instale entre nós um tipo de problema que nunca tivemos em 15 anos de construção da UNILA.


Outro equívoco é atribuir à democracia participativa aquilo que ela não se propõe fazer. A realização da Cúpula Social do Mercosul, em 2010, na UNILA, foi um dos pontos altos de participação e diálogo social em prol da Integração regional. Esse compromisso da parte da UNILA não é recente, existe desde a sua criação. Não queiram nos dar lição sobre essa matéria. São os movimentos sociais e não as empresas estatais os formuladores da pauta dos diálogos sociais. É curioso que o nome do presidente Lula, que sabe perfeitamente disso, seja utilizado para justificar a forma como esse debate começou dentro da UNILA.


É hora, portanto, de corrigir os rumos imprimidos até agora à discussão. Ninguém é contrário a “avançar”, “ampliar”, “aperfeiçoar” e “consolidar” o papel da UNILA na América Latina. Aliás, torcemos para que a UNILA evolua nessa direção, pois é para isso que trabalhamos há anos. O que nos preocupa é que a busca de tais objetivos agora desconsidere o respeito à autonomia universitária.

O fato é que nenhum dos encontros já realizados apresentou garantia de que a UNILA não sofrerá ingerência da Itaipu. É altamente recomendável, antes de prosseguir com a criação do instituto, que todos reflitam sobre as complexas relações da Itaipu com a Universidade. Não é a primeira vez que o preceito constitucional da autonomia universitária é ameaçado. O desafio consiste em saber se vamos responder a isso movidos por uma conduta de resistência ou resignação.

Danielle Araújo, é professora de Antropologia da UNILA.

Renato Martins, é professor de Ciência Política e Sociologia da UNILA.


Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.

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1 comentário
  1. Capivara unileira Diz

    Texto enviesado, com opinião de um professor que certamente não contribui e muito menos representa a realidade. Grupo de oposição na eleição, que continua fazendo campanha.

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