Por Professora Danielle Araújo – OPINIÃO
Há algumas semanas, nas cidades do Brasil, o dia clareia, mas não amanhece. A fumaça no céu não permite que a luz do sol chegue com o costumeiro esplendor; os pássaros não cantam, e a natureza denuncia mais uma noite em que o Brasil se converte em cinzas.
O mais espantoso de tudo isso é que ninguém faz nada!
O cotidiano do comércio, das escolas, das universidades, e da sociedade em geral segue como se nada estivesse acontecendo. A fumaça, que provoca irritação nos olhos e na garganta, parece não afetar as consciências.
Os telejornais anunciam mais um dia de grandes queimadas, e com elas, algumas recomendações e manchetes. Por exemplo: a cidade de São Paulo registra, pelo terceiro dia, a pior qualidade do ar do mundo; os especialistas recomendam tomar muita água; as unidades de saúde registram mais casos de crianças com problemas respiratórios, etc., etc., etc., e tal.
Na última segunda-feira, a caminho do trabalho, percebi uma queimada próxima à beira do rio. Liguei imediatamente para o 193, mas, após aproximadamente três minutos de diálogo infundado, o atendente desligou quando informei que não estaria no local da queimada para receber a viatura, já que precisava estar no trabalho. Ou seja, atender à burocracia parece ser mais importante do que, literalmente, apagar o fogo.
Não podemos negar que órgãos como os bombeiros, a polícia, entre outros, são cotidianamente alvos de ligações mentirosas. No entanto, não é possível que eu tenha sido a primeira e única pessoa a ligar, considerando que o fogo já se alastrava. Na situação atual, todo e qualquer pequeno foco de incêndio precisa ser combatido. Não podemos esquecer que toda grande queimada começa com pequenos focos.
Posturas como a que tive o desprazer de vivenciar com o atendente dos bombeiros de Foz do Iguaçu certamente se repetem em muitas outras unidades da corporação pelo Brasil afora.
Até o momento, falta por parte do governo um alerta geral, com anúncios em diversos meios de comunicação, alertando a população e pedindo que os menos informados não ateiem fogo em pequenas plantações, incentivando denúncias e promovendo uma ação coletiva para enfrentar essa crise aguda. Em última instância, o governo deveria pedir a colaboração de todos para apagar pequenos focos de incêndio — um alerta geral para as entidades diretamente envolvidas, de modo que as ações possam ser realizadas com compromisso e celeridade.
Identificar os criminosos é importante, mas não podemos deixar de atender as vítimas, neste caso, milhares de árvores e animais que estão sendo carbonizados. Não basta criar ministérios; eles precisam agir com contundência no momento certo.
Não podemos ignorar o aumento no orçamento do atual governo, comparado a governos passados, mas é inegável que as medidas adotadas até agora são insuficientes diante da gravidade da situação.
O Ministro Flávio Dino acertou em cheio ao comparar as queimadas com a pandemia: “Vivemos uma pandemia de incêndios”, disse ele, ao demandar a união dos três poderes no combate às queimadas.
Enquanto o governo vacila em suas ações e perde tempo discutindo e investigando se as queimadas são criminosas ou não, o fogo avança, deixando um rastro cinza na terra e no céu. Resta-nos esperar que as nuvens de fumaça se convertam em chuva e possa lavar a atmosfera que está beira do irrespirável. Nas madrugadas, o ronco ruidoso dos aparelhos de ar-condicionado se prolifera, aumentando o calor externo e atormentando ainda mais a vida dos animais. No mais, tudo parece normal. Estamos em plena Interestelar — o futuro distópico onde a fumaça apaga o céu do país e esmaece os horizontes da fronteira.
Danielle Araújo, é professora de Antropologia da UNILA.
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