Futuro incerto: Unila binacional, internacional ou fronteiriça?

Renato Martins, sociólogo e Danielle Araújo, antropóloga, falam sobre o futuro da UNILA.

Renato Martins e Danielle Araújo – OPINIÃO

A cada declaração sobre a binacionalização da UNILA – que como todos se recordam foi anunciada em primeira mão pelo diretor-geral do lado brasileiro da Itaipu – surgem novas dúvidas sobre o futuro da Universidade.

Na semana passada, foi a vez do diretor-geral da margem direita se manifestar. A matéria consta da seção INSTITUCIONAL do site da empresa, o que nos autoriza a supor que ela reflita a posição de seu diretor-geral, o Dr. Justo Zacarias Irún (ver link).

Vejamos o que diz o Dr. Zacarias sobre o assunto. Primeiramente, depois de confirmar as tratativas entre a Unila e a Itaipu sobre a constituição de um “entorno fronteiriço educativo”, o DG menciona a realização de uma suposta “aliança estratégica” que estaria em vias de ser concretizada entre as duas instituições. Observem:

“Buscando o fortalecimento de oportunidades acadêmicas e de pesquisa para estudantes paraguaios, a Itaipu Binacional e a Universidade Federal da Integração Latino-Americana dão passos significativos para selar uma aliança de colaboração e cooperação estratégica”.

Essa é uma novidade. Unila e Itaipu estão em vias de selar uma aliança estratégica!

Alianças estratégicas constituem laços de cooperação e associação entre países, empresas, instituições públicas ou privadas para aceder a recursos, mercados, tecnologia e conhecimento especializado entre os parceiros. Elas pressupõem a identificação de áreas de interesse comum e negociações prolongadas.

A literatura especializada é consensual ao afirmar que não se chega a uma aliança estratégica da noite para o dia. Se a Unila e a Itaipu estão em vias de “selar uma aliança estratégica”, é porque o assunto vem sendo discutido há algum tempo. O Dr. Zacarias seria muito gentil em nos informar com quem isto vinha sendo debatido, pois a comunidade acadêmica desconhece tal discussão.

Em seguida, são mencionados os objetivos dessa suposta aliança. Vejamos:

“O objetivo é criar vias de inovação em um entorno educativo transfronteiriço. Para isso, sob diretrizes do diretor-geral paraguaio de Itaipu, (…) se analisarão temas de interesse mútuo (…) e acordarão tarefas de coordenação, incluindo o intercâmbio de informação crucial relacionada com os estudantes paraguaios atuais e aqueles que se incorporarão em futuros períodos acadêmicos”.

Já comentamos o quanto essa sorte de ingerência nos assuntos internos da Unila representa uma violação do preceito constitucional da autonomia universitária, e não insistiremos novamente neste ponto.

Mas, voltando ao que interessa, o site do Dr. Zacarias não esclarece quais são os pontos de interesse mútuo da parceria. Este é um tema fundamental de qualquer parceria. Em vez disso, os pontos levantados são unilaterais, a saber: ingresso de futuros estudantes paraguaios na Unila e apoio à mobilidade física deles. Trata-se de temas importantes, mas convenhamos que eles não são novidades e não justificam, por si só, uma “aliança estratégica”. Se existem outros objetivos nessa história, nós continuamos sem saber quais são.

Considerando que sejam apenas esses objetivos, é forçoso reconhecer que isso não justifica a binacionalização, nem a constituição de parcerias especiais, nem a criação de um Instituto Binacional, como recentemente se tem falado. Experiências anteriores de internacionalização da Unila contribuíram para o fortalecimento dos laços de cooperação com o Paraguai sem a necessidade de fazer todo esse malabarismo.

Os atuais estudantes paraguaios talvez não saibam que, em 2011, foi criada a Cátedra da Cultura Guarani, tendo como patrono o já falecido jesuíta Bartolomeu Meliá, intelectual mundialmente reconhecido por seus trabalhos no campo da linguística e da antropologia. Considerar o passado e a história da Unila pode ser enriquecedor neste momento. Naquela iniciativa de intercâmbio acadêmico e científico, o território Guarani foi concebido como um elemento cultural integrador de nossos povos e regiões. Se o objetivo da binacionalização da Unila ou da criação do Instituto Binacional for o de criar um entorno educativo fronteiriço, bastaria resgatar os fundamentos daquela Cátedra de Cultura Guarani. Não é necessário reinventar a roda.

