Aida Franco de Lima – OPINIÃO
Observe as crianças dentro dos mercados, aviões ou ônibus. Elas estão em silêncio. Até então, antes dos celulares, elas estavam fazendo birra pelo corredor do supermercado, pedindo para os adultos comprarem isto ou aquilo. E nos aviões ou ônibus, era aquela conversação a viagem toda. As pessoas querendo dormir, e as crianças tagarelando sem parar, curiosas falando sobre a paisagem. Agora não mais. Silêncio. Elas estão imersas nas telas dos celulares.
Há algum tempo, observei um pai que foi até uma mercearia e enquanto ele fez o pedido, ele e o filho comeram o lanche, não conversaram. A criança estava em silêncio, distraída com a tela do celular. O universo dos brinquedos, dos livros, foi invadido pelo celular. E depois os pais reclamam de que não conseguem dialogar.
Se as crianças não estão interessadas nos brinquedos e os trocam pelos celulares, qual será afinal o destino dos livros? Estarão os livros predestinados aos museus, em que as excursões escolares, do futuro não muito distante, passarão por eles e os guias explicarão: “No passado, era assim que a humanidade registrava seu conhecimento.”
Muito antes de a internet tomar conta de nossa existência, no fim dos anos 1940 e início dos anos 1950, um designer italiano chamado Bruno Munari estava preocupado com o fato de os adultos, mesmo tendo condições de comprar um livro, não lerem e preferirem as revistas semanais de fofocas aos livros. Então, Munari, ao perguntar-se como resolver essa situação, buscou a resposta em Piaget e concluiu que, para que os adultos tivessem interesse pelos livros, essas experiências tinham de acontecer na primeira infância. E que deveriam ser experiências agradáveis, pois muitas vezes um adulto tinha trauma de livros justamente por más experiências adquiridas na escola, em situações em que se via obrigado a ler um livro.
Foi então que Munari criou uma série de livros que não se pareciam nada com livros, porque, diferentemente do que se conhecia, o principal não estava no texto, mas na forma como esses objetos eram apresentados. A ideia dele era apresentar algo às crianças que instigasse a imaginação, estimulando os diversos sentidos, como o tato, a visão, o olfato, entre outros.
Para começar, eram diminutos objetos que cabiam em suas pequenas mãos e com capa e contracapa iguais, para possibilitar que não houvesse certo ou errado no modo de pegá-los. Claro que em princípio Munari teve muita dificuldade para comercializar esse conteúdo e outros do gênero, mas com o passar dos anos se transformou em sinônimo de sucesso.
Livro para criança é divertido, há de vários formatos, modelos, tamanhos e valores. E se for em sebo, então, a festa está garantida. Com preços maravilhosos!
Mas aonde quero chegar com esta história? Se queremos que as crianças saiam das telas dos celulares, temos de dar outras opções. Livros, lápis, papel, massa de modelar, brinquedos, giz, giz de cera, terra, grama, espaço, ar livre, cabana de almofadas, casa desarrumada! Presença de outras crianças, mesmo que isso signifique bagunça!
Se queremos que elas saiam do universo virtual, precisamos possibilitar brincadeiras reais. E não temos tido tempo para isso. As crianças querem nossa presença, querem brincar com a gente, mas nós adultos não temos tempo e estamos cansados. Damos a elas os eletrônicos para que passem o tempo. E quando nos damos conta, já cresceram e não se interessam mais por nós e por aquilo que falamos.
É por isso que há criança que chora para voltar da escola. Porque lá, muitas vezes, é mais divertido que em casa e em nenhum momento, ao menos com os pequenos, vai ser usado o celular. É que na escola, as habilidades e os sentidos das crianças são estimulados o tempo todo. A criatividade é alimentada e floresce a imaginação.
Nos dias de hoje, Munari estaria incrédulo ao ver bebês nas telas dos eletrônicos, com as repostas prontas, enquanto há todo um universo lá fora para ser descoberto. Às crianças cabem as perguntas, os questionamentos, até mesmo as birras e tagarelices. Sem isso, a infância silenciada pula de fase e chega até aquele adulto que acha chato ler mais que três linhas, quem dirá um livro.
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