A história da contra-cultura em Foz não é restrita as bandas, zines e as gravações, ela é formada principalmente por personagens que ‘apavoram’ na frente dos palcos da vida
Ronildo Pimentel
Erros, acertos, fracassos, glórias, prejús, vaciladas e o escambau. A contra-cultura em Foz do Iguaçu sempre foi marcada por altos e baixos – mais baixos do que altos -, um contraste das dificuldades (financeiras, quase sempre) das promoções com o espírito de união na hora do mosh e do pogo. Punks, heavys, bangers, zineiros, góticos, darks, HCs, raps, skatistas, pôrra-locas, nem lá nem cá… um espaço democrático na mais rústica forma de manifestação cultural: o underground.
A contra-cultura (ou underground, como é conhecido), aterrissou prá valer em Foz do Iguaçu em 1987, com a apresentação da paulista Vulcano (grupo que inventou o black metal) numa escola do Jardim São Paulo. “Que se abram os portões do inferno. Com vocês Vulcano”, vomitou o vocalista Zhema e de lá para cá muita coisa rolou. Mas o que restou na memória da maioria, pelo menos até o momento, foram às bandas que tiveram gravações de estúdio e, claro, alguns locais de shows como o Bambu (São Francisco), AKLP (Jardim Petrópolis), Aresfi, Lanalua, entre outros.
Agora, passados 16 anos da primeira ‘podreira’ na Terra das Cataratas, é preciso olhar em outras direções. A história do rock extremo em Foz não ficou restrita a essa ou aquela banda ou grupos que surgiram e se desintegraram, ela também é contada por personagens que foram além do limite do aceitável e do tolerável para suas épocas. Cabelos longos, brincos, tatoos, som alto, roupas negras, som satânico, um estouro, viagens alucinantes… um chute na cara do padrão padronizado para ser copiado.
Talvez um dos personagens que mais tenha marcado nesse princípio da contra-cultura nossa de cada dia, foi o Neguinho Metálica, ou simplesmente Joãozinho, o mesmo que cruzava na ‘pernada’ grandes percursos para ‘curtir’ shows de metal no São Francisco. Os freqüentadores do catapultado Bambú Pizza Bar não terão dificuldade em trazer a memória uma silhueta magra, 1,70, franzino e sempre disposto a um mosh. Neguinho Metálica curtia uma caña e numa dessas viagens ao interior do litro, lá no início dos anos de 1990, assim como os grandes ídolos do rock, morreu de cirrose.
E o que dizer do Jaime, guitarrista e fundador da Slavery Rests, a mesma banda que está ressurgindo agora no São Francisco. Para o ‘véio’ Jaime e o irmão Roberto (batera) não tinha tempo ruim não, estava em todas até sucumbir com um nódulo cerebral em meados da década passada. Jaime deixou uma lacuna até hoje não preenchida, talvez essa seja a explicação para o longo período de hibernação do ‘udigrudi’ na região Leste de Foz, e olha que lá era o reduto dos headbangers, capitaneados pela Morthal dos irmãos Bobato (Nilton e Nivaldo).
André Podrão, para quem não se lembra, foi o primeiro vocalista mirim de uma banda underground de Foz, a Horrível Sistema. Ele tinha pouco mais de 10 anos e detonava, literalmente no grupo que tinha ainda em sua formação o guitarrista Nilson Brecher (Ação Coletiva) e o baixista Luizinho (ex-The Acids Rocks). André Podrão cresceu no meio, com o som extremo na veia e num púlpito de premonição, abraçou os estudos, se formou e hoje vive tranqüilamente em alguma cidade do litoral catarinense.
E a ruiva Jane, a musa dos headbangers. Alguém ainda lembra dela? Jane apavorava nos shows de metal e se não me engano, foi a primeira ‘mina’ de Foz a dar mosh ao vivo e em cores, quer dizer, mais cores do que vivo. Atualmente a galera feminina é representada pela Daniella, mina do Everaldo (Extrema Agressão) e batera do Desespero. Daniella mostra que não é boa apenas com as baquetas e a cada festival, arrebenta pra valer nas rodas de pogo. Não tem erro não.
