
Por Jakeline Plácido Marcon – OPINIÃO
Mulher. Criada para ser companheira de Adão, feita de sua costela. Audaciosa demais, Eva influenciou Adão a comer a maçã e, veja só, o deixou frustrado com as consequências. Eita, Eva! Sempre querendo ganhar o mundo… No fim, quem pagou o preço foi ela. Melhor seria se tivesse se mantido em suas obrigações de esposa, sem dar palpites nos negócios do mundo. Mas Eva foi curiosa, e que atrevimento! Se não fosse ela, talvez ainda estivéssemos todos no paraíso da ignorância.
Hipátia, egípcia, também ousou demais. No século IV, desafiou seu tempo ao se tornar professora em Alexandria. Recebia estudiosos de terras distantes para falar sobre astronomia, matemática e filosofia. Absurdo! Tanta audácia não poderia acabar de outra forma: foi brutalmente assassinada pelos cristãos que, é claro, precisavam defender os bons costumes. Mas a história é caprichosa: sua memória atravessou os séculos, e hoje mulheres ensinam, pesquisam e ocupam o lugar que lhes disseram não ser permitido. Hipátia perdeu a vida, mas ganhou a eternidade.
Tereza de Bengala, mulher, negra, que não soube seu “lugar”. Preferiu virar rainha e liderar um quilombo de negros e índios. Como assim? Mulheres deveriam ser submissas, não guerreiras. Mas, enquanto os “donos” do mundo faziam discursos sobre civilidade, ela construía liberdade. Seu quilombo era mais do que um refúgio: era um grito de existência. Hoje, mulheres negras seguem rompendo barreiras, ocupando espaços e mostrando que o “lugar da mulher” é onde ela bem entender.
Chiquinha Gonzaga, à frente de seu tempo, viveu pela música e pelo amor. Aos 52 anos, apaixonou-se por um estudante de 16. Que horror! Como ousou seguir o coração em vez das convenções sociais? Mas vejam só, enquanto falavam de sua vida pessoal, ela regia orquestras e escrevia partituras que atravessariam os séculos. A primeira mulher a viver da música no Brasil, abriu portas para que tantas outras seguissem suas paixões sem medo. Se a julgavam, era porque sua liberdade soava alto demais.
Séculos de luta, de enfrentamentos, de derrotas e glórias. Para quê? Para que, no século XXI, a batalha feminista seja reduzida às pautas da naturalização dos pelos na axila ou à liberdade de exibir os seios em público? A luta superficial e rebelde, sem fundamentos e indicadores concretos, só gera exposição e alimenta os discursos dos conservadores que adoram nos chamar de loucas e desequilibradas.
Nossa luta não precisa ser pela perda da essência feminina – até porque ela é plural e singular a cada mulher. Ser feminina é uma escolha, não uma imposição. Mas a nossa luta deve ser contra a violência física, psicológica e patrimonial. Pela equidade, pela igualdade. De acordo com a UNESCO (2020), a violência contra mulheres e meninas é uma pandemia invisível: uma mulher é morta a cada duas horas vítima dessa realidade brutal.
Eva, Tereza de Bengala, Hipátia, Chiquinha Gonzaga e tantas outras mulheres que desafiaram padrões tinham algo em comum: todas foram “imperfeitas” em suas obrigações femininas. Não deram conta de tudo. Não se submeteram às expectativas alheias. E, por isso, fizeram história. Seja como artistas, guerreiras ou cientistas, elas resistiram.
Ser imperfeita é urgente. Ser imperfeita é resistir. E resistir é, sempre, existir.
“Quem sabe eu ainda sou uma garotinha?” – Cássia Eller.
Jakeline Plácido Marcon
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