Angela Kuczach
Raby Khalil
Helio Secco
A lista de quem perde e quem ganha com a abertura de uma rodovia no interior do Parque Nacional do Iguaçu teria a população de Foz no topo da primeira. E não só por questões de conservação, mas também de segurança. São conhecidas as avaliações do setor sobre os graves riscos que essa decisão traria.
Como sabemos, Foz do Iguaçu é um dos principais destinos de turismo de natureza do Brasil. Em 2019, mais de dois milhões de pessoas visitaram o parque. Esse afluxo movimenta toda uma cadeia de comércio e serviços na região, beneficiando hotéis, restaurantes, transporte e outros tantos, associados direta e indiretamente. Esse imenso volume de turistas é atraído pela imagem de lugar amigo da natureza. De fato, o parque é o maior remanescente de mata atlântica de interior no Brasil, responsável pela destinação de quase 20 milhões de reais por ano aos municípios de seu entorno a título de ICMS-Ecológico. Suas matas protegem inúmeras espécies ameaçadas de extinção. Entre elas, a onça pintada. Ao contrário de tantas outras regiões, no parque do Iguaçu a população de onças cresce, em lugar de diminuir.
Há pouco mais de dez anos, em 2009, restavam entre nove e 11 onças-pintadas no Parque do Iguaçu, e a espécie estava perto da extinção local. Este quadro foi revertido a partir de um trabalho intensivo de pesquisa, fiscalização e engajamento das comunidades vizinhas. O esforço deu resultado, como apontam as contagens feitas a cada dois anos, por meio de censos realizados simultaneamente no Brasil e na Argentina. Em 2016, o estudo apontou a existência de 22 onças-pintadas no parque. Em 2018, o levantamento indicou um aumento de 27%, e o total se elevou para 28 animais. Desde 2019, já foram identificadas dez novas onças no parque, incluindo três filhotes.
A abertura de uma estrada nesse habitat traria não só o risco de atropelamento e de ação de caçadores, mas também segregaria animais, impedindo sua reprodução. E é preciso lembrar que os acidentes com atropelamento de fauna podem ser fatais também para as pessoas.
A rodovia se tornaria um convite à ação ilegal de caçadores, pescadores, palmiteiros, garimpeiros e madeireiros no interior do parque. Nos órgãos oficiais ligados à segurança em Foz do Iguaçu, a ideia da rodovia provoca tensão. O entendimento é de que isso abriria caminho livre para o contrabando e para o tráfico de drogas e de armas, entre outros crimes.
Para tentar tornar mais aceitável a existência de uma rodovia no Iguaçu, os defensores dessa obra falam em “estrada-parque”, uma figura inexistente na legislação brasileira. O conceito de estrada-parque, desenvolvido nos Estados Unidos, não tem a ver com abrir uma rodovia em unidade de conservação já existente. As estradas-parque são, na verdade, parques lineares, criados justamente ao longo de uma estrada, com o objetivo de conservar a paisagem às margens. Em geral, nesse tipo de caminho não é permitido o trânsito de veículos comerciais e pesados. A velocidade é rigidamente controlada. São parques com valor educativo, cultural, recreativo ou panorâmico. São concebidos principalmente para proporcionar a contemplação de paisagens, conservando-se as vistas panorâmicas existentes às margens, que podem ser antigas fazendas, vilas, construções históricas. Os limites do parque são estabelecidos de maneira a assegurar a proteção das visadas e garantir as atividades de recreação e de educação que ensejaram a criação da unidade de conservação. As estradas-parque não são concebidas para conservar a natureza, diferentemente dos parques nacionais, como o Iguaçu. São ideias contraditórias.
Outro argumento falso é que a abertura da rodovia traria desenvolvimento à região. Sendo uma estrada-parque, como propõem os políticos interessados na obra, não comportaria o tráfego de veículos comerciais e pesados. Por ela, não poderiam trafegar caminhões carregados de mercadorias ou escoando produtos das lavouras. Seria uma rodovia de passeio, a baixa velocidade. Não proporcionaria viagens mais rápidas, capazes de diminuir significativamente o tempo de deslocamento necessário hoje.
Esses mesmos políticos argumentam que a existência de estradas no interior de unidades de conservação no lado argentino comprova a viabilidade da ideia. No entanto, é preciso fazer uma distinção importante: as estradas que cortam as unidades de conservação no lado argentino já existiam e eram usadas antes da criação dos parques. A Rodovia 101, conectando os municípios argentinos de Puerto Iguazu (onde está o lado argentino das cataratas) e Comandante Andrezito, era originalmente usada para escoar a madeira extraída da região. Trata-se de um caminho não pavimentado, com baixa circulação de veículos e vigiada por forças policiais e por guarda-parques. Não há dados oficiais sobre acidentes e sobre ilícitos na estrada. Mas as autoridades da região informam que ela representa um grande problema ambiental e de segurança. Ao mesmo tempo, não é capaz de levar para Andrezito os turistas que vêm à região para visitar as cataratas do Iguaçu. Há relatos de caça ilegal e de atropelamento de animais silvestres. Além disso, são visíveis os prejuízos causados à floresta. A estrada funciona como uma barreira intransponível para diversas espécies, o que acaba segregando populações da fauna.
Outras estradas presentes em unidades de conservação vizinhas na Argentina igualmente apresentam inúmeros problemas. Entre eles, o atropelamento de animais, apesar da presença de passagens para a fauna e de outros equipamentos com o objetivo de minimizar os impactos. Evidentemente, a probabilidade de se atropelar um animal silvestre é muito maior dentro de um parque do que fora dele.
Finalmente, a outra coluna da lista, a de quem ganharia com a abertura da rodovia, incluirá caçadores, contrabandistas e traficantes. Junto deles, estarão também políticos atrasados que vendem, em troca de votos, a ilusão de que a estrada traria o progresso de que a região tanto precisa. Estarão, ainda, na lista, empreiteiras de obras. Afinal, estamos falando de custos de mais de cem milhões de reais. Em alguns casos, teremos, também, políticos que são donos de empreiteiras. Estes lucrarão em dobro.
Angela Kuczach é bióloga, diretora Executiva na Rede Nacional Pró Unidades de Conservação.
Raby Khalil é Relações Publicas da Associação de Desenvolvimento de Esportes Radicais e Ecologia (Adere)
Helio Secco é doutor em Ciências Ambientais pela UFRJ e secretário-geral da Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (REET Brasil).
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