A má-fé nas vendas de produtos milagrosos em canais religiosos

Depois que realizam a primeira compra, o telemarketing tenta ganhar mais vendas na base do cansaço.

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Aida Franco de Lima – OPINIÃO


A minha vizinha é idosa e me enviou uma mensagem no WhatsApp perguntando quando eu estaria em casa, pois precisava falar pessoalmente comigo. Fiquei pensando no que a deixava tão aflita. E quem a colocou em maus lençóis foi um canal religioso. Eu explico.

Acontece que nesses canais em que uma boa parte das televisões dos lares brasileiros fica sintonizada se capta de tudo. Palavras de fé e esperança, testemunhos, mas também muitas aflições de pessoas doentes ou com familiares acamados. E é aí que entra a “indústria milagreira”.

Você já deve ter visto, os anunciantes que contribuem de modo significativo para manter esses canais se aproveitam das fragilidades do público e vendem de tudo. É travesseiro e colchão que deixam seu sono no mundo da lua, água milagrosa de algum rio que dizem ser o Jordão, panelas especiais que só faltam cozinhar pedra, e suplementos naturais.

E foi nessa cilada que minha vizinha caiu. Recebeu uma ligação de quem vende um suplemento que lhe prometia fazer bem para o corpo e levou um susto na alma. Acontece que depois dessa primeira vez que atendeu a ligação, nunca mais lhe deram paz.

O primeiro produto que ela foi induzida a adquirir foi um suplemento milagroso. A pessoa com quem ela falou ao telefone se identificou com um nome muito conhecido, sendo um dos fundadores daquele canal religioso. Ela botou fé e adquiriu 12 unidades do produto por R$ 375. Caro, né? Porém era esse valor em oito vezes! Ou seja, R$ 3.000. “Parece mais tempero de comida, gosto de manjericão”, me contou posteriormente.

No meio da conversa, ela deixou escapar que o intestino era preso, e aí já escutou do outro lado da linha que seria enviado mais um produto infalível, mesmo sem ela pedir. Não bastasse esse susto, em outra ligação, minha vizinha arrumou mais boletos para pagar, referentes a quatro tubos de pomada, daquelas que encontramos nas prateleiras dos mercados e farmácias por menos de R$ 20. Foram R$ 125. Em oito vezes! Total: R$ 1.000.

Com essas vendas caríssimas, mandam algum agrado para satisfazer o fiel. Um terço, uma rodelinha para aliviar as dores do joelho… Não bastassem as vendas, há a importunação pelas ligações sucessivas, inviabilizando que chamadas realmente importantes sejam atendidas.

Eu a orientei a não atender mais às ligações; se por acaso atender, já desligar. E também não receber mais nenhum produto, não assinar nada e, caso apenas deixassem em sua caixa de correio, devolver. No dia seguinte fui ao Procon, e a recomendação foi a mesma.

Perguntei pra essa minha vizinha como era que a compra tinha sido efetuada e se ela não desconfiava dos valores tão alto. Ela disse não ter assinado nada, que quem estava do outro lado da linha pedia somente para ela confirmar o nome e alguns dados. Ao dizer sim pelo telefone, dizia sim aos boletos também.

Fui pesquisar no site Reclame Aqui e encontrei mais de mil reclamações sobre empresas similares, pessoas que foram induzidas, que por conta de sua boa-fé foram trapaceadas.

Todos sabemos que para manter um canal religioso se exige muito investimento, mas não deviam vender a alma ao Diabo abrindo espaço para anunciantes que trocam placebos por boletos que afundam o orçamento de famílias inteiras.

Do mesmo modo que os genitores devem controlar o que os filhos acessam nas redes sociais, os filhos de idosos precisam atentar ao que os pais estão sendo induzidos a consumir nos canais que pregam a virtude, porém escorregando na avareza.

Ah, em tempo. A minha vizinha tinha sido informada pela empresa que outra caixa de mercadoria estava chegando, mesmo sem ela pedir. Quando o entregador foi até a sua casa, ela explicou o ocorrido e ele retornou com a mercadoria. Agora ela não atende mais ligações e reza para quitar os boletos.


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