Na marcha com Elas

Em todas as cidades brasileiras acontecerá manifestações, em Foz do Iguaçu não será diferente.

 Por Danielle AraújoOPINIÃO

Nesta quarta-feira, dia 08 de Março, as mulheres sairão as ruas para reivindicar, denunciar, demandar respeito, igualdade no mercado de trabalho e prioritariamente lutar contra todas as formas de violências. Em todas as cidades brasileiras acontecerá manifestações, em Foz do Iguaçu não será diferente. A Marcha do 8M em Foz do Iguaçu tornou-se uma marca dos movimentos sociais unificados; há mais de 10 anos realizamos a Marcha do Dia Internacional de Luta das Mulheres, mas esse ano ela tem um sabor especial. A organização do evento prevê a concentração de todos os movimentos sociais, conselhos, sindicatos, mulheres, homens, todes, na frente do Bosque Guarani, próximo ao terminal de ônibus, às 17h. Logo em seguida faremos o trajeto pela República Argentina, passando em frente ao quartel, seguindo em frente pela avenida Brasil com destino a Praça da Paz onde será realizado um ato cultural. 

Não sei como será o percurso em outras cidades, mas o desenho da caminhada em Foz do Iguaçu esse ano, sintetiza os passos do país nos últimos anos. 

No final de 2022 a frente dos quartéis do exército foi foram tomada por atos golpistas que não aceitavam o resultado democrático das eleições. Esses locais tornaram-se palco de uma página trágicômica da nossa história, digna de vergonha que tomaram as redes sociais com vídeos e memes que tentavam traduzir uma realidade difícil de acreditar. Foi na frente dos quartéis que diariamente golpistas fascistas rezavam o hino nacional, cantavam orações, enquanto agrediam pessoas e pediam a volta da ditadura e da tortura. Uma miscelânea de horrores propagados em rede. O resultado de todo aquele fanatismo foi a vergonha do dia 08/01, com a invasão e destruição do Congresso Nacional. Portanto, a retomada das ruas e a passagem por este ponto é um grito: a democracia venceu e não há democracia sem as mulheres. 

Após a caminhada diante do quartel seguiremos para a avenida Brasil, em meio ao comércio da cidade com os trabalhadores e as trabalhadoras. Retomamos o Brasil!  

Os retrocessos dos últimos anos, precisamente desde o golpe de 2016, levou o país a uma estagnação em todos os sentidos. O governo Bolsonaro trouxe o retrocesso a  todas as políticas públicas, todos foram prejudicados, mas não há dúvida que nenhum segmento sofreu tanto quanto as mulheres. As mulheres foram facilmente atacadas em discursos “espontâneos” onde o então presidente destilava impunemente seu machismo e misoginia. 

Até mesmo quando apresentava supostas ações para as mulheres, essas estavam mergulhadas em pautas de costumes e fundamentalismo religioso onde a defesa da família servia de manto para ofuscar a real retirada de direitos. O estatuto do nascituro é um exemplo emblemático, pois ao garantir o direito integral do nascituro, desconsidera o direito ao aborto legal, em caso de estupro e quando a gravidez coloca em risco a vida da mulher, algo previsto no código penal desde 1940. O ataque às mulheres foi feito de diversas as formas; na política, na economia – com os corte de orçamentos, e até mesmo em atos aparentemente dissociados, por exemplo, o decreto que flexibilizava o uso de armas, claramente afetava mais as mulheres, pois grande parte dos casos de violência acontecem no espaço doméstico.

O clima misógino criado por Bolsonaro resultou na explosão dos casos de violência, dados que tendem a ser cada vez maiores ao passo que as mulheres se sentem encorajadas a denunciar seus agressores . O Brasil ocupa o 5O lugar no ranking de  países que mais mata mulheres no mundo. 

Relembrar esse trágico passado recente é importante para termos clareza do desafio atual, pois os rastros deixados por Bolsonaro só poderão ser de fato superados com passos firmes. A reconstrução das políticas públicas para as mulheres e a luta contra todas as formas de violência é pauta prioritária neste 8 de março. 

Precisamos de investimento para retomar as campanhas educativas de combate a violência. Reativar de forma efetiva o Conselho da Mulher, dentre outras instâncias da sociedade civil organizada. É hora dos movimentos trazerem para o debate temas importantes para a sociedade brasileira, como a legalização do aborto, que precisa ser discutido de forma séria e divorciada de ideologias fundamentalistas. Estimular a participação social é um eixo relevante tendo em vista que a população precisa estar ciente dos seus direitos historicamente conquistados e que precisam ser defendidos com todas as forças. A participação de todas e todos é essencial. A exemplo do que vem sendo feito na Presidência da República, os municípios precisam repensar sua forma de articulação e criar instâncias de diálogos entre as Secretarias, a lógica da divisão burocrática e administrativa não pode ser superior às atividades fins. Amplificar o diálogo com a sociedade civil e estimular a  participação e a organização.  

As pautas nacionais repercutem nas realidades locais, entretanto, nada impede que  junto a elas avancemos em pautas específicas para cada região. No caso das cidades de fronteira precisamos insistir numa política de combate a violência de forma transnacional e fronteiriça com foco no tráfico de pessoas e nas inúmeras formas de violência e exploração das mulheres migrantes.   

Temos quatro anos para avançarmos nessas pautas. Sabemos que não será uma caminhada fácil. As violências fazem parte de um constructo histórico, elas não são algo natural. Essa mesma lógica serve para lutar por sua desconstrução e a possibilidade de construirmos um mundo menos violento, mais equitativo onde o sofrimento e a desigualdade não sejam algo naturalizado e comum. A terra – esse imenso útero planetário que abriga a todas e todos nós-  pede por ações e postura mais solidárias, talvez, esse seja o sentido de chegar a Praça da Paz. Todas ao Ato Cultural do 8M de Foz do Iguaçu. Que os nossos passos e a nossa voz possa ecoar em todos os cantos da fronteira.  


Danielle Araújo é antropóloga, docente da Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA,  e coordenadora do curso de Promotoras Legais Populares da Fronteira.

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