Nos últimos dez meses, o estado do Rio Grande do Sul registrou quatro eventos extremos. No entanto, esse recente foi muito mais concentrado em razão das mudanças climáticas que ocorrem no planeta, afirma o biólogo e divulgador científico Emílio Garcia.
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É justamente a mudança climática decorrente do efeito estufa, responsável pelo aumento da intensidade do calor e de enchentes. O assunto foi um dos temas debatidos nesta semana em Foz do Iguaçu, durante o Pint of Science, maior festival de divulgação científica no mundo, promovido simultaneamente em mais de 20 países.
“Os eventos [climáticos] estão ficando tão frequentes e com tanta intensidade que deixou de ser feita a pergunta sobre se vai acontecer para ser feita a pergunta quando vai acontecer”, frisa Emílio.
Para ele, as mudanças climáticas devem permear as escolhas políticas e econômicas. Porém não é isso que ocorre.
Conforme o biólogo, desde a década de 1960, os cientistas fazem alertas sobre o clima. Naquela época, os termômetros já apontavam aumento de 0,3 grau na temperatura em relação à era industrial, responsável pela alteração.
Em 2023, pela primeira vez na história, a temperatura média do planeta aumentou 1,5 grau, o ano mais quente (medido). Em razão das mudanças, lugares naturalmente quentes vão ficar mais quentes ainda, ressalta Emílio. O Rio de Janeiro, por exemplo, registrou uma sensação térmica de 63 graus no ano passado.
Com base em pesquisas, Garcia informa que previsões otimistas indicam que a temperatura vai ter um aumento de dois graus. “Quando falamos de mudança climática, a gente está falando de ciência e evidencia”, frisa.
Ele explica que o aumento da temperatura média gera efeitos importantes no clima geral do planeta. E isso se deve ao efeito estufa provocado pelo consumo desenfreado de petróleo, carvão mineral, desmatamento e gás metano, esse gerado pela pecuária.
Nesse caso, o Brasil tem importante contribuição porque é um dos países que mais emitem gases do efeito estufa, sem ter larga produção de petróleo.
Mais calor
Em razão das mudanças, a perspectiva é a de que a população que mora em cidades poluídas deve viver em média cinco anos menos que as demais. Na Europa, pelo menos 15% da população já sofre com problemas de nutrição decorrentes do alto custo de alimentos.
Para reverter a situação, de acordo com Emílio, a população deveria rever o consumo de carne, ou seja, comer em menor quantidade, e quando for votar perguntar aos candidatos qual é o plano ambiental deles. “A gente tem que parar de ser criança e resolver o problema de verdade”, salienta.
Veja os principais trechos da entrevista e assista ao vídeo.
Principais causas das mudanças climáticas
A partir da década de 1960, tem-se uma percepção de que o planeta está esquentando e começa uma discussão do por quê. A dúvida é se há um aquecimento natural ou o ser humano, por meio das suas atividades, exerce influência.
Os trabalhos começaram a concretizar-se na década de 1980, mostrando que sim, a atividade humana, principalmente relacionada à queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral e gás mineral), está diretamente ligada ao aumento da quantidade de partículas de carbono na atmosfera.
Essas partículas de carbono potencializam o efeito estufa, que é importante para a vida do planeta, mas que nesse caso pode ser um problema e causa o aquecimento.
Quanto mais partícula de carbono na atmosfera, mais quente o planeta tende a ficar, e aí temos o efeito de feedback positivo. Com mais carbono na atmosfera, retém-se mais calor, que provoca a evaporação de mais água.
A maior quantidade de vapor de água retém mais calor, e a temperatura vai aumentando.
Ação do homem
O que a gente sabe hoje é que a ação do homem é importante, é relevante e tem de ser bastante debatida. Temos de discutir se vamos continuar queimando carvão ou parar e o que vamos fazer para resolver esse problema.
Linha do Equador
A água do Atlântico começa esquentar principalmente na Linha do Equador, e existe tendência de ventos e de movimentos de massa de ar entrar no continente. Essa massa de vapor de água migra para o continente e vai para a Amazônia. Parte dessa água passa pelas cordilheiras e acaba indo para o Pacífico.
Parte dessa água recebe ainda mais água porque a Cordilheira dos Andes é a mais comprida da América do Sul, ela vem margeando a América do Sul e chega ao Sul do país. Quando chega ao Sul do país, ela encontra uma massa de ar fria que está subindo da Argentina. Quando essa massa de ar fria chega, essa água condensa e chove.
Chuvas no Rio Grande do Sul
Em outros anos, o que acontecia é que a área de chuva era mais extensa. A chuva caia no Rio Grande do Sul e se estendia até o Paraná e o Sul do estado de São Paulo. O que aconteceu neste ano por causa das mudanças climáticas foi que a quantidade de água acabou sendo maior. No entanto, a gente tem uma massa de ar quente presa no centro do país. Então, além de ter mais chuva, a água sobe menos e fica concentrada no Rio Grande do Sul e chove muito lá.
Quando você olha a geografia do Rio Grande do Sul há uma parte montanhosa e uma grande planície. É nessa grande planície que a água se acumulou e alagou. Esse fenômeno acontecia antes. Essa já é uma época de chuvas no Rio Grande do Sul justamente por esse sistema, mas ele está superdimensionado, acontecendo em uma quantidade muito maior.
Uma coisa que se discute bastante é: como vamos nos preparar para algo que a gente sabe que vai acontecer? Como vamos nos preparar para manter as pessoas vivas, ter casa, luz, quando chover de novo no Rio Grande do Sul ou em qualquer lugar, ou com a seca da Amazônia?
Doenças
Uma das consequências das mudanças climáticas é a ocorrência de doenças. Quanto mais o tempo esquenta, mais as doenças “vão descendo” para outras regiões do país. Por isso, começa a aparecer zika e dengue onde não havia.
Antes, os pernilongos eram bloqueados pelo frio, e como agora não há frio as doenças vão descer.
No caso do Rio Grande do Sul há um problema muito sério que é o desastre em geral. O que acontece pós-desastre é quase tão importante quanto o desastre.
A enchente destruiu o sistema de esgoto, a rede elétrica e a infraestrutura de cidades. O que a gente sabe é que, quando esse desastre vai embora, quando o furacão, a enchente, vai embora, há aumento da quantidade de doenças que não existiam antes, por exemplo, cólera e doenças causadas por pernilongos.
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