Aida Franco de Lima – ARTIGO
Nós, que temos o privilégio de termos água disponível a qualquer instante na torneira, só damos o valor real a esse líquido precioso quando ele falta. A gente liga a torneira de modo automático, sem pensar na origem da água e sobre o quanto ela é indispensável. Fique um dia sem água na sua casa, irá notar como esquece rapidamente que não a tem, só percebendo quando abrir a torneira e não cair nada…
Na meteorologia, ainda dizem que tempo bom é tempo com sol, e tempo nublado é ruim. Será mesmo? Nesta semana uma espera ansiosa pela água tomou conta das redes sociais, e uma contagem regressiva teve início em torno da “sangria” do açude Gargalheiras, em Acari, região do Seridó, no Rio Grande do Norte.
A tal “sangria” é o fato de o açude estar tão cheio que transborda e compartilha o excesso de sua água com demais açudes que estão no seu caminho. Como uma cascata de taças de champanhe, o açude transbordou e deixou inebriada uma plateia que assistia a seu espetáculo.
A festa tem um motivo ainda maior que o açude, porque significa que as comunidades daquela região terão água assegurada por este ano e o seguinte.
Uma cerimônia laica tomou conta do entorno de suas margens, com fogos, rezas e danças diante do tão esperado “parto”. Tal qual como ocorre na virada do ano, em que uma parcela da humanidade se renova de esperanças, o transbordamento da água significa o renascimento de um novo horizonte. Há 13 anos não chovia o suficiente ao ponto de o reservatório transbordar.
O nome oficial do açude é Barragem Marechal Eurico Gaspar Dutra, e os estudos para a construção da obra tiveram início em 1908, quando durante uma grande seca proprietários rurais e igreja reivindicaram aos governantes a construção do açude como modo de enfrentar a seca recorrente.
Gargalheiras é por conta do aspecto geográfico das serras do Rio Pai Pedro, Minador e da Lagoa, por onde passa o Rio Acauã, e faz uma espécie de gargalo. Mas poderia, sim, ser por conta do sorriso e gargalhadas da comunidade, que sabe a importância da água, com seu contentamento não cabendo em si. Por ver a água jorrando…
Considerado patrimônio histórico, cultural e geográfico do Rio Grande do Norte, o açude fez parte do cenário do filme Bacurau, de 2019, que estava completamente seco.
Inaugurada em 1959, a construção de tal obra certamente teve um impacto ambiental que naquele período não devia ter sido discutido como seria hoje. A diferença talvez esteja no custo-benefício de um reservatório que segura a água. Um tanto diferente do que temos visto hoje em dia, principalmente em virtude da expansão imobiliária, de rios sendo sufocados para dar lugar a loteamentos e malhas viárias.
Enquanto um lado do Brasil comemora a fartura de água, outras partes não valorizam a presença desse líquido, porque há em abundância, porque basta ligar a torneira ou o sistema de irrigação. Esse pensamento precisa mudar, com urgência. Precisamos aprender a dar valor à água durante a sua presença, e não depois que a torneira seca.
Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.
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