Autismo: sofá vazio e corações cheios de empatia

Unidos, estudantes transformam rotina escolar de colega autista

Aida Franco de Lima – OPINIÃO

Um dia estive no Colégio Igléa Grollmann, de Cianorte, e observei que era hora do intervalo, mas um garoto estava sentado em um sofá perto da secretaria. Imaginei que estivesse esperando resolver algum problema. Foi quando a professora Ana Floripes explicou que ele, Henry Augusto Hirata Pereira, não ia para o intervalo, preferia ficar ali. E que os amigos de sala logo chegariam.

Durante o intervalo, enquanto outros estudantes iam para o pátio, Herny preferia ficar no sofá da secretaria do Colégio. Foto: Ana Floripes.

Não foi apenas uma vez… Henry estudava no período da tarde e ficou naquele sofá perto da secretaria, na hora do intervalo, durante cinco anos letivos e nove meses. Quando iniciou o Ensino Médio, reencontrou seus amigos da manhã, e eles iam até ele na hora do intervalo, durante os meses de fevereiro a novembro do ano passado. Buscavam a merenda deles e comiam lá. O Henry não comia. Até que o tiraram para perto do portão de entrada. Depois nas mesinhas, na área verde, no pátio, e agora o sofá está vazio.

Professora Ana Floripes com Henry e seus amigos, que buscavam o lanche e ficavam com ele durante o intervalo. Foto: Aida Franco de Lima

Os próprios amigos de sala irão gravar um vídeo e contarão sobre a estratégia realizada para driblar o autismo e levar Henry até o pátio. O vídeo fará parte do processo de capacitação no mês de abril e será utilizado nas turmas do turno vespertino, sextos, sétimos e oitavos anos. O objetivo é combater o bullying, estimular a harmonia e o respeito à diversidade.

O sofá vazio, depois que Henry passou a frequentar o pátio. Foto: Ana Floripes

Outro comportamento

Hoje, Henry aumentou o nível de comunicação, reciprocidade e interação social. Diminuiu o nível de suporte e vai à escola todos os dias. Segundo ele, antes tinha dificuldades para ir, ia obrigado. Algumas vezes, tomava banho frio, na esperança de ficar doente. Dessa forma, pensava que não iria para a escola. A sua avó disse que de manhã ele se levanta rapidamente e não dá mais trabalho para acordar e arrumar-se. A mãe de Henry faleceu no ano passado, e neste ano teve aniversário com a presença de amigos da escola. No dia 27/2, completou 16 anos.

E naquele colégio, tão carregado de estudantes incríveis, Samuel, também de 16 anos, que observou toda esta história e a transformou em uma crônica. Amante dos livros e qualquer outro tipo de literatura, desde cedo gostava de conhecer as coisas ao seu redor. Com o passar do tempo, desenvolveu várias habilidades além da escrita e se tornou músico e enxadrista, conquistando algumas medalhas e troféus pelo caminho.

Henry Augusto Hirata Pereira, Arthur Frez Tedardi e Leonardo de Lima Manzzato em 14-03-2020 e em 14-03-2025, nem mesmo a posição das carteiras foi alterada, em sala de aula. Foto: Ana Floripes.

O sofá vazio

Já faz tantos dias… O Sol e a Lua fizeram vários passeios por aqui. Nos dias em que eu passava pelo corredor, havia um sofá que me molhava os olhos. Todos os dias, ele me preenchia de risos ao lado de boas companhias, mas, não tão distante, aquele mesmo sofá possuía um companheiro constante.
Nesse sofá havia várias coisas, muito mais do que uma pessoa. Solidão e angústia tinham encontro marcado e preenchiam o móvel com seus tons vazios.
O tempo passou, e os passeios do sol pareciam mais brilhantes. Eu ouvi risos no corredor, porém aquilo não parecia a alma abatida que eu via antes. A alegria era real; a solidão já era um passado distante.
Meu olhar se encantava. Aquele sofá brilhava tão intensamente! Cores vivas davam as caras, e, em meu pensamento, eu não discernia se tudo isso era sonho ou realidade. Fato é que aquele lugar sombrio havia ficado vívido, mas ainda estava escuro e difícil de enxergar. Era complexo entender: o cheio parecia vazio, o conforto parecia incômodo.
Então, de repente, quando menos esperava, meus olhos contemplaram a beleza. O tempo ficou fechado e, logo, abriram-se as portas da chuvarada. Mas a chuva não destruía os castelos, regava as flores de um campo seco. Quando me atentei, logo percebi. Eu me perguntava: “Onde está o garoto que ficava por aqui?”
O sofá se encontrava vazio. Havia tempos não o via assim, e a angústia não preenchia mais aquele lugar.
Do lado de fora, eu ouvia risos. Seu timbre me era familiar. E de longe avistei, como terra firme em alto-mar: aquele garoto cabisbaixo deixou o sofá que havia sido seu ponto de encontro diário. Agora, sua presença já não era mais frequente. Aquele sofá ficou no passado, e o presente já era realidade.
Nesse momento, meus olhos se abriram. Nunca pensei que o cheio poderia esvaziar o mais profundo do ser. Mas aquele garoto me ensinou a olhar à minha volta, pois todos estamos cheios de algo. Porém, aquele que come muito nem sempre é saudável.
Alegro-me em aprender. Alegro-me em crescer. Alegro-me pela vitória, pois aquele sofá está vazio… como deveria ser. (Samuel Pina Rodrigues, 16 anos)

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