A greve nas universidades federais e a Unila

Renato Martins, sociólogo. Professor da UNILA, fala sobre a greve nas universidades federais

Por Renato Martins (Membro do Comando Local de Greve) | OPINIÃO

Enquanto o governo endurece as negociações com os grevistas, pressionando a categoria a assinar um acordo rebaixado, a reitoria da UNILA prossegue sem compreender que a greve é a favor do ensino público, e não contra ela.

Embora o governo relute em reconhecê-las, nossas reivindicações são justas e legítimas. Lutamos por:

  • Recomposição orçamentária da universidade
  • Reajuste salarial
  • Reestruturação da carreira
  • Respeito às (os) aposentados (os) e pensionistas
  • Revogação das instruções normativas dos governos Temer e Bolsonaro

Não pedimos aumento real. Reivindicamos a reposição das perdas acumuladas nos governos Temer e Bolsonaro. Desde então, nossos salários sofreram uma corrosão da ordem 29% do poder aquisitivo. O governo atual, cujo compromisso com a educação é reconhecido e valorizado por todos nós, comete o grave erro de oferecer zero porcento de reajuste em 2024, com a promessa de recuperação parcial em 2025 e 2026. Zero porcento não é proposta, é provocação!

Ao ameaçar a encerrar as negociações nesta semana, o governo parece não se dar conta da gravidade da situação. Docentes de mais de 60 universidades federais estão em greve. Eles se somam aos servidores técnicos administrativos que paralisaram as atividades há mais tempo por motivos similares. Fazer um ultimado à categoria nas atuais circunstâncias, é como usar gasolina para apagar o incêndio. É incompreensível que o atual governo lance mão desse artifício.

Além da reposição das perdas salariais, lutamos pela recomposição do orçamento das universidades públicas. Segundo a Andifes, associação dos dirigentes das instituições de ensino superior, seriam necessários R$ 2,5 bi para compensar o rombo deixado pelos governos passados. O governo acena com algo em torno de R$ 300 mi, muito aquém do necessário para garantir as condições de ensino, pesquisa e permanência dos estudantes que estão chegando à universidade, muito deles com perfil diferenciado, oriundos das classes populares.

No caso da UNILA, isto é ainda mais sensível.

A maioria de nossos discentes são estrangeiros ou vem de outros estados da federação. Muitos deles chegam aqui contando com a assistência estudantil como único suporte para prosseguir os estudos. O apoio à moradia, alimentação, saúde e transporte é fundamental para a realização do projeto acadêmico desta universidade. Sem ele, a evasão pode se agravar. Ao lutar pela retomada dos investimentos em educação, lutamos igualmente pela garantia das condições de permanência desses estudantes em Foz do Iguaçu, o que faz girar a economia em benefício deles próprios e da sociedade local. Neste aspecto, a nossa pauta específica se conjuga com a pauta nacional.

Ademais, não podemos ficar reféns de empresas públicas (e muito menos privadas) para financiar a educação superior. Isso implicaria um retrocesso histórico. Desanima ver o ministro da Educação flertar com esta perspectiva, cercando-se de fundações empresariais que sempre estiveram de olho na mercantilização do ensino. Entrar nesse jogo é aceitar que os recursos do orçamento público prossigam sendo drenados para a ciranda financeira, em vez de financiar a educação, a ciência e a cultura.

Ao disputar o orçamento lutamos para garantir os recursos necessários ao financiamento da educação gratuita e de qualidade para todos. A UNILA não deve depender dos recursos da Usina Hidrelétrica como âncora de seu projeto político pedagógico de integração latino-americana. Sobretudo quando isso representa riscos para a autonomia universitária.

Quis as circunstâncias nessa quadra histórica, de avanço mundial da extrema-direita e ataques à democracia e à integração regional, que tivéssemos de aceitar uma solução de “frente amplíssima” para evitar a continuidade do fascismo. Os juros estratosféricos ditados pelo enclave bolsonarista no Banco Central, assim como a meta de déficit zero requerida pelos mercados e buscada pelo ministro da Fazenda, definem os rumos da política econômica, e são o preço que o país paga por aquela escolha política. O que torna tudo mais delicado… e arriscado. O inimigo mora ao lado, e ao decidir pela greve não devemos esquecer as lições do passado.

Se é correto que os governos são compostos por coligações de interesses, movendo-se segundo as condições de governabilidade do momento, também é certo que os governantes possuem trajetória, compromisso, valores e projetos históricos distintos. Seria um enorme equívoco minimizar essas diferenças, conforme já ouvimos por aí.

Grande parte, senão a maioria dos docentes e TAEs que agora estão em greve, votou pela democracia nas eleições presidenciais passadas porque reconhecem e valorizam as virtudes políticas e morais do atual presidente. Porém, à medida que se amplia, o movimento pode vir a ser alvo da ação de grupos oportunistas. Conhecemos este filme: as Jornadas de Junho de 2013 começaram pela esquerda e acabaram sequestradas pela direita golpista. Quanto antes o governo apresente uma proposta aceitável, tanto melhor para a democracia.

Por fim, convém assinalar que vemos com extrema preocupação qualquer medida de cerceamento do direito de greve ou de constrangimento dos grevistas nesta universidade, partam de onde partirem. A greve é uma decisão coletiva tomada em assembleia da categoria. Ela está prevista no Capítulo II da Constituição Federal que trata dos Direitos Sociais. Constranger esse direito, estimulando atitudes “individuais” ou “pessoais” de desrespeito às decisões coletivas é algo incompatível com a trajetória coletiva de construção da UNILA. E esta prática tem um nome: fura-greve.

Não seja um fura-greve. Informe-se e participe. A programação preparada pelo Comando Local de Greve contempla um conjunto de atividades intelectuais, artísticas e culturais destinadas a manter a universidade ocupada e mobilizada neste período excepcional. Muitas das quais são abertas a população de Foz do Iguaçu. Venham conhecê-la.

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