Aida Franco de Lima – OPINIÃO
Na última quarta-feira (15), no Rio de Janeiro, uma mãe desesperada, ao ver o filho passar mal dentro de um ônibus com as janelas vedadas e ar-condicionado desligado, quebrou as janelas do veículo. O motorista teria se recusado a abrir as portas. Com os termômetros registrando 36°C, a sensação térmica chegou a 55°C.
O caso repercutiu, e o prefeito Eduardo Paes informou que a prefeitura irá deixar de dar subsídios para empresas que circularem sem ar-condicionado. Uma decisão judicial assegura o direito de as empresas não renovarem parte da frota ou a manterem ar-condicionado em seus veículos. Também um motorista, que pare fora do ponto, está sujeito à demissão, se algo grave acontecer.
Nesse sábado (18), a notícia da morte da universitária Ana Clara Benevides Machado, de 23 anos, que aguardava o show da cantora norte-americana Taylor Swift no Estádio Nilton Santos, o Engenhão, no Rio de Janeiro, tomou conta das redes sociais e obrigou as autoridades do Judiciário e Executivo a agirem de modo enérgico.
Ana chegou ao estádio pela manhã. Por volta das 20 horas, desmaiou e, ao chegar ao hospital, não resistiu. A sensação térmica no estádio teria atingido a marca de 59,3°C. No sábado, quando os fãs já estavam no local, para o segundo show da turnê, foi anunciado o adiamento. Ainda não há um laudo da causa da morte da estudante, e a família está contando apenas com o apoio de fãs da artista, para transladar o corpo do Rio até o interior do Mato Grosso. Ana foi realizar o sonho de sua vida, e a perdeu!
Além do tempo na fila e da temperatura extrema, uma série de fatores motivaram os mais de mil desmaios no evento, cuja organização proibiu a entrada no local com garrafas de água. Com a morte de Ana, as autoridades começaram a movimentar-se.
As pessoas jurídicas envolvidas passaram o sábado dando explicações e sinalizando para mudanças necessárias para um megaevento artístico em meio a um megaevento climático! A empresa organizadora, T4F, anunciou a permissão para o público entrar nos próximos shows com água e alimento lacrado. O ministro Flávio Dino escreveu em suas redes sociais:
A partir do sábado (18), por determinação da Secretaria do Consumidor do Ministério da Justiça, passou a ser permitida a entrada de garrafas de ÁGUA de uso pessoal, em material adequado, em espetáculos. E as empresas produtoras de espetáculos com alta exposição ao calor deverão disponibilizar água potável gratuita em “ilhas de hidratação” de fácil acesso. A medida vale imediatamente.
E qual é a lição que esses casos nos apontam? A criança que passou mal no ônibus e a estudante que foi ao show e não voltou para casa são vítimas do apego excessivo ao lucro, por parte das corporações, em detrimento da qualidade de vida e da própria vida do cidadão. No Rio ou em Foz, como era o transporte público antes, durante e agora pós-pandemia? Como os eventos que reúnem multidões estão sendo planejados diante das intempéries da natureza cada vez mais impactantes?
É de questionar-se quando uma empresa entra na Justiça para ter o direito de não oferecer ar condicionado a passageiros que usam o transporte público em uma cidade quente como o Rio de Janeiro. É, no mínimo, vergonhoso quando uma empresa proíbe que os pagantes entrem em um espaço sem direito a levar sua própria garrafa de água, estando uma temperatura escaldante.
Em pleno ano de 2023, falar do direito ao ar e à água lembra muito o cenário de filmes apocalípticos que migraram para o mundo real. E esse roteiro vai ficar cada vez mais trágico enquanto o direito coletivo chegar depois do lucro a qualquer preço.
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