Todo esse descaso com os direitos da população resultou em um comprometimento significativo da qualidade, da pontualidade, do conforto e da segurança dos usuários.
José Elias Castro Gomes – OPINIÃO
O transporte público é algo tão natural em qualquer cidade que acabamos não percebendo sua verdadeira importância. Mas a sentimos nitidamente quando ela fica desguarnecida, estrangulando o fluxo urbano e colocando em xeque o direito de ir e vir das pessoas. Isso afeta de forma drástica do individual ao coletivo. É o funcionário que chega atrasado no trabalho e se embaraça diante do patrão, que por sua vez se aborrece por ter perdido uma venda devido a esse aparente desleixo, fazendo um cliente sair do estabelecimento insatisfeito e sem seu produto por causa da falta de atendimento. Pense em algo similar ocorrendo centenas ou até milhares de vezes. Mas esse mal estar vai muito além: pense nas pessoas que precisaram ficar em pé no veículo e se apertando com outros passageiros mesmo portando algum problema de saúde sério, ou diante dos riscos de contágio com o coronavírus, nem podendo se dar ao “luxo” de obedecer as regras de distanciamento social. Estamos falando aqui de inúmeras pessoas severamente atingidas, desmotivadas, desconfortáveis, frustradas, revoltadas. E não sem motivo.
Foi esse colapso e a pedido do Prefeito Chico Brasileiro que me fez instaurar um processo administrativo para apurar irregularidades no transporte público de Foz do Iguaçu. O Consórcio Sorriso descumpriu com a quantidade mínima de veículos que deveriam compor sua frota, e isso em pleno período de pandemia, quando as pessoas mais precisavam evitar veículos superlotados. Em sua defesa, a empresa alegou que não se tratava de um problema de má gestão, mas sim de falta de recursos para manter sua frota rodando de acordo com o que havia se comprometido contratualmente – um contrato celebrado em 8 de outubro de 2010, ou seja, muito antes de a atual gestão municipal de Foz do Iguaçu ter tomado posse, o que nos torna reféns de suas cláusulas, embora as mesmas garantam que o Consórcio Sorriso está sendo desleal com a população. As violações a esse contrato foram claras e recorrentes.
Em vistoria ocorrida no presente ano, a empresa apresentou 104 veículos, sendo que, em 2020, sua frota era composta por 158 ônibus. Em nova vistoria feita posteriormente, foram apresentados 114 veículos e constatou-se que os ônibus ausentes estavam em Cascavel, o que caracteriza um desvio de finalidade, além de gerar uma óbvia deficiência na prestação de serviços da concessionária e um grande drama para toda a população, que passou a sofrer com esperas, atrasos e desconfortos nos veículos lotados. Isso ocorreu sem que a Prefeitura fosse sequer informada, sendo que a Cláusula Décima Primeira do Contrato no. 135/2010 afirma que qualquer modificação das linhas e da frota operante deve obrigatoriamente passar pelo crivo do Poder Concedente.
Trata-se, portanto, de uma ilegalidade e de um desrespeito com a Prefeitura, a população e saúde pública, pois infringiu o que os Decretos Municipais exigiam quanto a impeditivos de superlotação no período da pandemia. E mais: a alegação de dificuldades financeiras não se sustenta, posto que não foi comprovada e demonstrada documentalmente. Em suma, todo esse descaso com os direitos da população resultou em um comprometimento significativo da qualidade, da pontualidade, do conforto e da segurança dos usuários.
Foi por esses motivos que a Secretaria da Transparência e Governança de Foz do Iguaçu formalizou o pedido de caducidade e extinção dos contratos de concessão pelo Poder Público no dia 02 de Dezembro de 2021, dando 10 dias para que se apresente oposição. Findado este prazo e de posse das alegações do Consórcio o Prefeito Chico Brasileiro poderá emitir o Decreto de Caducidade. E estamos respaldados pela lei, pois a redução unilateral da frota é falta gravíssima que fere o artigo 15, II, do anexo VI do Edital de Licitação 005/2010.
A concessionária certamente irá recorrer. Mas quem mais tem de recorrer às autoridades e à justiça nesse momento são os cidadãos, os sindicatos, o empresariado e as instituições organizadas. Todos estamos sendo severamente prejudicados em uma reação em cadeia da qual não escapa aquele que tem veículo próprio, pois, conforme dito já no início deste texto, o transporte público é de importância vital para o bom funcionamento dos aparelhos produtivos de uma cidade, para a saúde e o bem estar da população, para que o cidadão chegue a sua casa em paz e possa ir ao trabalho disposto. A catraca do bem social está travada no momento, e somos todos passageiros nessa viagem de rumo duvidoso. Mas o certo é que não nos acomodaremos diante desse cenário. O transporte público pode ser administrado por uma empresa, mas é uma concessão, não é sua posse. O transporte público é de todos e, quando é ameaçado, torna-se, mais do que nunca, uma causa de todos.
*José Elias Castro Gomes é secretário da Transparência e Governança de Foz do Iguaçu.
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