Os jogos são de azar!

Sonhando com fortunas, apostadores perdem até os bens das famílias e mesmo as vidas.


Aida Franco de Lima – OPINIÃO

A liberação dos jogos de azar online, sob o discurso de que eles serão regulamentados a fim até mesmo de orientar os jogadores para que esses não ultrapassem os limites, é algo que soa risível. Se não fosse triste. Estamos diante de mais um trem descarrilado rumo à sociedade já bem desregulada.

Os jogos sempre estiveram presentes na nossa história, como forma de entretenimento, de disputa, de possibilidade de guinada mesmo. Quem nunca sonhou com aquela bolada de dinheiro para mudar o rumo da vida? Mas entre sonhar e ganhar há uma longa barreira, que é ganhar e mesmo jogar.

No universo não digital, digamos lá no tempo de minha avó, que sempre gostou de fazer uma fezinha, ela tinha de ir até a lotérica. Isso exigia disposição. Exigia planejamento também. Aliás, uma série de pré-requisitos com os quais muitos de nós não sabemos lidar em meio a uma crise de ansiedade generalizada, pois queremos tudo para agora; como nos jogos online, em que o jogador imagina mudar de vida no próximo minuto. E, realmente, muitos mudam. A maioria, 99% quem sabe, muda para pior, financeiramente dizendo. Afundam-se em dívidas impagáveis.

As notícias de pessoas que foram às últimas consequências por conta dos jogos não bastam como alerta. Elas ficam ofuscadas diante do brilho sedutor que os inúmeros mecanismos de apostas oferecem – e agora com o aval dos congressistas brasileiros.

São muitos os relatos de pessoas que caem na areia movediça dos jogos e arrastam, além de suas finanças, os bens das famílias. A maioria, envergonhada, prefere não divulgar o nome. Como no caso de uma avó, a qual relata que, após o neto perder carro e dinheiro, deu um golpe de R$ 200 mil na empresa em que trabalhava. Sem alternativa, a avó entregou a casa no valor de R$ 300 mil para quitar a dívida.
Recentemente, na cidade de Arapiraca, em Alagoas, uma mulher de 30 anos foi presa por dar um golpe de R$ 20 mil em uma rede de farmácias na qual trabalhava havia somente 16 dias. Viciada em jogos de apostas online, ela admitiu em depoimento que, no terceiro dia de trabalho, iniciou os desvios do caixa.

Em outro caso, a cearense Ângela Maria Camila da Paz, de 39 anos, entrou para as estatísticas como mais uma das vítimas dos jogos virtuais. O ritual foi o mesmo que acontece com todo jogador seduzido a apostar. Se ganha, quer mais. Se perde, quer recuperar o que perdeu. Ângela foi fisgada pela sorte de principiante, quando conseguiu ganhar R$ 10 mil. Então, apostou, inclusive, os bens da família. E tirou a própria vida quando se viu diante de uma dívida de mais de R$ 1 milhão feita para financiar as apostas.

Os influencers são os grandes disseminadores dos jogos, pois ostentam nas redes sociais vidas luxuosas, e ao promoverem essas plataformas acabam por induzir os seguidores a acreditarem que a sorte realmente está do outro lado da tela. O Jogo do Tigrinho é um dos mais divulgados. Até crianças de 6 anos são induzidas a jogar.

Os jogos online, que eram proibidos no Brasil e passam a ser liberados após a regulamentação, são mais uma espécie de droga lícita, diante da qual a pessoa precisa ter muito autocontrole para não se tornar refém.

Nesta última semana, o Instituto Conhecimento Liberta – ICL Notícias iniciou uma campanha intitulada #ApostasMatam. Seu principal garoto-propaganda é o influenciador Felipe Neto. Ele afirma que o maior erro de sua vida foi ter feito divulgação para casa de aposta. A campanha tem o intuito de pedir aos influenciadores a não fazerem propaganda para empresas de apostas.


“De acordo com dados de um estudo macroeconômico realizado pelo banco Itaú, cerca de sete milhões de brasileiros estão endividados por causa das apostas. Dois de cada três apostadores já deixaram de comprar algum item de necessidade básica por conta do dinheiro gasto com as ‘bets’ (apostas).” – ICL Notícias.

De um lado estão os empresários, que lucram com uma clientela em busca da riqueza imediata; o governo, de olho nos impostos; os influencers, faturando com seus anúncios. No outro lado da corda, o cidadão e seus boletos. A corda, como se diz, sempre arrebenta do lado mais fraco, e nesse caso, muitas vezes, com vítimas que perdem a vida.

O governo, pelo visto, realmente quer pagar para ver. Mas será que nossa sociedade está preparada para lidar com mais esse vício, agora legalizado?

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