Aida Franco de Lima – OPINIÃO
Na década de 90, havia na televisão propagandas indecorosas. E todo mundo achava normal. Como aquele cigarrinho de chocolate, da marca Pan, lançado em 1941, com que crianças de tais épocas brincavam de fumar e depois já devoravam o doce. Ele tinha um papel laminado, prateado, que dava um charme ainda maior e era vendido em uma caixinha que lembrava o produto de referência.
Do mesmo modo, tinham as propagandas mais envolventes, com esportes radicais ou mesmo com cenas do velho oeste americano, para vender cigarro também. Até festival de música pegava carona na fumaça da indústria tabagista.
Hoje, tais propagandas foram banidas e há a contrapropaganda, em que a própria indústria se obriga a informar que o produto faz mal à saúde. Mas de cigarro já imaginamos saber os malefícios. E ainda assim estamos vendo a adesão cada vez maior ao eletrônico. Prático, discreto e terrivelmente maléfico. É a inovação também no método de agredir a saúde individual e coletiva.
Não bastasse o cigarro e outras drogas lícitas, estamos diante não mais de um ameaça, mas de uma realidade horrenda, que são as bets. Sim, mais uma vez falando nesse assunto… As notícias a respeito dos casos de pessoas que perderam a vida ou os bens surgem tais quais os anúncios virtuais, por todos os lados.
E mais, celebridades que teoricamente não precisariam sujeitar-se a esse tipo de anúncio emprestam o rosto para seduzir a criança que tem no ídolo do futebol um exemplo. Há relatos de menores que estão deixando de comer o lanche na escola para realizar as apostas.
Há alguns anos, um banco do estado de Minas Gerais que oferecia crédito muito facilmente a idosos, que podiam contratar via telefone, foi autuado pela Justiça. Precisou fazer uma campanha para incentivar o uso do crédito responsável, pois as parcelas infinitas estavam abocanhando o dinheiro que seria para necessidades básicas, como alimentação, moradia e remédios.
- E agora é a rede bancária que está preocupada com a situação. O problema é o superendividamento das famílias, comprometendo a renda de tal modo que irá provocar inadimplência no cartão de crédito. E com isso a engrenagem poderá alavancar as taxas de juros. A estratégia, para 2025, é não permitir que as apostas sejam pagas com cartão de crédito. Mas ninguém vai impedir que o dinheiro para pagar o cartão de crédito seja usado para apostar nas bets. No último mês de agosto, o Banco Central detectou que usuários do Bolsa Família injetaram 3 bilhões, via pix, nas apostas virtuais.
Estamos diante de uma pandemia, em que poucos lucram e muitos se contaminam. O vício em jogar, em tentar o último centavo na expectativa de recuperar o investimento, deixa todos no mesmo barco. Porém uns em águas mais obscuras que outros, principalmente as famílias de baixa renda que apostam o que não têm em busca da virada. A adrenalina que apostas geram leva o jogador a uma montanha-russa. Se ganha, joga mais para continuar ganhando. Se perde, aposta mais para recuperar. Quanto mais rápida essa montanha, mais viciante. Estudos demonstram a semelhança no ato de jogar com o ato de consumir anfetaminas.
E diante de todos os alertas dos especialistas e reportagens com depoimentos, o que temos é uma invasão de anúncios por todos os lados, com celebridades do mundo do entretenimento emprestando a imagem para assentir com os jogos, que, sabem, é encontrar agulha no palheiro.
Talvez daqui a algumas décadas, tal como os cigarrinhos da infância, as gerações futuras olhem indignadas e se perguntem como foi permitido. Ou não, talvez essas estejam entretidas demais apostando ou pitando.
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