Por Danielle Araújo – OPINIÃO
No dia 04 de março de 2024, o parlamento francês surpreendeu o mundo com uma decisão histórica: o aborto tornou-se um direito constitucional na França. Com esta decisão, o país tornou-se o primeiro do mundo a garantir o aborto na constituição. Hoje, 08 de março de 2024, a decisão foi finalmente promulgada. É um direito irreversível para as mulheres na França. Vamos todas comemorar por essa conquista e torcer para que ela se estenda aos demais países.
Na França, o direito ao aborto foi aprovado por lei em 1975, com a liderança da Ministra da Saúde Simone Veil, advogada e feminista que lutou pela descriminalização do aborto. Veil foi presidente do Parlamento Europeu, Ministra da Saúde e sobrevivente do holocausto junto com seus irmãos. A Lei Veil permitiu que esse debate fosse vivido de forma intensa na França nos anos 70. Desde então, a lei precisou ser atualizada nove vezes, devido ao avanço da extrema direita na Europa e ao retrocesso vivido nos Estados Unidos em 2022, com a anulação pela Suprema Corte da decisão de Roe x Wade.
Isso fez com que os movimentos feministas pressionassem para garantir de uma vez por todas o direito ao aborto legal, que em alguns casos pode ser considerado uma garantia do direito à vida. Na América Latina e no Caribe, avançamos a passos lentos e enfrentamos ataques que podem levar a retrocessos.
No Paraguai, o aborto segue sendo criminalizado em todas as circunstâncias, exceto quando a gravidez representa risco de morte para a mulher. A Argentina deu um passo importante em 2020, quando foi sancionada a Lei 27.610, que prevê o aborto seguro e gratuito até a 14ª semana de gestação. No entanto, não podemos negar que, com a chegada da extrema direita ao poder, essa conquista pode estar ameaçada.
De modo geral, os países latino-americanos e caribenhos oscilam entre a proibição total, proibições parciais e legalizações do aborto. O aborto é veementemente proibido e criminalizado em países como República Dominicana, El Salvador, Nicarágua, Suriname e Honduras, sendo este último um dos países mais rígidos. No Brasil, o aborto é garantido em casos de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto.
Em setembro de 2023, antes de se aposentar, a Ministra Rosa Weber do Supremo Tribunal Federal votou a favor da descriminalização do aborto no Brasil até a 12ª semana de gestação. Para Weber, a maternidade é uma escolha, não uma obrigação coercitiva. Enquanto o STF não julgar essa matéria, as mulheres continuam impedidas de fazer essa escolha.
Os maiores avanços em termos de legalização do aborto estão na Colômbia, onde as mulheres podem realizar o procedimento até a 24ª semana de gestação, e no México, onde a descriminalização é vigente em todo o país, impedindo que mulheres sejam presas. Uruguai e Cuba são os países onde a interrupção voluntária da gestação é livre e incondicionada. Neste quesito, o Uruguai é referência desde 1934. Apesar de interrupções desse direito, em 2012 o país tornou-se o segundo país latino-americano a descriminalizar o aborto, após Cuba.
A onda verde que ganhou força na região sofre variações periódicas, devido à ação obsessiva de grupos da extrema direita, que não toleram o avanço dos direitos das mulheres.
Em 2020, no Brasil, assistimos a cenas deploráveis de fanáticos religiosos diante de um hospital, tentando impedir o aborto de uma criança de 10 anos, que havia sido estuprada pelo tio. Infelizmente, os posicionamentos sobre o aborto fazem parte de um jogo político conservador. Muitos que “lutam” pela vida do feto e buscam explicações “religiosas” estão pouco preocupados com a vida do feto ou da mulher. O que precisa ficar claro é que a criminalização não impede a realização do aborto. Ela apenas enfatiza a vulnerabilidade, colocando a mulher em situação de risco extremo em clínicas clandestinas, à mercê de medicamentos e práticas inseguras.
A criminalização expõe meninas a traumas que podem provocar danos irreversíveis à saúde reprodutiva e, na maioria dos casos, leva à morte. Portanto, a descriminalizar é desfazer o grande absurdo que um dia foi criminalizar e restringir o direito da mulher sobre o seu próprio corpo.
A legalização do aborto, entendido como um direito cidadão e dever do Estado, deveria ser o norte das nossas democracias. Sim, estamos falando de direito, de escolha da maternidade, de opção, de menos sofrimento para as mulheres e crianças que vêm ao mundo marcadas pela rejeição. Para aqueles que lutam contra o aborto e apostam na criminalização da mulher, deveriam lutar por mais educação sexual, orientação e planejamento familiar, além de métodos contraceptivos acessíveis e disponíveis. O mais lamentável de toda essa história é que sabemos que o sofrimento e a vulnerabilidade têm classe e raça, pois são as mulheres pretas e pobres que estão mais expostas aos procedimentos inseguros.
A gestação, a concepção subsequente e/ou o possível abortamento também deveriam deixar de ser vistos apenas como responsabilidade da mulher. A gravidez é uma realidade na vida dos genitores! Portanto, é o casal que engravida, não apenas a mulher. O posicionamento conservador da extrema direita não pode nos paralisar; precisamos avançar. Na França, a votação de 780 votos a favor da constitucionalidade, contra apenas 78 votos contrários, mostrou que até mesmo a direita foi favorável. Em depoimentos, alguns deputados relataram que não podiam votar contra, pois a coerção familiar exigia o voto favorável.
No Brasil, certamente, a coerção da extrema direita tem paralisado o debate e, em alguns momentos, ameaçado direitos já conquistados. Vamos avante! Hoje, em Foz do Iguaçu, assim como em outras cidades do Brasil e do mundo, seguimos em marcha. Coloque seu lenço verde, faça seu cartaz, junte-se! Juntas somos mais fortes.
Concentração às 17h no Bosque Guarani.
Danielle Araújo é Antropóloga e docente da Unila.
Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.
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