Dona Olinda entre os carros é um soco no estômago

Dona Olinda, 78, arrisca-se entre os carros, vendendo seus torrones, na expectativa de melhorar sua qualidade de vida.

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Aida Franco de Lima – OPINIÃO

A história de Dona Olinda, narrada em vídeo por meio da parceria entre Izabelle Ferrari – Assessoria de Comunicação e H2FOZ, permite várias nuances de uma mesma situação. Mas a principal: falhamos como sociedade.

Dona Olinda tem  o estereótipo daquela  vizinha ou avozinha que nos convida para entrar e, enquanto passa um café gostoso, conta coisas do passado. Porém ela não tinha dinheiro nem para o pão nosso de cada dia! E foi buscá-lo nas ruas, depois de uma conversa com Deus, quando surgiu a ideia de vender torrones.

Em vez de arriscar-se  entre os carros, até tarde da noite, Dona Olinda deveria estar em casa, aproveitando uma poltrona confortável, descansando as pernas, após uma jornada de 78 anos. Ou, quem sabe, viajando para algum local sagrado,  jogando conversa fora, vendo novela, conversando no “zap”, praticando um hobby, que não seja roleta-russa entre os veículos. Isso nunca foi ou será diversão.

Restou à Dona Olinda praticar corrida entre obstáculos, para complementar a pensão que seu companheiro lhe deixou, quando a vida se foi.

E ela não está sozinha, pois em outros cantos e vielas do Brasil há uma fatia da população que chegou à denominada “melhor idade”, contudo não sabe o que é usufruir o recheio desse bolo. Só pega as migalhas, e olhe lá! Que faz da informalidade uma espécie de estepe para a aposentadoria, benefício ou pensão, obrigando-se a escolher entre o remédio e o pão na mesa.

Hoje muitos de nós nem usamos mais dinheiro em cédula. E como  comprar torrone no PIX se o sinal abre mais rápido que o aplicativo? E quem não a xinga tem mesmo vontade de fazer como o casal do vídeo, ir para casa buscar “vintão”. 

Eu já fiz e faria o mesmo, e talvez você que esteja lendo também, em ocasiões similares. Isso ajuda muito Dona Olinda, entretanto, de certo modo, deixa mais preguiçoso quem lucrou a vida toda com seus impostos: o Estado. Devíamos mesmo bater à porta dos Três Poderes e questionar se acham justo, digno e humano. Se aceitariam chegar a essa idade no papel de Dona Olinda.

Deve existir uma saída para as donas Olindas do Brasil. Uma alternativa que não seja a informalidade do subemprego que lança 22 milhões de pessoas acima de 65 anos para caminhos tão dolorosos em busca de uma renda extra.

A batalha de Dona Olinda entre os carros, assim como a de outros de sua média de idade, catando latinhas pelas ruas, vendendo panos de prato ou mesmo esmolando, não pode ser considerada um exemplo de coragem. É na verdade um tapa na  cara da sociedade. Sociedade essa que deveria erguer a voz e exigir políticas públicas concretas para uma população que nasce, cresce e morre à margem de seus direitos. Não pela escassez de recursos públicos, e sim pela falta de sensibilidade de quem ocupa cargos públicos com interesses exclusivamente privados.

Este texto é de responsabilidade do autor/da autora e não reflete necessariamente a opinião do H2FOZ.

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