Guaranis vivem sob tensão no Oeste

26 anos após a demarcação da primeira reserva pós-formação do Lago de Itaipu, indígenas ainda enfrentam o dilema da luta pela terra e sofrem preconceito.

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Denise Paro, especial para H2FOZ

Vinte e seis anos após a criação da Reserva do Ocoy, em São Miguel do Iguaçu, a comunidade avá-guarani enfrenta um antigo dilema: a luta pela terra. Na década de 1980, antes da formação do reservatório de Itaipu, os guaranis viviam em 19 aldeias, entre Foz do Iguaçu e Guaíra, que acabaram submersas, segundo estudo da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). Hoje existem três reservas demarcadas e cerca de 30 áreas ocupadas, de acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai).

A maioria das ocupações está localizada nas regiões de Guaíra, Terra Roxa e Santa Helena. Conforme levantamento realizado pela Prefeitura de Santa Helena, 39 famílias com 141 pessoas, entre 85 adultos e 56 crianças, vivem em quatro áreas, ocupadas entre 2017 e 2018. Todas pertencem à Itaipu Binacional, são de preservação permanente e servem como faixa de proteção ao reservatório. Na cidade há ainda outra terra, de propriedade do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), com famílias guaranis acampadas desde 2008, cujo pedido de demarcação já foi feito pela Justiça.

Representantes da Prefeitura de Santa Helena, Ministério Público, Itaipu e indígenas têm realizado reuniões para chegar a uma solução. A tendência é a de que os guaranis sejam removidos para outra terra em razão da inviabilidade de ficar em áreas de proteção permanente.

A tensão no município é latente. Alguns índios relatam preconceitos e há receio, por parte dos produtores rurais, de que terras sejam invadidas. Os guaranis que estão no município são originários de diversas cidades, incluindo sul-mato-grossenses e do próprio Paraná.

Em março, cinco índios foram presos após terem sido flagrados pela Polícia Ambiental cortando bambu no Refúgio Biológico de Itaipu. Eles vivem uma área chamada Dois Irmãos, que faz limite com o refúgio.

Por enquanto, somente a área pertencente ao Iapar tem chance de ser remarcada. Em novembro do ano passado, o juiz Rony Ferreira, de Foz do Iguaçu, concedeu liminar ao Ministério Público Federal e estabeleceu um prazo de dois anos para demarcação e ampliação da Reserva do Ocoy, em São Miguel do Iguaçu.

No entanto, para executar as ações, é necessário que a Funai crie um grupo de trabalho e faça estudo técnico, demanda que não tem previsão de ser atendida de imediato pela falta de recursos e pessoal. “A Funai tem muita demanda e tem constituído poucos grupos de trabalho no Brasil todo. Teriam que ser criados mais de 500 grupos em todo país”, diz o chefe de serviço da regional da Funai em Chapecó (SC), Antonio Mariani.

Apesar de não haver perspectiva imediata para iniciar o trabalho em Santa Helena, Mariani adiantou que o estudo do grupo técnico que atua em Guaíra e Terra Roxa está em fase avançada. Com a finalização do trabalho, áreas podem ser demarcadas na região, onde hoje o embate entre indígenas e produtores rurais arrasta-se há mais de três anos. O grupo técnico da Funai é formado por uma equipe multidisciplinar com engenheiros, antropólogos e outros profissionais. O objetivo é avaliar a origem dos indígenas e a procedência da terra ocupada, entre outros aspectos.

Nomadismo

Apesar de ter o hábito de migrar, o guarani sempre retorna ao local de origem. – Foto: Marcos Labanca

A migração faz parte do DNA guarani. Povo nômade, o guarani enxerga o mundo sem as fronteiras estabelecidas pelo homem branco. Movidos pela liberdade de interagir com a terra, animais e plantas, eles cruzam países, estados e cidades, sem perder a percepção de estar em um só território.

A saga dos avá-guaranis na Região Oeste teve início em 1982, antes da formação do Lago de Itaipu. Nos anos 1970, um grupo vivia na Comunidade Tekohá Jacutinga, local rodeado por vários afluentes no Rio Paraná, Jacutinga, Oco’y, Guaviró, Bela Vista e Passo Cue. Com o alagamento das terras, os avás foram transferidos para a Reserva do Ocoy, em São Miguel do Iguaçu, uma área de 250 hectares.

