Terra em Chamas

Em alguns o que queima não são as florestas, são pastagens, canaviais, lavouras e áreas degradadas que tomaram a natureza selvagem de nossos Biomas.

Ivan C BaptistonOPINIÃO

O Brasil arde em fogo: Cerrado, Pantanal, Caatinga, Amazônia, Mata Atlântica, todos nossos Biomas em chamas. Em alguns o que queima não são as florestas, são pastagens, canaviais, lavouras e áreas degradadas que tomaram a natureza selvagem de nossos Biomas. A origem sempre a mesma: nosso “modelo” de ocupação e desenvolvimento.

“A ferro e fogo”, como bem descreve Warren Dean, foi-se ceifando a vida selvagem, a natureza original, em tamanha dimensão que não se reconhece mais o bioma. A teia de relações, a interdependência ambiental, os ciclos biogeoquímicos e outros processos essenciais ficam restritos para as academias, para os cientistas e especialistas. Os alicerces fundamentais que sustentam a vida só são lembrados quando tudo está em chamas, quando a casa já está caindo.

Faz mais de meio século que a ciência alerta sobre os efeitos ambientais e climáticos de nosso processo de ocupação, de nossa forma de uso e tratamento do planeta Terra. Os relatórios das Nações Unidas desde a década de 1970 apresentam claramente essa inquietação mundial. Os textos dessa época do meteorologista Eneias Salati já apresentavam a verdade sobre a circulação das grandes massas úmidas da Amazônia, canalizadas para o Sul, Sudeste e Centro Oeste do Brasil, nossos rios aéreos, como Carlos Nobre passou a poeticamente denominar.

Seguimos negando essa verdade e, mantendo nosso tradicional modelo a ferro e fogo, continuamos arrebentando a grande floresta úmida tropical, da mesma forma também todos os outros Biomas.

Os alertas, inquietudes, projeções de meio século agora são fatos, “uma verdade inconveniente”, surpreendendo até mesmo os próprios cientistas que não os previam tão cedo, tão violentos e com tanta recorrência.

Ciclones extra tropicais, secas prolongadas sequenciais, chuvas torrenciais (nuvens bomba, furacão bomba, …), alterações e alterações extremadas. O ponto de retorno já foi ultrapassado, agora é conviver com a realidade. Deixamos um planeta para as gerações futuras em pior saúde do que aquele que recebemos de nossos pais.

A Amazônia passa por sua maior seca, as correntes dos rios aéreos, com pouca ou sem umidade, trazem as cinzas das florestas, das pastagens e campos queimados, encobrindo nosso céu de anil por semanas. O alento de uma frente fria do Sul condensa nuvens de fuligens, e chegam as chuvas: negras, ácidas, fétidas.

O grande ensinamento não se reflete em aprendizado. Nossa escola é rasa, podre, as vezes até negacionista e patética. Amanhã, com alguma previsão de chuva, o céu volta a ser azul e as plantadoras despejam as sementes da nova super safra; motosserras, tratores, dragas e bateias, seguirão sangrando a floresta e os campos selvagens, como se nada tivesse acontecido, “um novo normal”.

Seguimos como sempre o fizemos em nosso “modelo” suicida de desenvolvimento. Não queremos mudar? Temos medo de mudanças? Ou o sistema, o organismo nos impõe a dúvida e o medo da mudança?

Não somos nós que construídos os sistemas? Que mantemos o organismo? Somos os sapiens, que pensamos e planejamos, ou não?

Se não conseguimos mudar o sistema, o organismo, devemos ao menos, tentar mudar nossos hábitos, nosso modo de ser e agir. Já seria um bom começo.

Ou mudamos rapidamente ou nos acostumamos com seca, ciclones, inundações, tormentas, exílio climático, fome, … Penúrias não necessárias.


Ivan C Baptiston é analista ambiental no ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

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