Além disso, não há nenhuma razão para onerar os cofres públicos com a criação de uma Universidade Binacional ou um Instituto da Unila em Ciudad del Este. O IMEA poderia perfeitamente cumprir esse papel, sem implicar a invenção de fórmulas jurídicas e administrativas contrárias a natureza de autarquia pública federal da Universidade, sob pena desses malabarismos não serem aprovados pelo Congresso Nacional.

Por fim, convém observar que a proposta de binacionalização ou aliança estratégica ou instituto binacional não fecha com a ideia de universidade transfronteiriça.

Como dizia Roa Bastos, o Paraguai é uma “ilha cercada de terra por todos os lados”. O país faz fronteiras com Argentina, Brasil e Bolívia. A binacionalização deixaria de fora Bolívia e Argentina. E o que dizer do Uruguai, membro fundador do Mercosul, que não faz fronteira com o Paraguai? E os dez países com os quais o Brasil faz fronteira, eles também comporiam “o entorno educativo transfronteiriço” ou seriam excluídos? Ou será que a ideia é, futuramente, criar outros Institutos Binacionais para as dezenas de países da América Latina e Caribe que ficarão de fora da binacionalização?

Como se vê, trata-se de uma proposta bem estranha, que nem deveria estar sendo discutida neste momento; salvo se existem outros motivos por trás disso que ainda não sabemos.

Em tempo. Antes de ontem, sexta-feira, 15/12, a Secretaria de Educação Superior (Sesu/MEC) informou a criação de um GT para discutir a constituição do Instituto Binacional da Unila (ver link) . Ao que parece, em face da repercussão negativa da proposta de binacionalização feita pela Itaipu, o MEC resolveu trocar seis por meia dúzia, o que não ajuda a esclarecer o porquê dessa história toda. Até agora, nem os sindicatos de docentes e técnicos administrativos, nem o Diretório Central dos Estudantes tem clareza do que de fato está sendo programado. Observem bem a nota da Sesu. Marotamente, ela associa a retomada das obras do campus Oscar Niemayer à criação Instituto Binacional da Unila. Ou seja, amplia ainda mais os poderes da Itaipu sobre o futuro da Unila. Voltaremos a este ponto em outra oportunidade, mas desde já alertamos para os enormes riscos que essa associação representa para a combalida autonomia de nossa universidade.

Convenhamos, tudo isso é muito estranho.

Quanto mais a atual reitoria tenta tapar o sol com a peneira, minimizando essa discussão fundamental sobre o futuro da Unila, tanto mais as incongruências dessa proposta saltam à vista. É hora de um freio de arrumação. O Ministro da Educação, Dr. Camilo Santana, poderia nos ajudar a esclarecê-la. A Itaipu certamente não possui prerrogativas para decidir sobre o futuro de uma autarquia federal. Muito menos o seu diretor paraguaio, sob risco de criar um problema diplomático.

O silêncio em torno da binacionalização não interessa a ninguém e tem gerado um ambiente de insegurança e incertezas. Quanto antes a reitoria vier a público se manifestar oficialmente, desautorizando estas falas, tanto melhor para todas e todos. A atual incerteza causa muito mal à toda comunidade acadêmica.

www.itaipu.gov.py/es/sala-de-prensa/noticia/itaipu-y-la-unila-sellaran-alianza-para-potenciar-oportunidades-academicas-de

https://www.jornaldaciencia.org.br/edicoes/?url=https://jcnoticias.jornaldaciencia.org.br/24-secretaria-de-educacao-superior-do-mec-confirma-possibilidade-de-estrutura-binacional-com-a-unila/&utm_smid=11014174-1-1



Renato Martins, Sociólogo e Cientista Político; Danielle Araújo, Antropóloga. Ambos são professores da UNILA.


Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.


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