Quando não era permitido sonhar com a graduação

O acesso ao ensino superior deveria ser um direito universal, sem obstáculos impostos por classes sociais.

Aida Franco de Lima – OPINIÃO

Aprovações de pais e filhos em mesmos vestibulares, como foi inclusive noticiado recentemente por este H2FOZ, em relação a Vitor Gabriel e sua mãe, Irene Cecília Cagol, no curso de Engenharia Elétrica da Unioeste, campus Foz do Iguaçu, são motivos de comemoração em dose dupla. E se recuarmos no tempo, há umas três décadas, era algo quase impossível.

A geração que hoje está na casa dos 50 anos não teve as mesmas condições, que hoje seus filhos encontram, de entrar em uma faculdade para sentar nos bancos de estudo e não para apenas prestar serviço. Para as camadas menos favorecidas, entrar na universidade era algo distante, um sonho que não era permitido ter.

Tal sonho de fazer uma graduação era reservado somente a uma fatia da sociedade brasileira: a que tinha melhores condições econômicas ou que conseguia, no limite dos seus sacrifícios, bancar os estudos de um filho. Portanto, muita gente se dava por satisfeita se concluísse o ensino médio. Graduação era objeto de desejo que não cabia no orçamento real.

Era uma corrida de obstáculos para a qual uma boa parte dos concorrentes não tinha condições de preparar-se, por isso nem se inscrevia!

Terminar o ensino médio ou segundo grau, como se denominava, já era um bom desafio. Mas daí a estar apto a concorrer para uma disputadíssima vaga em universidade pública era uma competição em que os filhos das famílias que não tinham dinheiro, e insistiam em participar da disputa, já saiam muito atrás dos demais.

Já fazia parte do ritual engatar o terceiro ano com um cursinho. Poderia até surtir efeito placebo, porém frequentar um cursinho dava mais segurança para enfrentar o desafio do vestibular. E quanto mais caro e famoso o nome da escola, mais o candidato metia medo nos demais.

Vencida essa etapa, vinha aquela outra que fazia com que muita gente nem se desse ao luxo de sonhar com um curso superior. Ocorre que as ofertas eram muito escassas, com as universidades alocadas em grandes centros, e o calouro se obrigava a morar fora de casa para estudar. E de uma hora para a outra, as famílias, com orçamentos já apertados, viam-se desafiadas a manter a estada de um filho fora de casa.

Hoje, em pleno 2024, a situação mudou drasticamente. Sim, ainda há vestibulares concorridíssimos. Contudo o fato é que aumentaram de modo exponencial as chances de uma pessoa de baixo poder aquisitivo acessar o ensino superior – como sempre deveria ter sido –, até chegarmos ao cenário em que não seja necessário haver seleção e as pessoas possam entrar em uma universidade sem passar por peneiras, para aprofundar-se no conhecimento humano e cultural ou para uma habilitação técnica.

Além da expansão dos campus das universidades públicas, com a ampliação da oferta de cursos, o surgimento das universidades particulares também tem parcela de importância nesse processo. Ocorre que, há três décadas, se entrar em uma instituição pública era uma maratona, uma particular significava os olhos da cara!

A implementação de mecanismos como o Sisu (Sistema de Seleção Unificada), ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e PAS (Processo de Avaliação Seriada), com a designação das cotas, foi uma medida essencial para assegurar que as portas de uma graduação não se fechem diante das diferenças socioeconômicas.

Aliás, o EaD (ensino a distância) tem significativa importância a uma camada que não teria outros meios de estudar, não fosse por meio de uma mídia. Claro que há de se diferenciar as empresas do ramo educacional que tão-somente caçam níqueis. Do mesmo modo que é arriscado pôr a mão no fogo em nome da credibilidade de uma instituição só porque ela é presencial.

Hoje ainda existem obstáculos, ainda mais quando falamos de cursos integrais, que não permitem que o estudante tenha uma fonte de renda. Ou aqueles megaconcorridos, que exigem uma pontuação muito alta que nem sempre o ensino da rede pública consegue proporcionar para uma disputa de igual para igual. A falta de acessibilidade tecnológica se soma a isso.

Mas, sem sombra de dúvida, a geração atual não sabe o que é não ter o direito de sonhar com uma graduação, seja onde for. E ter o sonho reprimido porque a divisão de classes sociais fazia com que os mais pobres só acessassem uma universidade para servir aos demais, e não a seus ideais.

Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.

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