
Por Markson Rangel Silva e Lucas Kerr Oliveira | OPINIÃO
Para começarmos a tratar dos impactos da Reforma Tributária, aprovada ainda em 2023 e que só agora começa a apresentar os primeiros efeitos em Foz do Iguaçu, precisamos desmistificar duas confusões presentes no senso comum:
A primeira é a de que “o imposto é roubo”, isto é, que necessariamente o imposto é ruim e que tira dinheiro das pessoas desnecessariamente. Na realidade, é importante lembrar que a taxação é uma técnica muito antiga de recolher o que se produzia a mais, o “excedente”, e a partir da centralização organizada pelo Estado, redistribuir para diferentes atividades, como obras de infraestrutura, controle de inundações e irrigação, melhorar acessos e meios de transporte, enfim, realizar obras públicas para atender a população.
Obras que seriam impossíveis de serem realizadas por um indivíduo ou um grupo pequeno de indivíduos. Essa é a natureza dos impostos que surgem desde o Egito antigo – então chamado de Kemet – ou da Mesopotâmia (atual Iraque) ou China antiga, todos há cerca de 5 ou 6 mil anos atrás.
É claro que, não é porque o objetivo do imposto é fazer a redistribuição do arrecadado para melhorar a qualidade de vida das pessoas, que esse objetivo será de fato, sempre buscado e alcançado. Na nossa realidade brasileira, por conta da formação colonial do sistema tributário, é inegável como o imposto, por ser cobrado até então de forma indireta, embutida no preço dos produtos que compramos, acaba penalizando mais as pessoas mais pobres, de menor renda, do que as elites, com maior renda e poder de consumo.
Infelizmente, na prática, no Brasil contemporâneo, pode-se dizer que em termos estatísticos, a estrutura de impostos transferem parte da renda dos mais pobres aos mais ricos, e em linhas gerais, da população mais pobre, negra, parda, preta e indígena à população mais rica e predominantemente autodeclarada branca.
Impostos devem ser utilizados para a redução das desigualdades
Porém, o segundo mito que precisamos superar, é justamente de que o imposto é algo imutável, de que não pode ser instrumento para redução das desigualdades sociais. Pelo contrário, os impostos devem ser utilizados para a redução das desigualdades. A taxação como política fiscal não pode ser encarada como tabu, e deve, principalmente, servir a uma estratégia nacional de desenvolvimento, priorizando recursos, infraestrutura e serviços, para a população mais vulnerável, não somente em termos de renda, mas também, em termos de geração de oportunidades de ascensão social.
Neste sentido, é importante destacar quais os principais elementos da Reforma Tributária aprovada até o presente momento, e o atual debate sobre isenção do imposto de renda para quem ganha até R$5 mil, em função de se taxar quem recebe acima de R$50 mil mensais, e principalmente, os super ricos.
O Ministério da Fazenda destaca os três objetivos principais da reforma aprovada em 2023:
- 1) fazer a economia crescer de forma sustentável e gerando empregos de qualidade;
- 2) reduzir as desigualdades territoriais no Brasil;
- 3) simplificar a cobrança de impostos para facilitar o maior entendimento do funcionamento da estrutura tributária ao cidadão comum.
E para alcançar tais objetivos, algumas mudanças na prática serão realizadas ao longo dos anos, conforme ocorrer a gradual implementação da reforma, como:
- 1) A substituição de diversos impostos ICMS, ISS, IPI, PIS, Cofins1, pelo IVA (Imposto sobre Valor Adicionado);
- 2) O IVA será por sua vez composto de Contribuição e Imposto sobre Bens e Serviços, respectivamente CBS e IBS, sendo o CBS de arrecadação para governo federal e o IBS de arrecadação para estados e municípios;
- 3) A cobrança do IVA será feita apenas uma vez, de forma simples, sobre o município que consome os bens e serviços, e, muito importante, a redistribuição do que for arrecadado irá priorizar, portanto, os municípios que produzem, isto é, favorecendo as economias produtivas.
Como resultado da Reforma Tributária é fundamental destacar as perspectivas de crescimento do PIB atreladas à geração de empregos ao longo das cadeias produtivas, o que transforma o potencial de distribuição em potência, quando priorizamos setores que geram mais emprego e renda, como o industrial e de construção civil, conforme indica a tabela a seguir:

