Artista e pesquisador aborda música iguaçuense, profissão e ‘editalização’ da cultura

Profissional da música há três décadas em Foz do Iguaçu, Spartaco Avelar alia experiência e teoria em estudo para mestrado; assista.

Apoie! Siga-nos no Google News


Em seu tempo, Marx afirmou que quem constrói ou distribui o piano é considerado trabalhador produtivo, já quem toca o instrumento, não. O crítico galês Raymond Williams foi à questão para pontuar que a ideia era aplicada especificamente à analise da produção capitalista de mercadorias. É com esse pilar inicial que o músico de Foz do Iguaçu Spartaco Avelar debate a atividade como trabalho, em dissertação para mestrado.

Nessa empreitada, ele lança a sua rede bem aberta para recolher evidências e responder a outra questão crucial para sua profissão, que desenvolve na fronteira há 31 anos: existe música ou movimento musical iguaçuense? E foi além, ao descortinar os limites das políticas culturais locais e a prevalência de iniciativas para o setor turístico, em detrimento do morador, com expôs em entrevista ao programa Marco Zero, produção do H2FOZ e Rádio Clube FM.

Assista à entrevista:

A pesquisa para a titulação de mestre pela Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) abrange base teórica e entrevistas com profissionais locais, realizada sob a orientação da professora Fran Rebelatto. E contribui para elencar as principais características culturais presentes na música produzida na cidade, como ela chega à população e as ilhas de resistência da cena mais alternativa.

Ao desnovelar o primeiro problema, Spartaco defende a música como atividade produtiva, isto é, trabalho. “Pagamos nossas contas, cuidamos das nossas vidas e de familiares. O ponto forte da minha dissertação é a relação da música e trabalho, em que entendo o musicista como trabalhador ou trabalhadora produtivos. Vivemos de música”, aponta na entrevista.

Ele contextualiza que há uma dificuldade de a sociedade entender a profissão, regulamentada já na década de 1960. Lembra que a música popular foi historicamente marginalizada e que até pouco tempo quem tocava violão era chamado de “vagabundo”. Menciona a fragilidade das relações de trabalho, em que é rara a carteira assinada, a qual assegura direitos previdenciários e trabalhistas.

Música iguaçuense

A segunda questão a responder com o trabalho acadêmico é sobre a característica da produção iguaçuense. “Cheguei à conclusão de que não existe música iguaçuense como gênero nem como movimento, mas há uma cena musical de Foz do Iguaçu envolvendo vários artistas e gêneros”, sublinha Spartaco Avelar. Ele explica gênero como música brasileira ou argentina, por exemplo, e movimento sendo iniciativas como tropicália, bossa nova ou axé.

O músico destaca a cena musical expressiva que detectou na Região Norte de Foz do Iguaçu, perto da Vila C, e cita a Batalha Pista, na praça de skate que fica em frente ao Ginásio Costa Cavalcanti como outro espaço de fruição, baseado no hip-hop. Ainda lembra a diversidade, incluindo rock, sertanejo, samba, pagode e música clássica. “Temos uma cena musical forte que precisa ser valorizada”, adverte.

Com isso, dirige a sua crítica ao que avalia ser a prioridade das políticas públicas municipais para a indústria do turismo. “Essa é outra inquietação minha, porque se produz tanto para o chamado corredor turístico e pouquíssimo para a população, para os bairros, para o público da cidade. Entender isso também foi objetivo da minha pesquisa”, revela o músico iguaçuense, focalizando, a partir de então, os limites dos editais públicos.

“Editalização” da cultura

Durante o mestrado, Spartaco abraçou o conceito lançado pela professora e pesquisadora Lia Bahia, que utiliza o termo “editalização” da cultura. É uma crítica à ação governamental que adota a prática de editais de seleção cultural, uma ferramenta, como se eles fossem o todo das políticas públicas, a despeito de conceitos, planos, ações estratégicas amplas, democratização e acesso aos bens culturais.

Ao fazer a correlação desse questionamento com a realidade de Foz do Iguaçu, o artista afirma que “tem que ter edital, mas não a ‘editalização’, pois eles devem ser somente instrumentos – não os únicos nem os principais – da política pública em cultura”, avalia. E frisa que projetos autorais e instrumentais são aprovados nas seleções locais, mas os realizadores não são chamados para apresentações porque não geram interesse do turismo.

“É o show de quem quer dinheiro, como diria Lia Bahia. Quase sempre as mesmas pessoas são aprovadas, é um processo bastante excludente ainda”, opina, refletindo a partir de sua experiência e campo de atuação musical. Ele conta que recolheu depoimentos de músicos que estão há décadas na estrada, porém têm dificuldades de acessar os editais iguaçuenses por conta muitas vezes da tecnologia ou por não dominarem a apresentação de um projeto competitivo.

LEIA TAMBÉM

Comentários estão fechados.