Por AIDA FRANCO LIMA | OPINIÃO
Eu não sei quando foi que começou e muito menos onde vai parar esta história de estacionamento recuado, com guia rebaixada. Quer queira ou não, é mais uma forma de privatizar o espaço público e ainda por cima condenar as árvores. E isso virou uma praga urbana, por todas as cidades, e parece que pouca gente está disposta a estacionar nesse vespeiro.
Há muitos anos, levei minha mãe ao médico e não havia onde estacionar. Entrei no estacionamento da clínica ao lado, só para dar o tempo de ela descer, levá-la até a clínica específica e ir estacionar em outro local. A secretária fez um escândalo e exigiu que eu retirasse o carro. Sob protesto, fiz, para não deixar minha mãe nervosa. Mas veio um outro motorista, entrou na vaga, deixou o carro ali e foi pra outro lugar. O castigo veio a galope, porém em um puro-sangue.
Repare na cidade em que você mora, principalmente onde há novos prédios, como grandes redes de farmácias e supermercados. É um monopólio completo. Primeiramente destroem o que há no local, não importa se é um prédio com arquitetura rara ou que tenha memória afetiva. O passo inicial é demolir tudo. Não raro, as árvores vão junto.
Quando a obra está pronta, normalmente aparenta uma caixa de sapato com muitos vidros. Espécie de “não lugar”, como definiu Augé em 1994. Uma coisa fria, sem possibilidade de vínculos, onde habitam todos os tempos verbais do verbo consumir. E então vêm estacionamentos que tomam o lugar do pedestre e, para acompanhar, as placas com os dizeres: privativo para clientes. As árvores? Ah, coisa do passado. Afinal, como plantar árvores se os carros precisam acessar o espaço que era para o pedestre?
E aí a coisa complica. O que soa como facilidade para o cliente é um transtorno aos demais usuários do espaço público, pois é um entra e sai de veículos na calçada, um corta árvore daqui e dali para dar lugar aos automóveis e, ainda por cima, os estabelecimentos querem que apenas os seus clientes ocupem as vagas!
O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) não diz que basta recuar a vaga para fazer uma espécie de usucapião daquele espaço. Há regras, vide Resolução 302/2008, que normatizam o que podem ser consideradas vagas privativas em espaços públicos. São elas: veículos de aluguel, como táxi; deficiente físico; idoso; carga e descarga; ambulância; estacionamento rotativo; estacionamento de curta duração; à polícia. Ou seja, se não extrapolar esses quesitos, você pode sim estacionar mesmo que não for cliente.
Mas vamos supor que a empresa não rebaixe a guia, possibilite que os estacionamentos rentes ao meio-fio sejam usados normalmente. Que tudo esteja de acordo com as regras do município, que se providencie a entrada e saída dos veículos sem tomar conta de todo o espaço público. E as árvores?
E o direito do cidadão comum, que só precisa deixar seu carro para resolver um problema em lugar qualquer, que não seja exatamente onde estacionou? Até quando vamos aceitar que nossas cidades sejam adaptadas aos veículos particulares em detrimento do verde, um bem comum? Até quando os órgãos responsáveis irão permanecer estacionados em suas zonas de conforto?
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Texto necessário, muito bom a escrita, parabéns!
Show de bola o texto, isso é influência do péssimo urbanismo estadounidense, onde o carro é o foco dos projetos urbanísticos
Cada um tem uma percepção de mundo, na minha visão ela escreveu todo esse texto porque foi contrariada em sua vontade de, por conveniência, estacionar seu carro em um espaço reservado aos clientes de um certo estabelecido. Talvez se alguém não tivesse estacionado indevidamente, como ela pretendeu fazer, na vaga do consultório que ela queria levar sua mãe, ela não teria passado por isso.
A moral da estória é que o egoísmo é uma merda.
Esperar o quê numa cidade, onde a calçada é alocada para as mesas de um restaurante. Nada de anormal.
Excelente texto, é a pura realidade. O que me indigna mais é a supressão das árvores, são as primeiras a pagarem o pato. Alguém lá no passado já demonstrava mais inteligência ao plantar tantas árvores em Foz. Porém pelo que vejo diáriamente elas vão se acabar brevemente. Somente aqui no centro da cidade são centenas de “tocos” velhos e novos e nenhuma nova árvore replantada. Eu desafio a alguém responsável num passeio comigo, para vermos in loco. Mas o mais triste é que nós temos exemplo pronto é só seguir a nossa capital, a cidade mais eficiente da América Latina. Será que os nossos administradores nunca viajam a Curitiba? Ou não querem ver?