Aida Franco de Lima – OPINIÃO
Nem vou falar da humanidade de modo geral, mas restringir-me ao Brasil, que já tem problemas demais para resolver. Em vez de nossos políticos se preocuparem com situações reais que afetam nossa sociedade, o que boa parte deles faz? Afunda-se nas pautas de costumes.
É como se mais nada de importante tivessem para fazer e resolvem mexer em assuntos os quais a sociedade já digeriu. Assim, revolvendo temas elucidados, desviam o foco para a solução dos novos problemas.
Durante a semana que passou, a sociedade brasileira gastou energia para discutir o Projeto de Lei n.º 1904/24. Se aprovada, a proposta quer transformar em crime de homicídio o aborto do feto que tiver mais de 22 semanas. Mesmo que ele tenha sido concebido a partir de um estupro. Mesmo que a vítima seja uma criança. Assim, as vítimas de estupro poderiam ficar mais tempo aprisionadas que os estupradores.
Os políticos que se aproveitam desses temas para usar o nome de Deus e dizer que defendem a moral e os bons costumes, normalmente, são os mesmos que também defendem que os bebês, depois de virem ao mundo, tenham sua maioridade penal reduzida. São os que alegam que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) atrapalha e que bandido bom é bandido morto.
A bancada evangélica, salvo raras exceções, nada de braçada nas pautas de costumes porque joga os fiéis e eleitores no mesmo balaio de gatos, assim como usa o microfone das Casas de Leis e das Casas de Deus para um discurso só: “O inferno são os outros.” Empunhar a bandeira de ser contra o aborto é vender um tijolinho para o céu.
Essa mesma bancada, se preocupada estivesse, estaria tratando da legislação que fala do estuprador, e não penalizando a vítima. Ela estaria defendendo educação sexual nas escolas, para que as crianças soubessem denunciar qualquer ameaça de estupro. Assim, não precisariam abortar, porque não seriam violentadas e muito menos engravidariam.
Essa bancada está preocupada com o engajamento nas redes sociais, no Instagram, no Facebook, no TikTok. Porque cada vez que alguém comenta, mesmo sendo contra, está havendo visualizações. E o povo vai votar no nome que conhece, independentemente do motivo.
É essa mesma bancada que fala de Deus, mas prega a perseguição religiosa. É a mesma que lê a Bíblia e interpreta ao pé da letra, afirmando que o homem tem de reinar absolutamente sobre todas as criaturas e, portanto, afrouxar as leis que protegem a natureza. Tão preocupada que está com o feto, mas se puder o mata de inanição, quando declara que programas sociais, como Bolsa Família, são bolsa esmola.
Queria ver essa bancada discutindo rede de esgoto, geração de emprego e renda, energia renovável, reciclagem de lixo. Queria ver esses políticos apoiando as pesquisas das instituições de ensino públicas.
Pauta de costumes é isso. O planeta pegando fogo ou afogando-se, literalmente, e determinados segmentos políticos pouco importando-se. A sociedade brasileira, que antes era mais pacífica e cordial, está virando uma terra em surto, em que falsos profetas usam o nome de Deus para eleger-se e transformar as bancadas legislativas em uma tropa de alucinados.
As eleições estão chegando. Mentir é pecado capital, mas parece que espalhar notícias falsas é outra grande promessa de um lugar ao céu. A pauta de costumes é uma alucinação que tiram da gaveta, principalmente em período eleitoral, para que os reais problemas que afetam nosso cotidiano não sejam questionados.
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