Aida Franco de Lima – OPINIÃO
A desigualdade entre homens e mulheres é um tema que desperta tensões por parte daqueles que se acostumaram com as coisas porque elas sempre foram assim. E a forma como o assédio ocorre contra a mulher é vergonhoso, pois sempre foi naturalizado.
Vou ater-me em alguns recortes do Brasil, mas poderíamos falar de qualquer outro lugar… Há alguns anos, dei aulas para uma turma do Jovem Aprendiz. Era formada por meninos e meninas de, em média, 16 anos. Em um determinado dia, tocamos no assunto respeito, dignidade. E uma das meninas relatou que tinha sofrido abuso na infância.
Bastou uma delas falar, todas as demais contaram os mais variados tipos de assédio, de violência física, sexual, psicológica. O que dava para observar na maioria das garotas que faziam os relatos era um olhar com brilho de quem segura o choro.
Os meninos escutavam atentamente. Então, em dado momento, perguntei a eles como se comportavam quando saíam de casa, quando queriam ir até algum ambiente. Eles diziam o óbvio, que trocavam de roupa e iam. Nenhum deles comentou se a roupa que usassem poderia ser um sinal para que uma outra pessoa tocasse seu corpo. Nenhum dos garotos contou que precisava fazer uma rota mental sobre qual caminho iria seguir e qual ponto teria de desviar.
O que parece ser a coisa mais simples do mundo, sair de casa e ir buscar pão na padaria, pode ser um grande risco para uma mulher, dependendo do tipo de pessoa que ela vai encontrar no caminho e irá sentir-se entusiasmada para assediá-la.
O Brasil sempre vendeu a mulher como seu principal produto ao turista. Nos estudos de caso das aulas de marketing, é possível mostrar o abuso cometido em outras épocas, mas naturalizado para aquele período em que a Embratur (Empresa Brasileira de Turismo) vendia os corpos de mulheres como atrativos tanto quanto as praias do Nordeste ou o Pão de Açúcar.
Nos anos 1970, em um programa de televisão, A Praça é Nossa, havia um quadro em que uma americana, Kate Lyra, dizia “o brasileiro é tão bonzinho”, enquanto os homens do cenário salivavam e faziam trocadilhos com duplo sentido. E era tão normal.
Tempos depois, com os Trapalhões, o programa da família brasileira, o mesmo modo de sexualizar a mulher durante 18 anos. Na abertura do programa, em uma das cenas, o personagem Didi estava travestido de cego e apontava uma placa escrito paz, quando passava uma idosa. Mas quando era uma mulher de biquíni, ele tirava os óculos escuros, erguia uma placa escrito amor e saía em disparada com os demais atrás da moça. Em outra cena aparecia a silhueta do que pareciam ser os seios e a cintura de uma mulher nua. E Didi ia correndo abrir a porta e se deparava com uma vaca. Sempre o duplo sentido, a brincadeira.
Décadas depois, as mesmas famílias brasileiras se divertiam assistindo a brincadeiras em banheiras com homens e mulheres ensaboados. Ou mulheres frutas, nominadas de acordo com o volume do corpo e forma dos vegetais, e empresários fabricando musas, como uma tal de Tiazinha, que se vestia com cintas-ligas e um chicote. A criação foi de Luciano Huck.
Esse breve passeio foi até o meio-fio de uma longa estrada em que a mulher é transformada em objeto de consumo. Com a televisão tendo exercido um grande papel de influência nas gerações mais antigas, é claro que o reflexo não poderia ser outro. Se a mídia sempre ensinou que assédio é legal, por qual motivo pensar o contrário?
A mesma mídia que, inclusive, lucra com o Dia da Mulher, que pauta o noticiário e discute equiparação salarial, mais espaço no meio político, basta ao feminicídio e à discriminação racial, e tudo mais que faz parte do cotidiano da mulher, precisa fazer o seu mea-culpa.
Não importa se “os tempos eram outros”, assédio sempre foi violência. Porém, a depender do quanto é lucrativo, ele é travestido de arte, humor, de coisa despretensiosa… E se há uma coisa que nenhum veículo midiático tem é ingenuidade.
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