Aida Franco de Lima – ARTIGO
O crime que culminou na morte de Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, cuja única vítima que sobreviveu foi sua então assessora Fernanda Chaves, que foi viver um tempo fora do Brasil, para amortizar o trauma, avançou uma casa no mar de dúvidas em que foi cometido.
A Cidade Maravilhosa, o Rio de Janeiro, parece ser muito mais linda para quem vive à margem das leis e garante para si a impunidade. Traficantes e milicianos reinam absolutos, visto que o nome já deixa claro, o crime é organizado. Muito diferente do poder público, que recolhe nossos impostos, religiosamente, e praticando os mesmos pecados que os fora da lei.
Tão organizado é o crime que ele tem mais tentáculos que uma junção de polvos pigmeus que resistem à poluição da Baía de Guanabara.
Domingo nem é dia de noticiário, os programas televisivos revezam os plantonistas e as notícias. Mas no dia 24 de março o ritmo foi outro. Os três principais acusados de contratarem os matadores de aluguel da então vereadora, que poderia representar uma pedra no caminho dos acusados, foram pegos em suas camas e hoje estão, no mínimo, em maus lençóis, amarrotados, talvez.
Dentre as inúmeras justificativas que levariam a esse crime, uma gira em torno de falso modelo de desenvolvimento urbano que toma conta das cidades, que é a legalização das irregularidades. Eu já tratei desse assunto aqui, quando comentei como as secretarias de Meio Ambiente são transformadas em carimbadoras, apenas para dar aval aos novos loteamentos.
No caso do Rio, ao menos é o que é alegado até agora, um projeto de regularização fundiária, defendido pelo então vereador Chiquinho Brazão, em relação ao qual a bancada do Psol foi contrária. O partido de Marielle teria sido a gota d’água. Uma espécie de recado para que o caminho não fosse bloqueado.
O então vereador, que era do Avante, avançou para o cargo de deputado federal pelo União Brasil e, quando o crime foi cometido, as meninas de seus olhos brilhavam em torno do Projeto de Lei Complementar n.º 174/2016, que pretendia regularizar loteamentos controlados pela milícia, como Jaguarepaguá, Itanhangá, Vargem Pequena e Vargem Grande.
Quando o Psol votou contra o projeto, disse não a uma prática que vai além do Rio de Janeiro. Uma prática sinistra em que o lobby do latifundiário urbano é muito bem articulado. São nas sessões sonolentas das câmaras dos vereadores, com projetos tramitados em regime de urgência, que quase ninguém percebe nas comissões diversas, que as cidades crescem de acordo com os interesses dos especuladores imobiliários.
Os termos técnicos, os artigos e parágrafos, as emendas modificativas, e assim por diante, que pouca gente entende, são votados com sucesso. E desse modo aqueles terrenos que pouco valiam, aquelas áreas que não poderiam ser ocupadas, por exemplo, dão lugar a outros empreendimentos endossados pela lei.
Loteamentos irregulares, no meio do nada, em que as pessoas compram terrenos com as economias que conseguiram juntar. Que não dão direito a ligações de água e luz, nem em sonhar com rede de esgoto, escola ou posto de saúde, são transformados em minas de dinheiro para quem tem acesso à legalidade concebida pelas câmaras.
E assim segue o baile. Seja no Rio ou Paraná. O problema é que a lei não é para todos – e para muitos o crime compensa, porque ele é organizado. Como não é o Estado.
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Excelente artigo. Aqui em Foz basta ver os loteamentos que atendem às demandas da especulação imobiliária e como os órgãos públicos dão aval para tal prática, de maneira irresponsável.