Um personagem que merece destaque, nem tanto pelo que se transformou, mas pelo que representou, é o zineiro Mayzena, criador e editor do Invasão Zine.
Ele se consagrou no meio punk HC, principalmente nos shows da DNA (Deus nos Acuda) e da extinta Caos Nuclear. Em meados da década de 1990, de acordo com as últimas notícias que recebi, Maiyzena virou skin head e andou levando um ‘pau’ dos punks de Foz, mas… deixa pra lá.
Outros punks ‘dasantiga’, ‘udigrudis’ na veia mesmo que não poderiam ficar de fora de jeito nenhum dessa roda de pogo, são Paim e Lixo (‘O Punk Rock não Morreu’). Um deixou Foz há algum tempo e o outro continua na ativa, mandando ver nas festas alucinadas do Jardim Naipi e do Urbanus Bar.
Paim colecionava artigos e fotos sobre o movimento underground e levava a ideologia para à frente dos palcos. Pelo que consta, ele se mudou para Curitiba onde fundou um squaiter junto com uma galera punk da capital. No local, só cultura alternativa, coisa da boa mesmo. Já Lixo continua na área, promovendo festivais e apresentações. Ele lançou recentemente o Pinico Cheio, zine mostrando um pouco da cena ‘udigrudi’ e não desistiu da idéia de criar uma associação punk.
Agora, fudida mesmo é a história da dupla Peter Necromancer e John (João Alves Gomes). Os dois, com apoio de uns e porradas de outros, realizaram no peito e na coragem, aquele que ficou conhecido como o primeiro festival underground de Foz no Jardim São Paulo, que tinha como atração principal a paulista Vulcano de Zhema e companhia.
Peter Necromancer era o ‘pavoro’ do mosh, quem não lembra das planadas no anfiteatro do Monsenhor Guilherme e John só no gole. Atualmente Peter trabalha como cinegrafista numa produtora e John é evangélico e empresário do ramo gráfico.
Outra dupla de feras do mosh, do passado e do presente, desde que seja uma banda de metal extremo, é o Lobinho (toca Raul) e Valdo ‘Podrera’. Lobinho trouxe para Foz o grito que se tornou característico nas apresentações.
Quando dava uma pane no equipamento, ou o espaço entre uma música e outra era muito grande, o silêncio era subitamente interrompido: “Toca Raul”. A história de Valdo, irmão do Cavalo, se confunde com a própria história do underground de Foz. Primeiro guitarrista do The Face e banger até os ossos, Valdo ‘detonava’ em vôos rasantes sobre a platéia.
Pill Punk, Xulé, Cláudio Clau Clau, Sandrão, Nilton Devastador, Roni Metal, Nivaldo Black Vomit, Pipe, Digão, Elisângela e Marizilda (As Rebeldes), Silvio, Boby, Patrick, Abraão, Valtinho, Maninho, Roni, Julimar, Death, Boca, Paulinho, Mula, Metal, Nego (Gilberto), Negão Slayer (Titi), Paulão Catóba, Zé Paulo, João Cabeleira, Stefânia, Fabrício, Kirno, Cabeção, Cristina, Emídio, Cássio Pirkel, Roger Savaris, Angela, Márcia, Chiderlei, Renato, Zé Luiz, Zé Beto, Adilson Borges, Neno HC, Titão, Tom, Zangão, Loba, Valdir Ovelar, Valdo, Gordinho, Giordani, Christian, Marlon, Macarrão, Zé Nilson (Goteira), Sidão…
Das noites detonadas no São Francisco às performances quase perfeitas no Oeste Paraná Clube, os personagens na platéia tiveram e têm papel tão importante quanto os personagens dos palcos da vida.
“Que se abram os portões do inferno. Com vocês Vulcano”, vomitou o vocalista Zhema em 1987 e de lá para cá muita coisa rolou no submundo cultural de Foz do Iguaçu.
Ronildo Pimentel é jornalista
Fonte: Revista Cabeza, edição nº 12, julho de 2003
Comentários estão fechados.