Com o tempo, outros indígenas que viviam no entorno chegaram, alguns abandonados, sem moradia fixa ou considerados agricultores, conforme laudos feitos pela Itaipu Binacional, mas que de fato eram guaranis. “O Ocoy tornou-se um local seguro”, explica o professor e doutor em História Cultural Clóvis Brighenti, da Unila. Brighenti coordena o projeto de extensão “Memórias indígenas e reparação pedagógica na região de fronteira”.

Segundo Brighenti, até índios nascidos do Brasil, que estavam no Paraguai, fizeram o trajeto de volta para ficar no Ocoy. Esse trânsito causa até hoje a impressão de que muitos indígenas nascidos no Paraguai passaram a viver nas reservas brasileiras. A movimentação existiu, no passado, de acordo com o professor, mas se refere à minoria. Apesar de ter o hábito de migrar, o guarani sempre retorna ao local de origem.

Por ter estrutura, atendimento de saúde e escola, o Ocoy passou a atrair inúmeras famílias que não tinham terra própria, fato que provocou o inchaço populacional atual, levando à formação posterior das reservas Tekohá Añetete, com 1.774 hectares, e Tekohá Itamarã, com 242 hectares, ambas em Diamante D’Oeste. “O que precisa é garantir minimamente as terras para a população”, afirma Brighenti.

Casemiro: “quando começou Ocoy tinha 70 pessoas. Hoje tem quase mil.” – Foto: Marcos Labanca

A criação de mais duas reservas não resolveu a questão indígena. Ainda hoje, o Ocoy passa por sérios problemas em razão da falta de espaço para moradia e a reduzida área destinada ao plantio, ou seja, cerca de 48 hectares. “Quando começou Ocoy tinha 70 pessoas. Hoje tem quase mil”, informa Casemiro Pereira, 58 anos, representante da Comissão da Verdade Indígena.

Os índios plantam mandioca, milho, amendoim e batata-doce, criam galinha e pescam. Algumas famílias vendem parte da produção. Como nem todos os indígenas conseguem sobreviver da agricultura, alguns tornaram-se professores, agentes de saúde, diaristas. Outros trabalham em frigoríficos na região e também são aposentados. A Itaipu fornece cestas básicas às famílias.

Linha do Tempo – Veja a movimentação guarani na região 

1982 – Famílias que viviam na Comunidade Jacutinga, região de Três Lagoas, são transferidas para a então recém-criada Reserva Ocoy, em São Miguel do Iguaçu (antiga Vila Gaúcha), em razão da formação do reservatório de Itaipu.

1994 – Índios ocupam o Refúgio Ecológico de Bela Vista, da Itaipu, em busca de mais espaço. A Reserva do Ocoy era insuficiente para abrigar todas as famílias desalojadas.

1997 – Após a pressão, Itaipu adquiri uma área de 1.744 hectares no município de Diamante D’Oeste, formando a Reserva Tekohá Añetete.

2001 – Um grupo deixa a Reserva do Ocoy e se instala em uma área em Diamante D’Oeste.

2007 – Após pressão, a área de 242 hectares é demarcada e se torna a Reserva Tekohá Itamarã, vizinha à Tekohá Añetete.

2009 – Famílias deixam a Reserva Tekohá Añetete para ocupar uma faixa de terra próxima à Base Náutica de Santa Helena, pertencente ao Iapar.

2013 – Um grupo de famílias deixa Ocoy e ocupa uma área dentro do Parque Nacional do Iguaçu. Com o tempo, acabam retornando à reserva.

2014 – E maio, um grupo de 40 famílias deixa o município de Santa Helena para ocupar a Base Náutica de Itaipulândia, local denominado Tekohá Itacorá.

2017 – Um grupo de dez famílias ocupa uma terra em Santa Helena pertencente à Itaipu. No mesmo ano, mais duas áreas da hidrelétrica são ocupadas na cidade.

2018 – Um grupo de 14 famílias ocupa outra área em Santa Helena que pertence à Itaipu.

 

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