Em Foz, isenção do IR deve beneficiar mais de 45 mil pessoas
No caso do imposto de renda, a proposta atual de isenção para quem recebe até R$5 mil por mês mediante a taxação de quem recebe acima de R$50 mil mensais, ou R$600 mil por ano, se conecta à simplificação e justiça na cobrança dos impostos. Em Foz do Iguaçu, estima-se que essa nova isenção do imposto de renda beneficiará diretamente mais de 45 mil pessoas, enquanto a taxação sobre grandes fortunas incidirá somente sobre a renda das 350 pessoas mais ricas da cidade (IPARDES, 2021). De modo geral, não há espaço para medo da reforma tributária, nem sobre novos impostos, nem sobre as mudanças que poderá gerar no Município.
Neste ponto é que retomamos o título deste artigo, o que nós moradores de Foz do Iguaçu “temos a ver com isso?”
Uma outra falácia que existe em Foz do Iguaçu é a de que a cidade não possui indústrias, e que toda sua economia é sobre comércio e serviços fundamentalmente ligados à natureza e ao turismo. Essa é uma mentira descarada, pois a maior parte do Produto Interno Bruto da cidade é de caráter industrial (cerca de 50%), embora esse seja representado sobretudo pela produção da Usina de Itaipu Binacional.
Dessa forma, estamos, sim, bem posicionados para as novidades da Reforma Tributária. Entretanto, podemos nos posicionar ainda melhor, visando tanto a arrecadação municipal, quanto os efeitos na geração de emprego e renda para a maioria da população, se tivermos como objetivo estratégico a diversificação da matriz industrial produtiva do Município.
Não estamos aqui falando de rupturas com setores tradicionais, Itaipu ou o setor de serviços e turismo, mas sim do posicionamento estratégico de Foz do Iguaçu para se conectar com as rotas de investimento de desenvolvimento industrial, que quando pautados pela incorporação de ciência e tecnologia, efetivamente geram empregos mais estáveis e com melhores salários. Efeitos que podem ser sentidos pelos trabalhadores do setor e também para os demais empregados nos setores de comércio e serviços, que, devido ao crescimento da renda no setor industrial, acabam ampliando a base salarial geral do município.
Programas como o Nova Indústria Brasil (NIB), por exemplo, são importantíssimos para promover o desenvolvimento econômico e social numa economia que ainda se recupera da pandemia e enfrenta os riscos da instabilidade e imprevisibilidade das relações internacionais contemporâneas. Neste sentido, o Nova Indústria Brasil indica 6 missões enquanto linhas centrais de atuação, voltadas para o desenvolvimento de:
- Cadeias Agroindustriais Sustentáveis, para segurança alimentar;
- Complexo Econômico Industrial da Saúde, para fortalecimento do SUS;
- Infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade urbana;
- Transformação Digital da Indústria;
- Bioeconomia e descarbonização para a Transição Energética;
- Tecnologias voltadas para a Soberania e a Defesa Nacional;

Fonte: Portal da Indústria – Infográfico: como vai funcionar a nova política industrial (2024)
Oportunidade ímpar para o desenvolvimento de Foz

Temos, portanto, uma janela de oportunidades ímpar, para captar recursos produtivos e investir na nossa cidade, considerando, desde os processos previsíveis de incremento na arrecadação municipal até a geração de melhores e mais diversificadas oportunidades e condições de geração de emprego e renda. Ainda que, eventualmente, alguns interesses podem se sentir desprivilegiados, contudo, quando observamos os potenciais regionais de desenvolvimento encontramos soluções que podem resolver problemas de âmbito econômico e sobretudo social, com grande potencial para impulsionar o desenvolvimento regional.
Fonte: Agência Gov – Ministério da Saúde anuncia investimento recorde de R$ 657 milhões no Complexo Econômico-Industrial da Saúde (2023)
Destacamos aqui, por exemplo, a alta demanda do SUS na região, exposta por uma população de cerca de 295 mil habitantes (IBGE 2022) e aproximadamente mais de 450 mil pessoas cadastradas no SUS, vindos de toda a região trinacional, que criam uma demanda significativa por diversos tipos de produtos da área de saúde, sendo que muitos poderiam ser fabricados no Município.
Semelhantemente, existem uma série de outras indústrias que podem ser desenvolvidas aqui, ou podem ser atraídas para a cidade de Foz do Iguaçu, em áreas estratégicas como as priorizadas para investimentos do programa Nova Indústria Brasil, com grande potencial para diversificar a economia produtiva e gerar emprego, renda e desenvolvimento na região.
Por fim, destacamos que este tema em específico, sobre como o programa Nova Indústria Brasil pode fortalecer Foz do Iguaçu como potência regional, visando produtividade, arrecadação, emprego e renda será abordado em um próximo artigo.
Markson Rangel Silva – Internacionalista especialista em projetos econômicos, mestrando em Economia Aplicada (UNILA) e atualmente coordenador da Associação de Pós-Graduandos da UNILA Arandu;
Lucas Kerr de Oliveira – Doutor em Ciência Política, professor de Relações Internacionais (UNILA) e atualmente coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos, Geopolítica e Integração Regional (NEEGI), coordenador do Observatório da Geopolítica Energética e do Observatório da Geopolítica da Integração.
CMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza), IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), PIS (Programa para Integração Social), Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social).
Referências
Thomas de Toledo. Antigo Egito: as origens do Estado, do dinheiro e do assalariamento (2017)
Indicadores do Município de Foz do Iguaçu, Caderno Ipardes (2021)
Plano de Ação Nova Indústria Brasil – 2024/2026 (2024)
Ministério da Fazenda. Reforma Tributária – Perguntas e Respostas (2023)
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