Aida Franco de Lima – OPINIÃO
O noticiário nacional emplaca a informação de que Padre Júlio Lancellotti seria alvo de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Câmara dos Vereadores de São Paulo. Na lista de assinaturas que pediam tal procedimento estava inclusive o nome do vereador de São Paulo Thammy Miranda (PL), que retirou a assinatura justificando não saber que a investigação envolveria o padre.
Para quem não sabe, Thammy é homem trans e foi defendido por Padre Júlio quando estrelou uma campanha da Natura, pelo Dia dos Pais, e sofreu ataques transfóbicos. O padre saiu em sua defesa.
Dessa situação toda, concluímos que aqueles que retiraram a assinatura alegando desconhecer que se tratava de algo para investigar Padre Júlio comprovam que podem também não ler inúmeros outros projetos que assinam. De outro modo, os que mantiveram as assinaturas são hipócritas mesmo.
Padre Júlio incomoda muita gente que não admite que a humanidade precisa chegar a todos, inclusive aos usuários de drogas pobres. Afinal, usuário de droga rico, parece trecho da música Caviar, interpretada por Zeca Pagodinho: “Nunca vi, só ouço falar.”
Padre Júlio faz trabalhos comunitários desde muito antes de existir internet. No final dos anos 1990, quando não havia conhecimento suficiente sobre os modos de transmissão e controle do HIV, foi Padre Júlio quem estendeu os braços para crianças órfãs infectadas.
O mesmo padre trouxe a público o modo como é praticado o conceito da aporofobia, que é uma espécie de aversão e rejeição a pobres. Um ato muitas vezes imperceptível para a parcela da sociedade que não precisa dormir em espaços públicos com objetos pontiagudos, por exemplo.
Sua atuação nas periferias de São Paulo, levando comida para usuários de drogas, joga luzes sobre uma parcela da sociedade cuja presença incomoda a ponto de ser repelida pela polícia, mas não sensibiliza o suficiente para ser resgatada por políticas públicas.
Recentemente, o padre foi novamente alvo de acusações que tentam macular seu trabalho, justamente por parte daqueles que se dizem de “Deus, pátria e família”. Que família é essa que prega que membros de outras famílias já destruídas pelas drogas sejam massacrados e morram de fome diante de nossos olhos?
Em qual parte da Bíblia, com a qual muitos dos que desferem ataques gostam de desfilar sob os braços, está escrito que o bom samaritano só é bom se levar água ao rei? Em qual página diz para apedrejar quem olha para o leproso, à prostituta e até mesmo ao ladrão na cruz?
As acusações contra Padre Júlio são as mais sórdidas possíveis e feitas não com o intuito de senso de justiça, mas sim em busca do linchamento moral para impedir que suas ações práticas continuem. Em tempos de inteligência artificial, a cada dia temos mais motivos para desconfiar não dos acusados, e sim dos interesses de quem se apresenta como Sherlock Homes contemporâneo.
As ações humanitárias incomodam também os gestores públicos, omissos diante dos problemas sociais. Jogar luzes sobre uma multidão que é condicionada a viver à margem da sociedade expõe a fragilidade das políticas públicas. E muitas vezes mostra também a falta de tato dos gestores, que mesmo com estrutura e verbas fazem muito menos, proporcionalmente, que voluntários e ONGs (organizações não governamentais).
Acusações, notícias falsas, relatórios, dossiês. Quem tem tempo para ocupar-se com esses mecanismos não está em nada preocupado com violência social ou desigualdade. Aproveita-se do brilho do outro para tentar sair da escuridão.
Tentar imobilizar Padre Júlio Lancellotti com uma investigação oportunista e sem materialidade significaria prostrar uma das mais importantes mãos estendidas às pessoas que são invisibilizadas pela sociedade, doação humana em prol dos vulneráveis que inclusive incentiva trabalhos sociais por todo o país. O movimento que levantou a voz em defesa dessa missão demonstrou que o obscurantismo não terá êxito.
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